Acórdão nº 414/14.9TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução23 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA - Construção da Scut dos Açores, A.C.E.

, intentou acção declarativa contra Caixa BB, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 438.900,00, acrescida de juros moratórios vencidos, no montante de € 6.290,04, bem como dos vincendos, fundamentando a sua pretensão na garantia bancária prestada pela Ré a seu favor.

A Ré contestou a pugnar pela improcedência da acção, invocando a extinção da garantia prestada em resultado da posterior cessão da posição contratual, sem o seu consentimento, e o abusivo accionamento da garantia.

Após a audiência prévia, foi proferido saneador/sentença que, na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 175.000,00, acrescida de juros moratórios, desde o dia 29 de Outubro de 2013, relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais.

Apelaram a Ré e a Autora, esta subordinadamente, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, na procedência do recurso da primeira e improcedência do impetrado pela última, revogado a decisão da 1ª instância, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as conclusões seguintes: 1.

Por douto Acórdão de fls.... dos autos, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente a apelação, absolvendo a ré do pedido; e improcedente o recurso subordinado.

  1. Concretamente, e face à matéria constante dos autos, concluiu o Tribunal da Relação de Lisboa que "Na cessão da posição contratual a manutenção das garantias prestadas por terceiro exigem o consentimento de quem as prestou, por aplicação analógica do art.º 599°, n° 2, do Cód. Civil".

  2. Viola o Acórdão recorrido, de modo absolutamente censurável, o disposto no n° 2 do art.º 406°, no n° 1 do art.º 217°, no art.º 236° e no art.º 237°, todos do CC, incorrendo em erro na aplicação analógica, aos presentes autos, do disposto no n° 2 do art.º 599° do CC.

  3. Nos termos da garantia bancária supra indicada, a ora recorrida expressamente confirmou que: Tem conhecimento de que foi celebrado entre AA - CONSTRUÇÃO DA SCUT dos Açores. A.C.E., com sede na Rua …, Polígono Industrial, Lote …, da freguesia de Rabo de Peixe, do concelho da Ribeira Grande, e distrito de Ponta Delgada nos Açores, pessoa colectiva n° …, matriculada na Conservatória do Registo Predial/ Comercial de Ribeira Grande sob o mesmo número, doravante designada por ACE, e o Ordenante a 19 de Setembro de 2007 um contrato de Subempreitada nos termos do qual o Ordenante irá executar uma parte da Empreitada da Concessão da Scut dos Açores; 5.

    Nos termos do referido Contrato de Subempreitada, o Ordenante obrigou-se a entregar ao ACE uma garantia bancária, autónoma, incondicional, incondicionada e à primeira solicitação correspondente a 438.900,00 Euros (quatrocentos e trinta e oito mil e novecentos euros), para garantia da boa e pontual execução e integral cumprimento de todas as obrigações previstas em tal Contrato e que, para os efeitos previstos na presente garantia, se designarão por "Obrigações Garantidas ", que poderá ser executada em caso de incumprimento do Contrato de Subempreitada; 6.

    É-lhe estatutária e legalmente possível a emissão desta garantia, não violando a mesma qualquer lei, estatuto, regulamento, instrução ou regra aplicável, que de algum modo a tome ilegal ou inválida.

  4. E, face às confirmações expressas acima indicadas, a ora Recorrida prestou uma garantia autónoma, irrevogável, incondicional, incondicionada e à primeira solicitação (a "Garantia"), a favor da ora Recorrente ("Beneficiária"), obrigando-se o Garante - ora recorrida — a pagar ao ACE - ora recorrente - por uma ou mais vezes, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar de solicitação que lhe seja dirigida pelo ACE - ora recorrente - qualquer quantia por ela indicada até atingir o Montante Máximo;.

  5. Acontece, porém, que interpelada para proceder ao seu pagamento, a ora Recorrida não o fez, inicialmente pedindo documentação, posteriormente (mais de 3 meses depois) alegando que a cessão de posição contratual determinou o cancelamento da garantia bancária prestada.

  6. Contudo, e como muito bem decidiu o tribunal de 1ª instância, tal argumento não deverá colher.

  7. Atentas as particularidades do caso dos autos, enunciadas na decisão da 1ª instância, importa concluir que a cessão da posição contratual não determinou a extinção da garantia bancária.».

  8. O Tribunal da Relação de Lisboa não fez a correta análise e interpretação dos contratos celebrados - garantia bancária, empreitada e cessão de posição contratual - e, por conta de tal análise insuficiente, tomou uma decisão que viola claramente o princípio da liberdade contratual e o teor das expressas declarações negociais.

  9. Na Cláusula Sexta do contrato de subempreitada consta que «Para garantia do bom cumprimento do presente Contrato, o SEGUNDO OUTORGANTE prestará ao ACE, na data da assinatura do Aditamento identificado na Cláusula Primeira deste Contrato, uma caução de montante equivalente a 5% (cinco por cento) do valor indicado na Cláusula Segunda, a qual poderá revestir a forma de garantia bancária sujeita à cláusula "à primeira solicitação", de acordo com a minuta a fornecer pelo ACE.».

  10. Temos, pois, que a sociedade CC & Filhos, S.A. ordenou a emissão da garantia bancária à ora Recorrida para garantia da boa execução do contrato de subempreitada, que tinha por objeto os trabalhos de Obra Geral.

  11. Ora, tal garantia manteve-se, e mantém-se, inalterada, assim como as obrigações garantidas.

  12. A garantia bancária foi emitida para garantir o cumprimento integral, pontual e atempado das Obrigações Garantidas que, reitere-se, são os trabalhos de Obra Geral.

  13. Acresce, ainda, conforme consta expressamente do n° 4 da Cláusula 1º do Contrato de Cessão de Posição Contratual, que as garantias bancárias prestadas pelos membros do consórcio, nomeadamente a que se discute nestes autos, se mantinham em vigor e válidas, quer para garantia dos trabalhos executados, quer a título de garantias de Aditamento prestado, tudo nos termos do Contrato de Subempreitada cedido.

  14. O que significa que não existiu qualquer novação subjetiva, mantendo-se a obrigação prestada através da garantia bancária ora em crise nos exatos termos inicialmente acordados, ou seja, perante o AA - CONSTRUÇÃO DA SCUT, ACE, ora Recorrente, não tendo existido qualquer substituição do credor originário.

  15. Isto porque, reitera-se, conforme consta expresso no Contrato de Cessão de Posição Contratual, a cessão e a decisão de constituir o ACE CEGA teve em vista a coordenação integrada das contribuições de cada uma das empresas no âmbito das tarefas que lhes cabem e a articulação de meios de produção.

  16. Até porque, conforme consta também expresso naquela Contrato de Cessão de Posição Contratual, os membros do CONSORCIO decidiram constituir um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) que tem por objeto a execução da referida subempreitada, e que é aqui interveniente como CEGA, embora mantenham todas as Empresas do Consórcio, agora empresas agrupadas do A.C.E. responsabilidade solidária perante o AA - CONSTRUÇÃO DA SCUT das obrigações agora cedidas para o A.C.E.

  17. Pelo facto de o novo ACE (CEGA) mais não ser que um veículo para a coordenação integrada das contribuições de cada uma das empresas no âmbito das tarefas que lhes cabem e a articulação de meios de produção, mantiveram as partes plenamente em vigor a responsabilidade solidária de todas as Agrupadas do ACE e do Consórcio, bem como todas as garantias bancárias prestadas pelos membros do Consórcio, agora Agrupadas do ACE, quer para a garantia dos trabalhos executados, quer a título de garantias de Adiantamento prestado, tudo nos termos do Contrato de Subempreitada cedido.

  18. Ao contrário do referido no acórdão recorrido, não assistimos à transformação da ora Recorrida de garante da responsabilidade de um subempreiteiro, sociedade comercial de responsabilidade limitada, e só deste, em garante de uma pessoa coletiva, um ACE (Agrupamento Complementar de Empresas), sendo aquele subempreiteiro um dos seus associados, pelo simples facto que as suas obrigações e responsabilidades se mantiveram inalteradas.

  19. Sendo totalmente falso que a sociedade CC ordenante tivesse passado a responder como mero garante do cumprimento por terceiros e como responsável pela execução do contrato de subempreitada de que deixou de ser parte.

  20. Dizer isto é a clara demonstração de que não se atentou na documentação dos autos, mormente no teor do contrato de empreitada - que prevê a responsabilidade solidária da ordenante Aurélio por todas as obrigações assumidas - bem como no teor do Contrato de Cessão de Posição Contratual - que manteve inalteradas tal solidariedade.

  21. Aliás, não deixa de ser demonstrativo desta falta de atenção o facto do acórdão recorrido referir que "quem reclamou o pagamento da garantia não é a sociedade beneficiária que consta do contrato, como ordenante, mas outra empresa". Porque, na verdade, quem reclamou o pagamento da garantia foi a ora Recorrente AA - CONSTRUÇÃO DA SCUT que é a entidade que consta na garantia bancária como beneficiária! 25. Efetivamente, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que o beneficiário não pode exigir a garantia quando o dador da ordem cede a sua posição contratual no contrato-base sem o consentimento do banco garante.

  22. No entanto, tal entendimento advém do facto do banco garante não conhecer - e, por isso, não poder aferir - as capacidades do cessionário, entidade nova na relação comercial, situação que poderia acarretar uma alteração das razões pelas quais a ora Recorrida prestou a garantia.

  23. Acontece, porém, como muito bem notou a decisão da 1ª instância, tal não sucede no caso concreto, uma vez que a constituição da Cega não acarreta para a R. uma alteração radical das razões por que assumiu a garantia.

  24. Neste sentido vai o entendimento dos honoráveis Professores Doutores Pires de Lima e Antunes Varela, in...

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