Acórdão nº 29004/10.3T2SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra “BB, Lda.”; “CC - transportes de Mercadorias, Lda.”; e “Companhia de Seguros DD, S.A.”, pedindo a condenação solidária destas entidades no pagamento da quantia de €125 000,00, a título de compensação dos danos não patrimoniais decorrentes do óbito de seu filho EE, vitimado em acidente laboral.

Alega, para tanto, e em síntese, que: em 12 de Abril de 2005, EE sofreu acidente mortal enquanto prestava trabalho de servente numa obra, por ter sido atingido pelo braço de uma “bomba lança betão” que era antiga e não se encontrava em bom estado de conservação, sendo a 1ª Ré dona da obra, na qual a 2ª Ré prestava serviços como subempreiteira. Sucede que aquela 1ª Ré não tinha plano de segurança, higiene e saúde no trabalho, não nomeara coordenador de segurança para a obra e não cuidou de aferir do estado da máquina quando esta entrou em funcionamento, não estando, ninguém a garantir a segurança dos trabalhos, o que, também, competia à 1ª Ré; a 2ª Ré, que não fazia a manutenção da máquina em causa, transferiu para a 3ª Ré a sua responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais advenientes do exercício da sua actividade profissional; a ora Autora viu reconhecido o seu direito a pensão anual e vitalícia em sede laboral, reclamando agora indemnização por danos não patrimoniais.

A R. “BB” veio contestar, alegando que: como dono da obra, não lhe competia fiscalizar os equipamentos que os empreiteiros que contratou aí colocavam; a máquina em causa havia sido inspeccionada oito dias antes da data do acidente; o acidente não teve como causa adequada a falta de plano de segurança e saúde para a execução da obra, não estando estabelecido um nexo de causalidade entre tal falta e o acidente; além do que excepciona a prescrição do direito invocado pela A. por decurso do respectivo prazo (art.º 498º do C. Civil).

Por sua vez, a R. “CC” veio também contestar, alegando, em síntese, que o direito da A. se mostra prescrito por decurso do respectivo prazo; o operador da máquina em causa tinha formação e larga experiência nessa área, nada fazendo prever que a lança se partisse, tendo sido adoptado o procedimento normal na operação em curso; que a máquina vinha sendo alvo de inspecção técnica periódica por mecânico com mais de 20 anos de experiência; e que os pequenos toques de ferrugem que a máquina apresentava não interferiam na solidez estrutural do equipamento; e, assim, essa ferrugem não foi causa da quebra do braço da máquina; sendo certo que o ciclo de vida útil destas máquinas é de vinte anos e a máquina datava de 1997; deste modo. a R. tomou todos os cuidados a que estava obrigada e de que era capaz; não podendo prever o fraccionamento que veio a ocorrer - defendendo que não violou quaisquer normas do Dec. Lei nº 50/2005, tendo, aliás, sido absolvida no respectivo processo contra-ordenacional.

Também, a R. “FF” (na sequência de fusão, por incorporação, da “Companhia de Seguros, DD, S.A.”) veio contestar alegando, em síntese: ser condição essencial da transferência da responsabilidade da R. CC para esta R. seguradora, conforme as condições particulares do respectivo contrato de seguro, que o tomador do seguro não tenha violado direitos de terceiro com dolo ou manifesta negligência, causando danos relacionados com essa violação - defendendo ainda que a cedência da soldadura e consequente desprendimento do braço da lança se deveu a desgaste do equipamento, não detectado, por falta de inspecção e manutenção; terminando com a invocação da prescrição do direito invocado pela A., por decurso do respectivo prazo.

A A. replicou, pugnando pela existência de nexo de causalidade entre a falta de inspecção da máquina em causa e a queda do respectivo braço sobre o seu filho, causando-lhe a morte, e opondo-se à procedência da excepção de prescrição, invocando que a A., de avançada idade, modesta e iletrada, não teve conhecimento do seu direito logo na altura do falecimento do seu filho, mas só em Fevereiro de 2008, na altura da contratação dos serviços da mandatária.

Foi declarada a extinção da instância relativamente à R. “CC”, por inutilidade superveniente da lide, na sequência da sua insolvência.

Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolveu as RR. “BB, Lda.” e “FF Companhia de Seguros, S.A.” dos pedidos deduzidos pela A..

  1. Inconformada, a A. apelou, tendo a Relação alterado a decisão recorrida e, em consequência, na parcial procedência da acção, condenado a R. “BB” a pagar à A. AA a quantia de € 100.000, acrescida de juros a contar da citação, à taxa de 4%, mantendo, no mais, a decisão recorrida.

    A Relação começou por definir o quadro factual subjacente ao litígio, nos seguintes termos: 1. A ora autora é mãe de EE.

  2. No dia 12 de Abril de 2005, cerca das 17 h 40, quando se encontrava a trabalhar, EE foi vítima de um acidente.

    2 -A A vítima, aquando do acidente, tinha cerca de 34 anos (fls. 23 e 49)[1].

  3. EE sofreu o sobredito acidente mortal enquanto prestava trabalho de servente na obra sita no lote ... da Urbanização …, Arneiro do Cuco, em A-de-Beja, freguesia de S. Brás, concelho de Amadora.

  4. EE desempenhava funções de servente.

  5. A 2.ª ré transferiu para a Seguradora DD Seguros, S.A., ora 3.ª ré, a sua responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais advenientes do exercício da sua actividade profissional, através da apólice de seguro n.º …/012578, que se compõe das condições gerais e particulares com o teor das cópias que se mostram juntas aos autos a fls. 152 a 155 e 200 a 204.

    5-A Do contrato de seguro celebrado entre a R. CC e a Companhia de Seguros DD, consta como estando fora do âmbito da cobertura do contrato, por se situarem no âmbito das exclusões de responsabilidade por perdas e danos, as ocorrências: “g) Em consequência de manifesta negligência ou procedimento violador das normas técnicas usualmente seguidas em trabalhos da mesma natureza” (cláusula 3.ª, constante do contrato documentado a fls. 154 e 155)[2].

  6. Com fundamento no acidente objecto dos autos, a ora autora intentou acção emergente de acidente de trabalho com processo especial que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Vila Franca de Xira sob o número 349/05.6TTSNT.

  7. A entidade empregadora de EE tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho transferida para a Companhia de Seguros GG, S.A.

  8. Naquele processo nº 349/05.6TTSNT, a ré seguradora foi condenada, por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no pagamento, à autora, de pensão anual e vitalícia no valor de €1.362,22 desde Abril de 2005 8-A Na acção com fundamento em acidente de trabalho que a A. moveu contra as RR. e ainda contra HH, a mesma pede a condenação dos mesmos no “pagamento de pensão anual e vitalícia, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos em virtude de acidente de trabalho, que vitimou mortalmente EE” (facto n.º 8-A, fls. 320)[3].

  9. A ora 2.ª ré é proprietária da auto bomba objecto dos autos.

  10. À data do falecimento de EE, mãe e filho viviam juntos na casa que fora pertença de outro filho da demandante de nome II.

  11. A autora vivia com o contributo financeiro que EE lhe prestou até à morte deste.

  12. EE trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de HH, seu patrão.

  13. EE residia à data do sinistro mortal, na Praça …, n.º …, 2.º Esquerdo, no Forte da Casa, concelho de Vila Franca de Xira.

  14. HH dedicava-se à indústria de construção civil (carpintaria de tosco).

  15. EE procedia à limpeza de uma laje, quando foi mortalmente atingido pelo braço da auto-bomba de lançamento de betão.

  16. A 1.ª ré, “BB”, encontrava-se a construir, para si, o edifício destinado a comércio e habitação e assegurava a fiscalização da obra.

  17. A 2.ª ré, “CC” transportara para a obra e aí descarregava betão, por meio da auto-bomba de lançamento de betão objecto dos autos, satisfazendo solicitação da ora Ré “BB”, nesse sentido.

  18. No momento do acidente as operações que eram executadas na obra consistiam na execução de trabalhos de betonagem na laje do piso (-1).

  19. O EE encontrava-se na laje do piso (-1).

  20. As tarefas que o EE executava quando foi atingido mortalmente pelo braço da lança da bomba lança betão objecto dos autos, da marca CIFA,K2 B5 R 32, instalada no veículo Mercedes Benz de matrícula …-…-IE consistiam em limpeza da laje do piso (-1), concretamente, a de retirar os restos de betão do pavimento.

  21. A referida bomba lança betão encontrava-se distanciada das lajes e estava a realizar a bombagem de betão, quando o braço da lança se soltou da torre (local da giratória) caindo sobre a laje (-1) de uma altura aproximadamente de 2 metros, sobre o corpo de EE.

  22. Por força da sua queda, o braço da sobredita bomba de betonagem atingiu EE causando-lhe lesões que levaram à sua morte.

  23. O braço da lança de descarga de betão soltou-se e caiu por causa de uma fractura da soldadura.

  24. O referido braço encontrava-se soldado à torre giratória.

  25. A auto-bomba lança betão da marca CIFA,K2 B5 R 32, fora instalada no chassis marca Mercedes-Benz, modelo k/38 (6X4) (659104), com a matrícula …-…-IE, este último, com o ano de fabrico de 1997.

  26. Sobre a laje (-1) encontravam-se EE, o trabalhador JJ e o patrão de ambos, HH, o...

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