Acórdão nº 103/14.4JAPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução30 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º 103/14.4JAPRT, da Instância central de ... [....ª secção criminal – Juiz ...], por acórdão de 30/10/2015, foi decidido, no que respeita ao arguido AA [..., ..., nascido em ..., actualmente preso no ...] – e no que, agora, interessa considerar –, condená-lo: i) pela prática, em concurso efectivo, e em co-autoria material, de: – um crime homicídio simples, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 131.º do Código Penal[1], na pena de 14 anos de prisão; – um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 22.º e 23.º, do CP, na pena de 6 anos de prisão; – um crime de detenção de arma proibida, p. e p. no artigo 86.º, n.º 1, alínea c), com referência ao artigo 2.º, n.º 1, alínea v), e artigo 3.º, n.º 2, alínea l), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, republicada pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, alterada pela Lei n.º 50/2013, de 27 de Julho, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; – um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 204.º, n.º 2, alíneas e) e f), 22.º e 23.º do CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e ii) pela prática, em concurso efectivo, e em autoria material singular, de – um crime de falsificação de documento autêntico, na forma consumada, p. e p. no artigo 256.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 3, por referência ao artigo 255.º, alínea a), do CP, na pena de 3 anos de prisão.

iii) em cúmulo jurídico dessas penas, de harmonia com o disposto no artigo 77.º do CP, na pena única de 20 anos de prisão.

  1. Foram interpostos vários recursos para o Tribunal da Relação do Porto, incluindo pelo arguido AA, mas, por acórdão de 07/04/2016, o Tribunal da Relação do Porto a todos negou provimento.

  2. Inconformado, o arguido AA veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando a seguintes conclusões: «1. Os critérios de escolha e determinação das medidas das penas parcelares e consequente pena resultante do cúmulo jurídico não foram, uma vez mais, devidamente ponderados pelo Tribunal recorrido.

    «2. O recorrente é primário, «3. Não tem outros processos pendentes, «4. Está integrado do ponto de vista familiar e socialmente; «5. Demonstra capacidade para retomar atividade profissional.

    «6. Não olvidando ainda as demais condições especiais do recorrente e toda a factualidade dada como assente no acórdão, mas com mais vigor a que ora supra se deixa transcrita e a que resulta expressa nos factos provados - percurso de vida do arguido - cremos que as penas parcelares justas adequadas e proporcionais são: «a) 11 (onze) anos de prisão pela prática de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131°. do CPenal; «b) 4 (quatro) anos de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p, e p. pelas disposições conjugadas dos artgº. 131°., 22°. e 23°, do CPenal; «7. Em cúmulo jurídico das penas referidas nas als. a) e b) e nas demais que foram aplicadas e que, necessariamente, caiem fora do âmbito do presente recurso, na pena única de 13 (treze) anos e 8 (oito) meses de prisão, «8. E estas são as penas parcelares e aquela que resulta do cúmulo jurídico que se nos afiguram justas, sendo estas penas as que obedecem ao disposto nos artgs.º 40,° e 71.° do C.P.

    9. Houve pois inadequada interpretação e aplicação do disposto nos artgsº. 22°., 23°., 131°. e 132°., nsº. 1 e 2 al. h), 40°, e 71°. , todos do Código Penal; e, ainda, artgº. 32°, nº. 2 da CRP.

    3.

    Foi proferido despacho a admitir, sem qualquer limitação, o recurso.

  3. Na resposta que apresentou, o Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso.

  4. Recebidos os autos nesta instância, na oportunidade a que se refere o artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[2], a Exm.ª Procuradora-geral-adjunta suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso no que respeita à impugnação da pena de 6 anos de prisão aplicada pelo crime de homicídio simples, na forma tentada, e, quanto ao mais – impugnação das penas pelo homicídio consumado e única, pelo concurso de crimes – foi de parecer de que o recurso não merece provimento.

  5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, nada chegou aos autos.

  6. Não tendo sido requerida a realização da audiência (artigo 411.º, n.º 5, do CPP) e não sendo caso de rejeição total do recurso, a implicar o respectivo julgamento por decisão sumária, foi o julgamento do recurso remetido para a conferência (artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP).

    Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência, da mesma procedendo o presente acórdão.

    II 1. O objecto do recurso Como emerge das conclusões formuladas pelo recorrente – pelas quais se define e delimita o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, do CPP) –, o recurso restringe-se à impugnação das medidas das penas singulares, pelos crimes de homicídio consumado e tentado, e à medida da pena conjunta, pelo concurso de crimes, as quais o recorrente tem por excessivas.

  7. A rejeição parcial do recurso Por razões de precedência lógica há que começar por apreciar a questão relativamente à qual o recurso não é admissível.

    Como vimos, o recorrente impugna as medidas das penas singulares pelo homicídio, na forma tentada, e pelo homicídio consumado.

    Porém, pelo crime de homicídio, na forma tentada foi condenado na pena de 6 anos de prisão, pena essa em que havia sido condenado na 1.ª instância e que foi confirmada pela relação, sem que, nesse ponto, tivesse ocorrido, na relação, qualquer alteração, no plano dos factos ou da qualificação jurídica.

    Verifica-se, pois, no que respeita ao crime de homicídio, na forma tentada (e ao demais que, agora, não interessa referir), “dupla conforme”.

    Os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos da relação são admissíveis, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, segundo o qual [recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça], “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em recurso, nos termos do artigo 400.º”.

    De acordo com o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, mantida inalterada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

    São, assim, dois os pressupostos de irrecorribilidade estabelecidos na norma: o acórdão da relação confirmar a decisão de 1.ª instância e a pena aplicada na relação não ser superior a 8 anos de prisão.

    A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na actual redacção, na medida em que limita a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão superior a 8 anos, já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional.

    Aliás, nesta matéria, o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme segundo a qual o legislador ordinário goza da máxima liberdade de conformação concreta do direito ao recurso, desde que salvaguarde o direito a um grau de recurso.

    Havendo recurso para a relação e confirmação da decisão de 1.ª instância (a chamada dupla conforme), só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão.

    No caso de concurso de crimes e verificada a “dupla conforme”, sendo aplicadas vá-rias penas pelos crimes em concurso, penas que, seguidamente, por força do disposto no artigo 77.º do CP, são unificadas numa pena conjunta, haverá que verificar quais as penas superiores a 8 anos e só quanto aos crimes punidos com tais penas e/ou quanto à pena única superior a 8 anos é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

    A interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º segundo o entendimento de que a circunstância de o recorrente ser condenado numa pena (parcelar ou única) superior a 8 anos de prisão não assegura a recorribilidade de toda a decisão, compreendendo-se, portanto, todas as condenações ainda que inferiores a 8 anos de prisão, que tem sido seguida por este Tribunal, também já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional que não julgou inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado no sentido de que «no caso de concurso de infracções tendo a Relação confirmado, em recurso, decisão da 1.ª instância que aplicou pena de prisão parcelar não superior a 8 anos, essa parte não é recorrível para o STJ (…), sem prejuízo de ser recorrível qualquer outra parte da decisão, relativa a pena parcelar ou mesmo só à operação de formação da pena única que tenha excedido aqueles limites».

    Esse julgamento de não inconstitucionalidade fundou-se no entendimento de que não é constitucionalmente desconforme a inadmissibilidade de um terceiro grau de jurisdição quanto à aplicação de pena parcelar não superior a 8 anos de prisão.

    Embora noutra perspectiva de análise, o Tribunal Constitucional, em acórdão, tirado por maioria, decidiu «julgar inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigo 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da CRP)».

    Em nossa opinião, porém, a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão contém-se, ainda, no sentido possível das palavras da lei, sem comportar, por isso, analogia proibida, e observa uma...

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