Acórdão nº 4704/14.2T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDES DO VALE
Data da Resolução08 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça 1 - AA, nascido em 00.00.34, instaurou, em 12.12.02, na comarca de …, ação declarativa, com processo comum e sob a forma (então) ordinária, contra BB (entretanto falecida e representada pelos demais RR., seus habilitados herdeiros), CC e DD, pedindo que seja reconhecido como filho de FF, já falecido, ordenando-se o necessário averbamento, no que respeita à paternidade e avoenga paterna, ao seu registo de nascimento.

Fundamentando a respetiva pretensão, alegou, em síntese, que nasceu das relações sexuais havidas, em exclusividade, entre sua mãe, EE, e o mencionado FF, sendo certo que este sempre o tratou como se seu filho fosse.

Contestaram os RR.

: por exceção, alegando que o A. nasceu, em 00.00.34, tendo atingido a maioridade, em 00.00.55, verificando-se, assim, o decurso do prazo de caducidade, atento o disposto nos arts. 1817º, nº1, do CC e 19º do DL nº47 344, de 25.11.66 (que aprovou aquele Cod.), concluindo ter caducado, em 31.05.68, o direito do A. propor a ação de investigação de paternidade; por impugnação, alegando não ser verdade que o FF se tivesse relacionado sexualmente com a mãe do A. e que o tratasse como seu filho ou que se considerasse pai dele.

Replicando, pugnou o A. pela improcedência da deduzida exceção de caducidade, invocando, em apoio da sua tese, o disposto no art. 1817º, nº4 do CC.

Por despacho de fls. 168 e 169, foi relegado para final o conhecimento daquela exceção.

Prosseguindo os autos a sua tramitação - com vicissitudes várias que, ora, irrelevam -, veio, a final, a ser proferida (em 15.07.14) sentença que, julgando procedente a ação, determinou que “o A., AA, seja reconhecido como filho de FF para todos os legais efeitos, ordenando consequentemente o necessário averbamento, no que respeita à paternidade e avoenga paterna, ao registo de nascimento do A.”.

A Relação de …, por acórdão de 08.09.15 e na procedência, por maioria, da apelação dos RR.

, absolveu estes do pedido, o que fundamentou na procedência da deduzida exceção perentória de caducidade.

Daí a presente revista interposta pelo A.-apelado, AA, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões: / 1ª - A causa de pedir nas ações de investigação ou reconhecimento da paternidade é o facto naturalista da procriação biológica, perspectivada como facto natural dotado de relevância jurídica; 2ª - O douto acórdão recorrido confunde a causa de pedir - a filiação biológica – com os factos instrumentais ou indiciários consubstanciados na existência de alguma das presunções elencadas no artigo 1871º do Código Civil, designadamente a posse de estado; 3ª - Uma vez alegada a filiação biológica a sua prova pode ser feita por via direita científica (exame DNA) ou por via indireta (presunções); 4ª - Relegada para a sentença final a questão da tempestividade da ação e tendo sido feita a prova direta da filiação biológica, fica prejudicada a relevância de eventual presunção derivada da posse de estado; 5ª - Não foi proferida nos autos, em 1ª instância, qualquer decisão jurisdicional que tenha apreciado e decidido da caducidade da presente ação, designadamente no despacho saneador, como erradamente considerou o douto acórdão recorrido; 6ª - O conhecimento da exceção da caducidade do direito de propor a ação de investigação de paternidade foi relegado para a sentença final, que conheceu efetivamente dessa exceção, julgando-a improcedente; 7ª - E essa decisão/sentença que julgou improcedente a exceção da caducidade foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de … (acórdão recorrido) que, “aderindo à tese da não inconstitucionalidade” julgou no sentido de que o NOVO PRAZO DE CADUCIDADE previsto na Lei 14/2009 (de 10 anos) é aplicável à presente ação de investigação de paternidade instaurada em 2002; 8ª - O direito à investigação da filiação é componente dos direitos fundamentais à identidade pessoal, à constituição da família e ao livre desenvolvimento da personalidade, previstos nos artigos 26º, nº1 e 36º, nº1 da CRP; 9ª - O direito ao conhecimento da paternidade biológica, assim como o direito ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, cabem no âmbito de proteção quer do direito fundamental à identidade pessoal, quer do direito fundamental à constituição da família; 10ª - Hodiernamente, os motivos que outrora eram invocados para justificar a restrição de tais direitos, liberdades e garantias – a segurança jurídica, a procura desenfreada de fortuna e a degradação e perecimento de provas – carecem de sentido; 11ª - Assim, aquelas razões que militavam para a previsão de um prazo limitativo de caducidade das acções de investigação de paternidade têm necessariamente de ceder perante os direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, que militam no sentido da imprescritibilidade daquela tipologia de acções, nomeadamente o direito à identidade pessoal e o direito de constituir família; 12ª - Ao estabelecer um prazo de caducidade de dez anos para as ações de paternidade, o art. 1817º, nº1 do CC na sua atual redação restringe (continua a restringir) desnecessária e desproporcionalmente importantes direitos fundamentais do cidadão/investigante, violando, assim, o art. 18º, nº2 da CRP, razão pela qual é materialmente inconstitucional; 13ª - Sendo certo que, contrariamente ao defendido no acórdão em crise, não há que operar qualquer equilíbrio entre verdadeiros direitos fundamentais – o direito à identidade pessoal e o direito à constituição da família – e o mero interesse patrimonial e particular dos recorridos, que não têm como por todos é reconhecido, o mesmo peso; razão pela qual o art. 1817º, nº1 na sua atual redação conferida pela lei nº 14/2009, de 01 de abril é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18º, nº2 e 3, 26º, nº1 e 36º, nº1 da CRP; 14ª - Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mero dever de ofício se admite, na sequência da declaração de inconstitucionalidade do art. 1817º, nº 1 do CC pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão de 23/2006, de 10 de janeiro, a propositura de ações de investigação da paternidade deixou de estar dependente de prazos; 15ª - A Lei nº 14/2009, de 01 de Abril veio conferir uma nova redação ao art. 1817º, nº1, o qual passou a determinar que as ações de investigação da paternidade deveriam ser intentadas dentro do prazo de dez anos, sob pena de caducidade; 16ª - O art. 1817º, nº1 do CC, na redação conferida pela Lei nº14/2009, de 01 de abril, é uma lei restritiva de direitos, liberdades e garantias, v.g., do direito à identidade pessoal, do direito à constituição da família e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade; 17ª - O art. 3º da Lei nº 14/2009, de 01 de abril, ao estatuir que o prazo de caducidade de dez anos se aplica a processos pendentes, determina que o investigante tenha agora um prazo de 10 (dez) anos para propor a ação de investigação da paternidade, quando à data da propositura da ação o podia fazer sem dependência de qualquer prazo; 18ª - Assim, o art. 3º da Lei 14/2009, de 01 de abril determina que uma lei restritiva de direitos, liberdades e garantias produza efeitos sobre situações pretéritas; 19ª - Ora, de acordo com o art. 18º, nº 3 da CRP, as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias não podem ter efeito retroativo, sem necessidade de averiguar se houve uma efetiva lesão do princípio da confiança, a qual é dada por assente pelo legislador constituinte; 20ª - Com o que o art. 3º da Lei 14/2009, 01 de abril é materialmente inconstitucional porque viola o art. 18º, nº3 da CRP, como, aliás foi já decidido pelo Tribunal Constitucional no acórdão 161/2011, de 24 de março e no acórdão nº 24/2012 do Plenário do TC de 17 de Janeiro de 2012 que decidiram “julgar inconstitucional a norma constante do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na medida em que manda aplicar, aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, o prazo previsto na nova redação do artigo 1817º nº 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873º do mesmo Código”; 21ª - A redação do art. 18º, nº3 da CRP é clara - o sujeito gramatical é a lei restritiva de direitos, liberdades e garantias, não curando o legislador de saber se a restrição apresenta ou não um carácter inovador e se é ou não mais favorável; 22ª - Sem prescindir, a restrição dos direitos fundamentais operada pela Lei nº14/2009, de 01 de abril é efetivamente nova ou, pelo menos, assim tem de ser considerada pelo julgador; 23ª - Para todos os efeitos legais, o prazo de caducidade de 2 anos dentro do qual teria a ação de investigação ser instaurada é como se nunca tivesse existido, porque a lei que o estipulava foi banida do nosso ordenamento jurídico desde a sua entrada em vigor, por efeito da declaração da sua inconstitucionalidade com força obrigatória geral; 24ª - Donde, contrariamente ao que se defende no acórdão sob recurso, o artigo 3º da Lei 14/2009, de 01 de abril é materialmente inconstitucional por violação...

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