Acórdão nº 506/12.9TTTMR-A.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução30 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – 1. AA instaurou contra BB, S.A., procedimento cautelar de suspensão de despedimento, que a final veio a ser julgado improcedente, e a requerida absolvida dos pedidos contra ela nesse âmbito formulados, por o Tribunal ter entendido, em termos de juízo perfunctório, que os factos imputados ao A. podiam ser constitutivos de justa causa de despedimento.

Na sequência dessa decisão, e nos termos dos arts. 36º, nº 4, 98º-C, nº 2, e 98º-I, nº 4, todos do CPT, a R. veio apresentar articulado motivador do despedimento, aí sustentando a licitude e a regularidade do despedimento proferido contra o A., em 5-12-2012, conforme processo disciplinar oportunamente junto aos autos, que concluiu pela existência de justa causa, por alegadamente o trabalhador ter incorrido em desobediência ilegítima a ordens da hierarquia e em faltas injustificadas por mais de cinco dias consecutivos.

  1. Contestou de seguida o A., pugnando pela nulidade do despedimento, que constituiria, no seu entender, uma sanção abusiva, e deduziu reconvenção na qual pediu a sua reintegração sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, bem como a condenação da Ré no pagamento:

    1. Do valor correspondente às retribuições mensais do A. vencidas e vincendas desde o despedimento e até à data da sentença, devidamente actualizadas, sendo que neste momento já se podem computar em pelo menos € 24.000,00 e € 987,14 a título de subsídio de almoço; b) Do montante correspondente à componente da retribuição do A. respeitante ao uso de telemóvel e da viatura durante o mesmo período; c) Dos juros de mora, à taxa legal, respeitante aos créditos vencidos e vincendos, desde as datas dos respectivos vencimentos até ao seu efectivo pagamento.

  2. À contestação respondeu a Ré, quanto à matéria da reconvenção, defendendo a improcedência da mesma.

  3. Após prolação do despacho saneador e audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos: “… O Tribunal declara ilícito o despedimento do A. AA e, consequentemente, condena a R., BB, S.A., a reintegrá-lo na sua organização produtiva, sem prejuízo da antiguidade e categoria profissional.

    Condeno ainda a R. BB, S.A. a pagar ao A. todas as retribuições vencidas e vincendas desde a data em que se operou o despedimento, ora declarado ilícito, em 5-12-2012.

    Mais condeno a R. no pagamento de juros de mora sobre as quantias em dívida desde a data da citação até integral e efectivo pagamento, à taxa legal.” 5. Inconformada com o assim decidido, apelou a Ré e o Tribunal da Relação revogou a sentença recorrida e absolveu a R. dos pedidos contra esta formulados.

  4. Foi interposto recurso de revista por parte do A., no qual formulou, em síntese, as seguintes conclusões: 1. O STJ pode exercer censura sobre o uso que a Relação fez dos poderes conferidos pelos arts. 662° e 682° do CPC, pode ainda ordenar a modificação da matéria de facto se tanto se tornar necessário para uma perfeita decisão de direito; 2. A decisão recorrida assentou, por um lado, numa deficiente alteração e fixação da matéria de facto e, por outro, na errada apreciação daqueles que foram dados por assentes; 3. E confunde o que são funções atribuídas a um trabalhador, normalmente identificadas por referência a uma categoria profissional, com uma ordem para executar uma simples tarefa; 4. O A. esteve vários meses na sede da Recorrida sem que quaisquer funções lhe fossem atribuídas, sem uma ocupação efectiva, numa situação indigna, numa sala com pouco mobiliário e afastado dos restantes trabalhadores da empresa; 5. O n° 87 da matéria de facto foi correctamente fixado na sentença e erradamente alterado pelo Acórdão recorrido, com influência decisiva na decisão sob recurso, como expressamente se acentua na mesma, o que permite concluir que sem essa alteração, a decisão teria sido a contrária; 6. O A. aceitou apresentar-se na CC, onde esteve uma segunda vez, e por ordem meramente verbal não obstante ter pedido a mesma por escrito, e recebeu instruções para realizar um inventário no armazém que se traduziu, na prática, na contagem de vários itens que o A. caracterizou, numa linguagem sarcástica, ou como figura de estilo, como "porcas e parafusos"; 7. A recusa em dar instruções por escrito, tal como foi solicitado pelo A., não pode deixar de ser considerada como extremamente relevante, em particular no contexto de incumprimento de uma decisão judicial como era aquela em que as partes estavam envolvidas; 8. O problema do Recorrente não era a alteração do local de trabalho, ... ou ..., mas os subterfúgios usados pelos responsáveis da Recorrida para não cumprir a sentença que determinou que fossem atribuídas ao A. funções compatíveis com a sua categoria profissional; 9. A desobediência do A. e as faltas que deu não constituem justa causa para despedimento, uma vez que com o procedimento disciplinar a Recorrida quis responder ao exercício, pelo Recorrente, dos seus direitos enquanto trabalhador, consagrados em várias decisões judiciais transitadas em julgado; 10. A sanção aplicada ao A. tem que ser considerada abusiva; 11. O acórdão recorrido, ao confirmar a procedência da acção, violou o disposto nos arts. 128°, 331°, 351° e 381° do Cód. do Trabalho e 662° do CPC.

  5. A R.

    contra-alegou e concluiu nos termos que de seguida se resumem:

    1. Em sede de recurso de Apelação analisou-se a conduta da R., ali Recorrente, na sua posição de Entidade Empregadora e a reacção do A., na sua posição de Trabalhador, tendo-se procedido a uma análise da matéria de facto dada como provada, analisado a fundamentação desse julgamento e feito o necessário confronto da decisão sobre a matéria de facto com a prova efectivamente produzida nestes autos, pedindo a alteração da mesma.

    2. O Autor, que era Recorrido na apelação, e em sede de contra-alegações para o Tribunal da Relação, exerceu o necessário contraditório, tendo feito a sua apreciação da prova produzida e tendo deduzido os seus argumentos sobre a decisão sobre a matéria de facto e pedido de alteração.

    3. Considerou, então, o Tribunal da Relação, que as ordens dadas pela R. se encontram dentro do poder de direcção e autoridade que assistem à Entidade Empregadora e que, tendo o Autor desrespeitado frontalmente tais ordens, incumprindo os pedidos que lhe foram feitos e, inclusive, tendo deixado de comparecer no local de trabalho, tal conduta consubstanciava justa causa para despedimento, em função da violação dos deveres de obediência e de assiduidade.

    4. Pretende agora o Autor reverter esta decisão, argumentando, em suma, que a decisão recorrida assentou, por um lado, numa deficiente alteração e fixação da matéria de facto e, por outro lado, na errada apreciação daqueles que foram dados por assentes, invocando para o efeito, o poder do Supremo Tribunal de Justiça para "exercer censura" sobre o uso que a Relação fez dos poderes conferidos pelos artigos 662º e 682º do CPC.

    5. Salvo o devido respeito pelo Autor, que muito é, o que se pretende com este recurso não é uma mera censura sobre o uso que a Relação fez dos seus poderes. Sendo que, aliás, as suas Alegações não analisam o exercício de tais poderes, não fazem um juízo crítico sobre a apreciação da prova por parte do Tribunal a quo, não invocam, pasme-se, qualquer desconformidade do juízo feito pelo Tribunal da Relação com qualquer preceito legal, limitando-se a fazer uma reapreciação da prova produzida em primeira instância.

    6. Em desrespeito pelo disposto no nº 2, do artigo 682º, do CPC, que estabelece, claramente, que a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo a excepção prevista no nº 3 do artigo 674º do CPC (que de resto não foi sequer invocada neste recurso).

    7. Assim, salvo melhor opinião, não deve este Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de facto dada como provada, porquanto tal poder foi já exercido pelo Tribunal da Relação, não merecendo essa decisão qualquer censura, porquanto no exercício desse poder o Douto Tribunal a quo não violou qualquer disposição legal.

    8. Acresce que o Autor, nas conclusões g) a j), não esclarece por que motivo a decisão do Tribunal a quo deve ser revertida em termos de Direito, não apresentando um facto, um argumento passível de inflectir o raciocínio, aliás Douto, que o Tribunal da Relação fez para concluir pela licitude do despedimento, pois limita-se a afirmar que a sanção que lhe foi aplicada tem de ser considerada abusiva não motivando, salvo melhor opinião, o raciocínio que deveria conduzir a tal conclusão.

    9. Mas nos termos do disposto no artigo 351º do Código do Trabalho, maxime, nas alíneas a) e g), do número 2, e no nº 1, desse mesmo preceito, o despedimento do Autor deve ser considerado como lícito e regular, como bem decidiu o Tribunal da Relação por tudo o que se provou.

    10. Viu-se a Ré na obrigatoriedade de reintegrar o Autor, na sequência de decisão judicial proferida na providência cautelar, na sua organização produtiva sem que, no entanto, tivesse possibilidade de lhe conceder uma ocupação.

    11. Por isso, a Ré entregou ao Autor, em mão, uma carta na qual lhe dava instruções concretas sobre as funções a desempenhar e, no âmbito da ordem dada, o Recorrido deveria apresentar-se, no dia 29-03-2012, na fábrica da ..., sita na Quinta do …, … da ..., às 9h, no cliente da Recorrente CC, S.A. para efectuar o inventário de armazém de produto acabado e intermédio, bem como do armazém de pescas, com vista à valorização e optimização futura, sendo que tais funções, como referido na mencionada carta, seriam temporárias e decorriam do exacerbado volume de trabalho aí existente e da falta de recursos humanos, e deveria demorar um período de aproximadamente três meses [pontos 33, 34 e 35].

    12. Da matéria de facto dada como provada, esta foi a única instrução que foi dada pela Ré ao Autor.

    13. Mas só apenas no dia 20-08-2012, o Autor iniciou as funções que lhe tinham sido indicadas pela Ré, depois...

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