Acórdão nº 96/14.8TBSPS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução24 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA - Companhia de Seguros, S.A. (A.), intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, em 07/04/2014, contra BB (R.), a pedir a condenação deste a pagar-lhes as quantias de € 94.151,16, relativa a indemnizações e regularizações de um sinistro automóvel, e de € 1.444,51, a título de juros de mora, desde a interpelação do R. até à data da propositura da presente ação, perfazendo o total de € 95.595,67, acrescida de juros legais sobre a 1.ª daquelas quantias, desde essa propositura até efetivo pagamento.

Alega, para tanto, no essencial, que: .

A A. celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, relativamente ao veículo pesado de mercadorias com a matrícula ...-...-QV, com efeitos a partir de 08/05/2007; .

No dia 28/09/2007, ocorreu um acidente de viação que envolveu o referido veículo e um motociclo, o qual se deveu a culpa do R., condutor do pesado; .

O R. conduzia, além do mais, com uma taxa de alcoolemia de 0,75 grs/l, razão pela qual seguia desatento e em estado de euforia, invadindo a hemi-faixa de rodagem contrária, por onde circulava o motociclo, sem ter tido possibilidade de evitar o embate no pesado; .

Em consequência do acidente, a A. pagou as indemnizações em que foi condenada por sentenças transitadas em julgado, tendo ainda suportado despesas de peritagem, custas judiciais e honorários, no total do valor de capital peticionado; .

Assiste, por isso, à A. o direito a ser reembolsado desse valor, a título de regresso, nos termos do art.º 19.º, alínea c) do Regime do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel aprovado pelo Dec.-Lei n.º 522/85, de 31-12, conjugado com o art.º 81.º do CE, então em vigor; .

Para tal efeito, a A. interpelou o R. por cartas datadas de 15/11/ 2013, 06/01/2014 e 10/02/2014, mas este persiste no incumprimento dessa obrigação. 2.

O R. contestou, excecionando a prescrição e defendendo, em sede impugnativa, no sentido do acidente não se dever a culpa sua, pugnando pela respetiva absolvição do pedido.

  1. Findo os articulados, realizou-se audiência prévia, no decurso da qual, após fixação do valor da causa em € 95.595,67, foi proferido despacho saneador a julgar improcedente a exceção de prescrição deduzida, procedendo-se, de seguida à identificação do objeto do litígio e à fixação dos temas da prova.

  2. Realizada a audiência final, foi proferido a sentença de fls. 212-216/v.º, datada de 17/11/2015, a julgar a ação totalmente procedente, condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 95.595,76, acrescida de juros, à taxa legal, sobre o montante de € 94.151,16, desde a data da instauração da ação (07/04/2014) até efetivo pagamento.

  3. Inconformado com tal decisão, o R. apelou dela para o Tribunal da Relação de Coimbra, impugnando quer a decisão de improcedência da prescrição proferida no saneador, quer a decisão final em sede de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 267-285, datado de 17/05/ 2016, no qual foi julgado improcedente o recurso no tocante à matéria da prescrição e, no mais, alterados alguns dos pontos da decisão de facto impugnados e revogada a decisão recorrida com a absolvição do R. dos pedidos. 6.

    Desta feita, inconformada, a R. recorreu de revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - A Recorrente “AA” intentou o presente recurso por entender que o tribunal “a quo” não efetuou uma correta aplicação do direito, designadamente ao concluir pela falta do nexo de causalidade exigido pelo artigo 19.º, alínea c), do Dec.-Lei n.º 522/85, de 31/10, e, consequentemente, pela improcedência da ação, absolvendo o R. do pedido contra si formulado; 2.ª - Com efeito, da factualidade provada resulta que foi o R. quem, de modo exclusivo, deu causa ao acidente, não só por ter invadido a hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito de veículos em sentido contrário, mas também por ter conduzido sob o efeito de álcool, acusando uma TAS de 0,75 gramas/litro, tendo, pois, ficado demonstrado o nexo de casualidade exigido entre a influência do álcool e o acidente; 3.ª - Em conformidade, o acórdão recorrido viola, por um lado, o disposto no artigo 19.º, alínea c), do Dec.-Lei n.° 522/85, de 31/12, e, por outro lado, o disposto nos artigos 349.º e 351.º ambos do CC, impondo-se, pois, a solução oposta; 4.ª - Importa salientar que, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 19.º, do Dec.-Lei n.º 522/85 (em vigor à data do acidente) “Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso contra o condutor se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado”. A ação de regresso prevista neste normativo não é uma ação de indemnização por danos, mas sim uma ação em que a seguradora exige o reembolso do que pagou, porque o risco que contratualmente assumiu não se compadece com os comportamentos do segurado tipificados naquele texto legal (condutores que agem sob a influência do álcool); 5.ª - Relativamente aos efeitos da interferência do álcool nas capacidades e reflexos necessários à condução é fundamental termos presente os dados científicos que têm merecido a atenção da nossa doutrina e jurisprudência, sendo de referir a pretensão de alguma doutrina em fazer “funcionar” mesmo presunções judiciais automáticas (cfr. Prof. Sinde Monteiro, na anotação que fez ao Acórdão Unificador n.° 6/2002, nos Cadernos de Direito Privado, n.º 2, Abril/ Junho de 2003, pág. 52); 6.ª - Apreciando o caso concreto dos autos, facilmente se depreende que, o acidente ocorreu por culpa exclusiva do R. e por o mesmo se encontrar alcoolizado. Com efeito, o condutor alcoolizado, ora R., saiu da hemifaixa de rodagem por onde circulava, invadindo a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito de veículos em sentido contrário, ou seja, por onde seguia o motociclo TL, sendo certo que foi dado como provado que o “local onde ocorreu o acidente, a estrada tem uma ligeira curvatura, com boa visibilidade e ligeira inclinação descendente, atento o sentido Castro Daire/S. Pedro do Sul", "o tráfego está assinalado com sinais de perigo A2 (lomba), B9a e B9b (entroncamentos), C14a (proibição de ultrapassar), semáforos limitadores de velocidade a 50 km/hora e sinais de informação H7 (passagem para peões), implantados em cada um dos sentidos da EN 228”, “a faixa de rodagem tem 5,30 metros de largura” e “à data do sinistro, o piso em asfalto, encontrava-se em bom estado de conservação”; 7.ª - Atenta a matéria de facto provada, nomeadamente no que à dinâmica do acidente diz respeito: “11.º O condutor do motociclo circulava prestando atenção à condução e ao trânsito no local - 13.° PI; 12.º - Ao acercar-se do local onde veio a ocorrer o acidente, o condutor do TL viu que o condutor do QV, de forma abruta, com o objetivo de mudar de direção à sua direita, para a freguesia de Sul, antes do entroncamento para essa localidade, infletiu a direção do QV para a sua esquerda, de modo a ganhar ângulo para fazer tal manobra de uma única vez - 14.° e 15.° PI; 13.ª - Considerando a largura da faixa de rodagem e o comprimento do veículo pesado QV (3,5 metros), o réu obstruiu com a viatura que conduzia parte da faixa de rodagem por onde circulava o motociclo TL -16.° PI; 14.ª - Após, guinou novamente o QV para a sua direita, para voltar à sua hemi-faixa de rodagem e continuar a efetuar a manobra -18.° PI; 15.º - O condutor do motociclo TL, ao deparar com o veículo conduzido pelo réu a invadir a sua faixa de rodagem, tentou evitar a colisão frontal, desviando-se para a sua esquerda e eixo da via -19.° PI; 16.º - Porém, face à manobra do réu referida em 14, e a curta distância entre os dois veículos, o condutor do motociclo desviou a marcha do seu veículo para a sua direita para, desse modo, passar peia esquerda do QV e evitar o embate - 21.° e 22° PI; 17.º - O que não foi possível, uma vez que o QV ainda obstruía a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o TL, tendo ocorrido o choque do TL com o vértice da traseira da caixa de carga, junto ao para-choques, do veículo QV - 23.° PI; 18.ª - Face ao choque do motociclo no canto esquerdo da caixa de carga do QV, o motociclo e o seu condutor foram projetados para a berma direita, em empedrado, que ladeia a EN 228 naquele local - 24.° PI; 19.º - O condutor do QV que não prestou a devida atenção ao trânsito e não dominou a marcha do veículo que conduzia de forma a evitar a colisão, circulava no momento dessa colisão com uma TAS de 0,75 gm/litro." 8.ª – E ainda às circunstâncias em que o sinistro ocorreu, designadamente que: - no “local onde ocorreu o acidente, a estrada tem uma ligeira curvatura, com boa visibilidade e ligeira inclinação descendente, atento o sentido Castro Daire/S. Pedro do Sul”; - "o tráfego está assinalado com sinais de perigo A2 (lomba), B9a e B9b (entroncamentos), C14a (proibição de ultrapassar), semáforos limitadores de velocidade a 50 km/hora e sinais de informação H7 (passagem para peões), implantados em cada um dos sentidos da EN 228”; - "a faixa de rodagem tem 5,30 metros de largura”; - e “à data do sinistro, o piso em asfalto, encontrava-se em bom estado de conservação”; 9.ª - Formulando um juízo de prognose ulterior, impõe-se a conclusão de que a influência do álcool no sangue foi a causa efetiva e adequada da produção do acidente, já que não ocorreu qualquer razão minimamente justificativa de tal conduta; 10.ª - No próprio acórdão que ora se coloca em crise se refere que: “face à dinâmica do acidente dada como provada, não restam dúvidas sobre a sua responsabilidade - culpa - na produção do acidente, porquanto invadiu a faixa de rodagem destinada aos veículos que circulassem em sentido contrário ao que levava, transpondo um traço longitudinal contínuo (manobra já de si proibida), sem atentar que dessa forma colocava em risco os veículos que circulava em sentido contrário...

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