Acórdão nº 155/11.9TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução28 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA (falecida na pendência da acção, tendo sido habilitados os seus sucessores BB, CC e DD) demandou EE, por si e na qualidade de tutor do seu filho interdito, FF, e mulher GG, pedindo que fosse declarado que pertenciam à herança dos falecidos HH e II, de quem a A. e o R. são os únicos herdeiros: a) As quantias depositadas em todas as contas bancárias existentes na titularidade de II, HH, EE, GG e FF, que foram objecto de apropriação por parte dos RR., em valor a liquidar em execução de sentença; b) E o veículo automóvel de marca Fiat, matrícula …-…-JF.

Pediu ainda que fosse declarada a perda em seu benefício do direito do R. sobre as mesmas quantias, condenando-se os RR. a entregar à A.: a) A quantia que vier a ser apurada em liquidação de sentença, com juros desde a citação; b) O veículo automóvel marca Fiat, matrícula …-…-JF.

Os RR. contestaram com a improcedência da acção, alegando que não existiu sonegação de bens da herança, mas apenas um conflito entre herdeiros relativamente à titularidade de uma quantia depositada numa conta bancária.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e: - Condenou os RR. EE e mulher GG a restituírem à herança de II a quantia de € 162.032,32 e o veículo da marca FIAT de matrícula …-…-JF; - Absolveu os RR. EE e mulher GG do pedido quanto ao mais peticionado pela falecida A.; - Absolveu o R. FF do pedido quanto a tudo o peticionado pela falecida A..

Os herdeiros da A. AA e os RR. EE e mulher interpuseram recurso de apelação, tendo a Relação confirmado a sentença, embora com a consideração de que houve da parte do R. EE sonegação da referida quantia de € 162.032,32 (para efeitos do disposto no art. 2096º do CC).

Os RR. EE e GG interpuseram recurso de revista tendo sido apresentadas contra-alegações.

Em tal recurso de revista suscitam-se as seguintes questões: a) Inadmissibilidade do aditamento oficioso aos factos provados do teor do ponto 34º que foi determinado pela Relação; b) Falta de verificação dos pressupostos da sonegação de bens da herança regulada no art. 2096º do CC, designadamente a ocultação dolosa da existência de uma conta bancária cujo montante foi transferido para uma conta do R. EE.

II – Matéria de facto: 1.

Os RR. EE e mulher GG insurgem-se contra o aditamento que foi feito pela Relação do facto que agora integra o ponto 34º do anterior enunciado, concluindo que tal facto não corresponde a qualquer alegação.

Em tal ponto a Relação fez constar que: “O R. apresentou uma declaração de doação, que constitui o documento junto a fls. 722, datada de 2008 com uma assinatura que atribuía à sua mãe, onde consta que lhe doa por conta da quota disponível a totalidade dos depósitos em dinheiro que tinha na CCAM, agência da Póvoa de Varzim.

Submetida tal “declaração de doação” a prova pericial concluiu-se que: “É praticamente provado que a assinatura da inventariada é totalmente falsa, ou seja, não ter sido escrita pela referida inventariada.” 2.

Não se entende – nem a Relação explicitou – qual a base legal para o aditamento do teor do referido ponto 34º à decisão da matéria de facto.

A nova formulação do art. 662º do CPC deixou de prever especificamente a modificação da decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, como se previa no art. 712º do anterior CPC.

Da modificação legal não resulta que tenha sido abolida essa possibilidade tenha. Ao abrigo daquele preceito, continuará a justificar-se o aditamento de novos factos cuja prova plena resulte dos autos, seja por confissão judicial ou extrajudicial, seja por acordo das partes estabelecido nos autos ou por documento dotado de força probatória plena.

Tal pode acontecer nomeadamente quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371º, nº 1, e 376º, nº 1 do CC), a 1ª instância tenha considerado não provado esse facto, atribuindo relevo a prova testemunhal produzida ou a presunções judiciais. O mesmo acontece quando tenha sido ignorada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art. 358º do CC e arts. 484º, nº 1, e 463º do CPC) ou tenha sido desconsiderado acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574º, nº 2, do CPC).

Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a 1ª instância desatendeu ou considerou não provado, alteração que não depende sequer da iniciativa da parte.

Com efeito, nos termos do art. 663º, nº 2, do CPC, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais se insere o art. 607º, nº 4, do CPC, norma segundo a qual o juiz deve tomar em consideração na sentença (que agora integra também a decisão sobre os “temas da prova”) os factos admitidos por acordo e os plenamente provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito.

  1. Porém, relativamente ao teor do aludido ponto 34º não se verificavam condições para a actuação da Relação.

    Na presente acção a controvérsia está centrada no facto de a mãe da A. e do R. Isaac ter outorgado ou não uma “doação” a este de determinadas quantias depositadas. Enquanto o R. EE alegou ser beneficiário dessa doação, a A. negou a sua existência, divergência que foi explicitada nos articulados e que acabou espelhada no ponto 65º da base instrutória (fls. 298).

    Submetido esse ponto controvertido a instrução, o Tribunal de 1ª instância concluiu que resultara “não provado” (sentença, a fls. 1317), com indicação dos motivos assentes em factos circunstanciais e na ponderação de depoimentos testemunhais e da perícia grafológica que incidiu sobre a autoria da assinatura aposta no documento que titularia tal “doação”. Tal decisão não foi questionada por nenhuma das partes.

    Ora, o teor do ponto 34º que anteriormente se reproduziu não traduz qualquer “facto” que sirva para representar a realidade que subjaz ao presente litígio, constituindo uma mera ocorrência processual cujo resultado foi valorada pela 1ª instância quando se pronunciou sobre os factos provados e não provados e quando, nessa ocasião, teve de expor os motivos determinantes da convicção formada.

    Trata-se...

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