Acórdão nº 1114/11.7TBAMT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução28 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – AA - COMÉRCIO de PNEUS, Ldª, intentou acção ordinária contra a Caixa BB, S.A.

, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia global de € 89.890,76 e no pagamento de juros à taxa de 5% ano, desde a data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do art. 829º-A, nº 4, do CC.

Alegou que vendeu e prestou diversos bens à empresa CC, Lda, que para seu pagamento preencheu, assinou e lhe entregou 11 cheques sacados sobre uma conta bancária por si titulada na R.

Apresentados a pagamento dentro do prazo legal, os cheques foram devolvidos por alegada falta ou vício de vontade que a R. aceitou sem que se tivesse certificado acerca da veracidade ou justa causa de tal revogação, razão pela qual a A. nunca recebeu as quantias por eles tituladas.

Concluiu que a recusa da R. em pagar aquelas quantias foi ilegítima, sendo certo que, não fora a atitude daquela, a A. receberia as quantias tituladas pelos cheques.

A R. contestou alegando ter aceite o pedido da CC, Lda, no sentido de não pagar os cheques pelo facto de a A. não ter cumprido as obrigações contratuais a que se obrigara e que teriam justificado a sua emissão.

Mais referiu que, nas datas da apresentação dos cheques a pagamento, a conta sacada não dispunha de fundos suficientes para garantir o seu pagamento, pelo que, não fora a aceitação da revogação, sempre seriam devolvidos por falta de provisão.

Para além disso, referiu que 3 desses cheques tinham validade até 31-12-09, tendo sido apresentados a pagamento para além desse prazo, pelo que, ainda que a R. não tivesse aceitado o pedido de revogação, jamais pagaria tais cheques. Ademais, quanto a estes cheques, a data da emissão e a sua apresentação a pagamento é posterior à sentença de declaração de insolvência da sacadora, pelo que também nunca seriam pagos, na medida em que a administração da insolvente suspendeu o pagamento de quaisquer créditos de terceiros.

Deduziu o incidente de intervenção acessória da CC, Lda, e de DD, incidente que acabou por ser admitido, sem que os intervenientes tivessem contestado.

A A. replicou.

Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a indemnização de € 57.520,00 pelos danos patrimoniais por si sofridos respeitante a 8 dos 11 cheques, com juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação e até efectivo pagamento.

A R. apelou, mas a Relação confirmou a sentença.

A R. interpôs recurso de revista excepcional sustentado na verificação de uma contradição essencial entre o acórdão da Relação e um acórdão deste Supremo Tribunal, de 21-1-13, relatado pelo ora relator) acerca da necessidade de o tomador do cheque demonstrar a ocorrência do dano patrimonial e do nexo de causalidade entre a recusa de pagamento do cheque e aquele dano.

No recurso de revista foram suscitadas as seguintes questões essenciais: a) Natureza conclusiva da resposta ao ponto 4º da base instrutória; b) Falta de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do dano e do nexo de causalidade, considerando que a R. apenas estaria obrigada a descontar os oito cheques se a conta sacada tivesse provisão, o que não sucedia.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II – Factos provados (cronologicamente enunciados): 1. A A. forneceu à CC, Lda, a pedido desta, acessórios e peças auto e inerentes serviços, tendo recebido como contrapartida os cheques referidos nos pontos 3.

e 4.

– resposta ao ponto 1º da b.i.; 2. O fornecimento referido no ponto 1.

não foi objecto de reclamação pela CC, Lda – resposta ao ponto 2º da b.i.; 3. Foram emitidos à ordem da A. AA, Ldª, os cheques referidos no ponto 4.

(fls. 13 a 34), no valor total de € 80.076,13, em que figura como sacada a R. Caixa BB, S. A., e como sacadora CC, Lda – A); 4. Os cheques referidos no ponto 3.

foram devolvidos na Compensação com a menção de cheque revogado por “falta/vício de vontade” – B).

Concretizando: a) O cheque de fls. 13, no valor de € 7.400,00, emitido em 30-7-09, foi apresentado a pagamento em 31-7-09 e foi devolvido pelos serviços de compensação em 31-7-09 com a menção “revogado p/falta/vício da vontade”; b) O cheque de fls. 15, no valor de € 7.400,00, emitido em 30-8-09, foi apresentado a pagamento em 1-9-09 e foi devolvido pelos serviços de compensação em 2-9-09 com a menção “ch.

revogado por falta de vício da vontade” (sic); c) O cheque de fls. 17, no valor de € 4.000,00, emitido em 16-9-09, foi apresentado a pagamento em 17-9-09 e foi devolvido pelos serviços de compensação em 17-9-09 com a menção “ch. revogado por falta/vício da vontade”; d) O cheque de fls. 19, no valor de € 9.000,00, emitido em 25-9-09, foi apresentado a pagamento em 28-9-09 e foi devolvido pelos serviços de compensação em 28-9-09 com a menção “falta/vício da vontade”; e) O cheque de fls. 21, no valor de € 7.400,00, emitido em 30-9-09, foi apresentado a pagamento em 1-10-09 e foi devolvido pelos serviços de compensação em 1-10-09 com a menção “ch.

revogado p/falta/vício da vontade”; f) O cheque de fls. 23, no valor de € 7.400,00, emitido em 30-10-09, foi apresentado a pagamento em 2-11-09 e foi devolvido pelos serviços de compensação em 3-11-09 com a menção “falta ou vício vontade”; g) O cheque de fls. 25, no valor de € 7.400,00, emitido em 30-11-09, foi apresentado a pagamento em 30-11-09 e foi devolvido pelos serviços de compensação em 2-12-09 com a menção “cheque revogado p/falta/vício da vontade”; h) O cheque de fls. 27, no valor de € 7.400,00, emitido em 30-12-09, foi apresentado a pagamento em 30-12-09 e foi devolvido pelos serviços de compensação em 31-12-09 com a menção “cheque revogado p/falta/vício da vontade”; i) O cheque de fls. 29, no valor de € 7.400,00, emitido em 30-1-10, foi apresentado a pagamento em 2-2-10 e foi devolvido pelos serviços de compensação em 2-2-10 com a menção “cheque rev. falta/vício vontade”; j) O cheque de fls. 31, no valor de € 7.400,00, emitido em 28-2-10, foi apresentado a pagamento em 2-3-10 e foi devolvido pelos serviços de compensação em 2-3-10 com a menção “cheque revogado falta/vício vontade”; k) O cheque de fls. 33, no valor de € 7.876,13, emitido em 30-4-10, foi apresentado a pagamento em 3-5-10 e foi devolvido pelos serviços de compensação em 4-5-10 com a menção “chq rev. justa causa fv.fv”; 5. A R. aceitou a revogação da ordem de pagamento dos cheques referida no ponto 4.

sem indagar se existia fundamento – resposta ao ponto 3º da b.i.;.

  1. À data da apresentação a pagamento de cada um dos cheques referidos nas als.

    1. a k) do ponto 4.

    (fls. 15 a 34), a conta sacada não dispunha de fundos em numerário suficientes para garantir o pagamento dos montantes titulados em cada um desses cheques – resposta ao art. 9º da contestação;.

  2. A A. ficou sem receber a quantia de € 80.076,13 referida no ponto 3.

    e, não fora a aceitação pela R. daquela revogação, podia vir a receber, pelo menos, os montantes titulados nos cheques cujas cópias estão juntas aos autos a fls. 13 a 28 (als.

    1. a h) do ponto 4.

    ) (com excepção dos montantes titulados pelos cheques referidos nas als.

    i), j) e k) do ponto 4, nº …028, de fls. 29 e 30, nº …029, de fls. 31 e 32 e nº …031, de fls. 33 e 34) – 4º.

  3. Os cheques referidos nas als.

    i), j) e k) do ponto 4.

    (nº …028, de fls. 29 e 30, nº …029, de fls. 31 e 32 dos autos e nº …031, de fls. 33 e 34) tinham validade até 31-12-09 – facto considerado assente; 9. A A. despendeu a quantia global € 172,51 com a devolução dos cheques referidos em 3.

    e 4.

    , a qual resultou da despesa daquela devolução no montante de € 15,00 por cada um dos cheques – resposta ao ponto 5º da b.i.;.

  4. A CC, Lda, foi declarada insolvente em 3-12-09 e com data de 21-12-09, o Administrador da Insolvência enviou à R. uma carta na qual solicitava o cancelamento de todos os cheques emitidos sobre contas da insolvente, carta esta que deu entrada na R. em 4-1-10 – C) e resposta ao art. 8º da contestação.

    III – Decidindo: 1.

    A pretensão indemnizatória deduzida pela A. envolve a apreciação da actuação da R. Caixa BB, SA, na sua qualidade de entidade bancária sacada, a quem é imputada a prática de acto ilícito, mais concretamente a recusa de pagamento de cheques que lhe foram apresentados pela A. e que lhe foram devolvidos com fundamento na revogação injustificada anteriormente operada pelo sacador.

    Tal envolve o instituto da responsabilidade civil extracontratual, na ponderação de que entre o tomador dos cheques é terceiro por referência à relação jurídica contratual que unicamente se estabelece entre a entidade bancária e o titular da conta a quês e reportam os cheques emitidos por aquela e por este sacados (contrato de abertura de conta associada ao contrato de provisão e de cheque).

    Como se refere no AcUJ nº 3/16: “Na base da emissão de um cheque – cuja origem está numa relação jurídica anterior (a relação subjacente ou causal) que se pretende regularizar – existem, pois, duas relações jurídicas distintas: a) A relação de provisão (v.g., depósito, abertura de crédito e descoberto em conta); b) O contrato ou convenção de cheque, que pode ser meramente tácito, celebrando-se, na prática, mediante a requisição, pelo cliente, de uma ou mais cadernetas de cheques e a entrega destes ao banco.

    A provisão – constituída pelos fundos disponíveis junto do banco – constitui um dos elementos intrínsecos do cheque e seu pressuposto lógico: o portador do cheque, uma vez legitimado em tal qualidade, está autorizado a cobrar o valor do cheque e a receber do banco sacado que, por sua vez, irá debitar, subsequentemente ao sacador, o montante dos valores que pagar”.

    O tomador, contudo, é alheio a essas convenções, surgindo apenas como terceiro a quem interessa obter do banco o pagamento do cheque. Por isso, a invocação de um prejuízo de ordem patrimonial decorrente da recusa de pagamento de cheque apresentado aos balcões do banco sacado apenas pode ser sustentada na violação, por este, de alguma norma destinada a tutelar interesses alheios (art. 483º...

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