Acórdão nº 2314/07.0TAMTS-D.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução07 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA, na qualidade de arguido, interpos recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação ... proferido em 19 de Novembro de 2014 no Proc. n.º 2314/07.0tamts-d.P1, transitado em julgado em 5 de Dezembro de 2014, alegando que, ao decidir pela transcrição no certificado de registo criminal de uma condenação em pena de 2 anos e 10 meses de prisão declarada suspensa na sua execução por igual período, com fundamento em que não se trata de pena não privativa da liberdade, se encontra em oposição com o acórdão da mesma Relação proferido no Proc. n.º 1668/11.8PBMTS.P1 em 26 de Março de 2013, transitado em julgado em 18 de Setembro de 2013 que, no domínio da mesma legislação e idêntica situação de facto, aceitou, contraditoriamente, a não transcrição.

Por acórdão de 23 de Abril de 2015, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando não ocorrer motivo de inadmissibilidade e haver oposição de julgados, ordenou o prosseguimento do recurso.

Notificados os sujeitos processuais, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), foram apresentadas alegações quer pelo arguido, quer pelo Ministério Público, que remataram nos seguintes termos: a) - O arguido: “ 1.º Está reunido o pressuposto a que alude o art.º 15.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro), para a não transcrição da condenação do arguido nos certificados mencionados nos art.ºs 11.º e 12.º da mesma Lei no caso de condenação em pena de prisão superior a um ano, suspensa na sua execução por igual período ao da pena de prisão[1]; 2.º A suspensão da pena de prisão constitui uma outra pena que não é pena de prisão, uma vez que o arguido não é privado da sua liberdade ambulatória; 3.º Deste modo, salvo melhor entendimento, não releva, de modo algum, a consideração como únicas penas principais as de prisão e de multa em resultado do disposto no art.º 70.º do Código Penal para que se tenha de considerar a pena de prisão suspensa na sua execução como uma pena privativa da liberdade, agora à luz do art.º 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, pois que a dicotomia entre penas principais de prisão e de multa é feita naquele preceito legal em referência a penas abstractas, enquanto o contraponto entre as penas de prisão até um ano ou não privativa da liberdade deste último normativo é referido a penas já concretizadas; 4.º Sabendo o legislador que, além da pena de multa, outras penas não privativas da liberdade existem no Código Penal, torna-se seguro que não pode colher o entendimento de que o legislador não soube exprimir adequadamente o seu pensamento e disse no art.º 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, mais do que queria dizer e, por conseguinte, que ao referir-se no art.º 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, a pena não privativa da liberdade quis excluir a pena de prisão superior a um ano suspensa na sua execução – ou até mesmo quaisquer outras penas de substituição não detentivas; 5.º A tal interpretação, salvo melhor entendimento, não deve obstar a circunstância da suspensão da execução da pena poder ser revogada e determinado o cumprimento da pena de prisão substituída, pois o mesmo se passa com a pena de multa que em caso de não pagamento poderá vir a originar o cumprimento subsidiário de prisão por tempo correspondente, reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com pena de prisão, sem que se veja, aí, qualquer obstáculo ao deferimento da não transcrição no registo criminal dessa condenação, sempre se considerando, naturalmente, que a pena de multa é, sem qualquer sombra de dúvida, uma pena não privativa da liberdade para efeitos do citado art.º 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto.

Termos em que (…), deve ser fixada jurisprudência no sentido de poder ser dispensada a transcrição no certificado de registo criminal para os fins previstos nos art.ºs 11.º e 12.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, da condenação em pena de prisão superior a um ano, suspensa na sua execução”.

  1. - O Ministério Público: “ 1.ª O art.º 9.º, n.º 1, do C. Civil impõe que a interpretação não se cinja à letra da lei, devendo reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico; 2.ª Nos termos do mesmo preceito, art.º 9.º, n.º 3, do CC, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados; 3.ª É jurisprudência pacífica, que a doutrina acompanha, o entendimento de que a pena de prisão suspensa na sua execução tem natureza autónoma relativamente à pena de prisão substituída; 4.ª É a pena de prisão suspensa que é executada e não a pena de prisão substituída, com todas as consequências legais, mormente no que concerne ao prazo de prescrição; 5.ª Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória no registo criminal o que releva é a pena de substituição aplicada; 6.ª A pena de prisão suspensa na sua execução, que substituiu a pena de prisão efectiva, não é uma pena privativa de liberdade para efeitos do art.º 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto; 7.ª O art.º 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, que contempla a Lei do Registo Criminal compreende, no que tange ao segmento “pena não privativa de liberdade”, a pena de prisão suspensa na sua execução; Propõe-se que o presente conflito de jurisprudência entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, ambos prolatados pelo Tribunal da Relação do Porto, seja resolvido nos seguintes termos: - A pena de prisão suspensa na sua execução tem natureza autónoma relativamente à pena de prisão substituída.

A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade, contemplado no art.º 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto”.

Colhidos os vistos, o processo foi apresentado à conferência do pleno das secções criminais, cumprindo decidir.

II.

Fundamentação 1. A conferência da secção julgou verificados, como dissemos, os pressupostos do recurso, mormente a oposição de julgados.

Como resulta do n.º 4 do art.º 692.º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 4.º do CPP, o pleno não está vinculado a essa decisão, podendo decidir em sentido contrário, pelo que se passa a reapreciar tal questão.

Ambos os acórdãos, recorrido e fundamento, decidiram, no domínio da mesma legislação e identidade de factos, a mesma questão de direito, qual seja, se uma pena de prisão declarada suspensa na sua execução é, ou não, uma pena não privativa da liberdade, susceptível de não transcrição no certificado de registo criminal para fins de emprego ou exercício de actividade ou para outros fins, nos termos do art.º 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro.

E sobre ela chegaram a soluções opostas.

O acórdão recorrido revogou o despacho que deferira a não transcrição no certificado de registo criminal da condenação do arguido recorrente na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, cuja execução fora declarada suspensa por igual período, nos termos do art.º 50.º, n.º 2, do Código Penal (CP), subordinada ao pagamento ao demandante de uma indemnização, com fundamento na falta de verificação de um dos requisitos do n.º 1 do art.º 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, ou seja, de condenação em pena não detentiva, preceito legal que, em seu entender, se refere somente à pena de multa e não, também, a qualquer pena de substituição aplicada em vez da pena de prisão, como é a pena suspensa.

Ao contrário, o acórdão fundamento confirmou despacho que havia deferido pedido do respectivo arguido de não transcrição no certificado de registo criminal de condenação da pena de 2 anos e 2 meses de prisão, cuja execução fora declarada suspensa por igual período, com fundamento em que a pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena autónoma da pena de prisão e verdadeiramente uma pena não privativa da liberdade do condenado, para efeitos do art.º 17.º, n.º 1, da citada Lei n.º 57/98.

Sob a epígrafe de “decisões não transcritas”, o art.º 17.º, n.º1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, na versão resultante da alteração dada pelo DL n.º 114/2009, de 22 de Setembro, dispõe que “Os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os art.ºs 11.º e 12.º”, ou seja, de certificados para fins de emprego ou exercício de actividade, ou outros fins.

Como então se salientou, foi com vista à aplicação desse normativo que os acórdãos, recorrido e fundamento, divergiram na consideração de saber se uma pena de prisão suspensa é ou não uma pena não privativa da liberdade.

O acórdão recorrido pronunciou-se em sentido negativo e, daí, não integrar um dos requisitos daquele preceito legal, pelo que o tribunal de 1.ª instância não poderia determinar a não transcrição da sentença no certificado de registo criminal. Já o acórdão fundamento pronunciou-se favoravelmente.

A identidade da legislação com base na qual foram proferidos os dois acórdãos é manifesta, já que se trata da mesma normatividade, ou seja, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro e correspondentes art.ºs 17.º, 11.º e 12.º com igual redacção, o mesmo acontecendo quanto ao art.º 50.º do CP vigente à data da respectiva prolação.

Por isso, concluiu-se então, como agora há que concluir, que, porque o recorrente dispunha de legitimidade, o recurso fora interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido, o acórdão fundamento tinha o teor...

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