Acórdão nº 294/08.3TALNH.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2016
Magistrado Responsável | ISABEL SÃO MARCOS |
Data da Resolução | 07 de Julho de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO PLENO DAS SECÇÕES CRIMINAIS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA * I. Relatório 1.
O Ministério Público, ao abrigo do disposto nos artigos 437.º, número 2, e 438.º, do Código de Processo Penal, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, em 05.03.2015, com fundamento em oposição de julgados, a saber entre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.01.2015, proferido no Processo n.º 294/08.3TALNH.L1, e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29.06.2009, prolatado no Processo n.º 390/07.4PABCL.G1, ambos transitados em julgado.
Em síntese, alegou o recorrente: − Que o acórdão-fundamento, proferido no Processo n.º 390/07.4 PABCL.G1, chamado a resolver a questão consistente em saber se o ofendido, após a publicação da sentença, pode constituir-se assistente, para efeitos de interposição de recurso da mesma, decidiu que o ofendido não pode constituir-se assistente após a publicação da sentença, ainda que com o objectivo declarado de dela interpor recurso, na medida em que a norma do artigo 68.º, número 3, alínea a), do Código de Processo Penal estabelece um prazo peremptório final; − Que, por sua vez, o acórdão recorrido, prolatado no Processo n.º 294/08.3TALNH.L1, em recurso com o mesmo desiderato, decidiu em sentido exactamente oposto, isto é que, após a publicação da sentença, o ofendido pode constituir-se assistente, para efeitos de interpor recurso da mesma.
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Foram juntas ao processo as certidões dos acórdãos recorrido e fundamento, com nota do respectivo trânsito, que ocorreu, no acórdão recorrido, em 09.02.2015, e, no acórdão-fundamento em 13.07.2009.
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Tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 439.º do Código de Processo Penal, os autos subiram a este Supremo Tribunal, onde a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, na vista a que se refere o artigo 440.º, número 1, do mesmo diploma, emitiu parecer no sentido de que se encontravam reunidos os requisitos formais e materiais exigidos, pelos artigos 437.º, e 438.º, ambos do Código de Processo Penal, para o prosseguimento dos autos como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, tal qual havia considerado o Senhor Procurador-Geral-Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa.
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Proferido despacho liminar e colhidos os respectivos “vistos”, teve lugar a conferência a que se refere o artigo 441.º, do Código de Processo Penal, onde se decidiu, por acórdão, que, ocorrendo oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, o recurso é admissível, ordenando-se, em consequência, o prosseguimento dos autos.
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Notificados os sujeitos processuais interessados, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 442.º, número 1, do Código de Processo Penal, vieram apresentar as suas alegações, que sintetizaram, 5.1 – O Ministério Público, nas seguintes conclusões: «1. Os prazos previstos no n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal referem-se à possibilidade de praticar os actos processuais previstos nos artigos 284.º e 287.º do CPP ou de intervir no debate instrutório ou na audiência de julgamento, sem que a não constituição em cada um desses momentos exclua a possibilidade de o requerer noutra fase.
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Uma vez decorrido qualquer dos prazos fixados no n.º 3 do artigo 68.º não fica precludido o direito do ofendido de se constituir assistente no processo para as fases posteriores.
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Em conformidade, a não constituição do ofendido como assistente nas fases anteriores do processo não obsta a que o mesmo a requeira, após a sentença de 1.ª instância, para efeitos e no prazo do recurso, aplicando-se a regra geral de constituição a todo o tempo, prevista no corpo do n.º 3 do artigo 68.º do CPP.
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Esta interpretação é a que melhor se coaduna com a estrutura da norma, segundo a qual a não constituição do ofendido como assistente num dos prazos nela previstos não obsta à sua constituição em momento posterior.
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Tal como a não intervenção no inquérito não obsta a que o ofendido reaja ao seu arquivamento constituindo assistente posteriormente e a não intervenção na instrução não obsta à sua intervenção em julgamento, por identidade de razão a não intervenção na audiência de julgamento não deverá obstar à interposição de recurso, condicionado ao objecto do processo delimitado pela acusação pública e pelas provas produzidas (como determina o n.º 3 do artigo 68.º, o assistente aceita o processo “no estado em que se encontrar”).
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Esta solução é ainda a que melhor se coaduna com as funções que o legislador especialmente quis atribuir ao assistente na alínea c) do n.º 2 do artigo 69.º segundo a qual “Compete em especial aos assistentes (…)“”interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável a segredo de justiça”.
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Trata-se ainda de uma interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa que atribui ao ofendido, no n.º 7 do artigo 32º, “o direito de intervir no processo, nos termos da lei”.
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Como bem refere Gomes Canotilho (CRP Anotada, Volume I, 4ª Edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 524/5), “O reenvio para lei não pode, porém, interpretar-se no sentido de uma completa liberdade de conformação por parte do legislador dos poderes processuais do ofendido. Dentre estes, o legislador não pode deixar de consagrar o direito (poder) de acusar, o poder de requerer a instrução (…) o poder de recorrer da sentença absolutória. (sublinhado nosso).
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A solução de não permitir a intervenção do assistente apenas na fase de recurso, sem que o mesmo seja advertido dessa circunstância, implica uma limitação do conteúdo do direito constitucional atribuído ao ofendido sem qualquer valor de natureza constitucional de sentido contrário que o justifique, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP.
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O entendimento de que o ofendido se pode constituir assistente no prazo de interposição de recurso não contraria nenhum princípio fundamental do direito processual penal como resulta do legislador a ter agora consagrado expressamente, na redacção do n.º 3 do artigo 68.º do CPP atribuída pela Lei 130/2015, de 4 de Setembro, ao se adicionar uma nova alínea segunda a qual “Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo (…) desde que o requeiram ao juiz: c) No prazo para interposição de recurso da sentença”.
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Ao se fixar jurisprudência no sentido proposto dar-se-á plena expressão à função da intervenção uniformizadora do Supremo Tribunal de Justiça de assegurar a igualdade do cidadão perante lei, uma vez que a mesma solução será aplicável, tanto aos processos pendentes como aos processos instaurados após a entrada em vigor da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro. 12. Pelo exposto, propõe-se que seja fixada jurisprudência no sentido de que “O ofendido pode constituir-se assistente após a publicação da sentença proferida em 1.ª instância, no prazo e para efeitos de interposição de recurso dessa decisão”»; 5.2 – O Assistente, nas seguintes conclusões: «1ª Fora das fases de debate instrutório e de julgamento, a lei permite a constituição de assistente a todo o tempo.
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Tem sido entendimento, na doutrina e na jurisprudência, ser admissível o ofendido requerer a sua constituição como assistente simultaneamente com a interposição do recurso da sentença final. Fez-se referência às fontes doutrinais e jurisprudenciais nos pontos 15 a 17 das Alegações.
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A Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto veio admitir, expressamente, a intervenção dos assistentes no caso dos artigos 284.º e 287.º, n.º 1, alínea b), "no prazo estabelecido para a prática dos respectivos actos'' (artigo 68.º, n.º 3, alínea b)).
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As razões e os argumentos que estiveram subjacentes àquela solução legislativa são aplicáveis ao presente caso.
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O ofendido que quer intervir no debate instrutório ou na audiência de julgamento terá de requerer a sua constituição como assistente até cinco dias antes da respectiva data de início; no geral poderá fazê-lo em qualquer altura do processo e, designadamente, no prazo previsto na lei para a prática do acto visado, neste caso no prazo para o recurso da sentença.
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O Acórdão recorrido admitiu a intervenção do ofendido como assistente, após a prolação da decisão da 1ª instância, para efeitos de interposição de recurso, porque "Pese embora existirem diversas posições jurisprudenciais sobre a mesma questão subjudice, entendemos que a que melhor assegura os direitos dos intervenientes processuais é a de que deve ser admitido a intervir como assistente na fase de recurso (...)." 7ª O Acórdão indicado como fundamento de oposição, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do Processo n.º 390/07.4PABC.G1, decidiu pela inadmissibilidade da constituição como assistente do ofendido, na mesma fase processual, com o mesmo objectivo, isto é, o pedido feito após a prolação da decisão absolutória da 1ª instância, com o objectivo de dela interpor recurso.
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Os dois acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, deles não era admissível interpor recurso ordinário, manifestam decisões expressamente contraditórias sobre a mesma questão de direito.
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Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 68.º, n.º1 alíneas a), b) e d) e n.º 3 alínea b), artigo 69.º, n.º 2, alínea c), artigo 284.º, artigo 287.º, n.º1 alínea b) e artigo 401.º, n.º 1 alínea b) e n.º 2 do CPP, deverá ser admissível a apresentação simultânea, pelo ofendido, do pedido de constituição como assistente e do requerimento de interposição de recurso da sentença penal que o afecte, desde que respeitado o prazo para o recurso. 10ª Entendimento diverso é ilegal e inconstitucional, violando o disposto nos artigos 20º e 32º, n.º 1 da Constituição e 68.º, n.º 3, 69.º, 39.º, 401.º, n.º 1, alínea d), 402.º e 411.º do CPP.
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Entendendo-se que o acórdão recorrido deverá ser mantido e que o conflito que se suscita há-de resolver-se fixando-se jurisprudência no...
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