Acórdão nº 2213/10.8TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução02 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:

  1. Relatório I – Pela 12.ª Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa corre acção declarativa de condenação, na forma ordinária, em que é autor AA, identificado nos autos, e é ré BB, Inc, onde pede a condenação desta no pagamento de € 190 000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora que se vencerem, desde a data da citação até integral pagamento.

    Alegou, em síntese, que a ré, anteriormente denominada de CC, Inc, em 2007 e 2008, produzia e comercializava um teste para detecção semi-quantitativa do antigénio específico da próstata (PSA), denominado On Call PSA, com a referência TPS 402 e para despiste do seu PSA, o autor efectuou esses testes, na farmácia de Santo António dos Cavaleiros, em várias datas de 2007 e 2008, sendo os resultados sempre negativos, inferiores a 4 ng/ml; em Fevereiro de 2008, através de análise efectuada a amostra de sangue obtida por colheita venosa, foi detectado ao autor um valor de PSA de 8.0; em Abril de 2008, e após biópsia que realizou no Instituto Português de Lisboa DD, EPE, foi-lhe diagnosticado Adenocarcinoma da Próstata; em Junho de 2008, com a idade de 61 anos, foi submetido a uma prostatectomia radical; em Julho de 2008, foi submetido a Junta Médica, no Centro de Saúde de …, que lhe atribuiu uma incapacidade permanente global de 60%, vindo a sofrer de sistemática e irreversível incontinência urinária, disfunção eréctil definitiva (impotência), permanente irritabilidade, ausência de concentração e auto-estima, tendo-se separado da companheira com quem vivia há mais de 20 anos e afastado dos filhos, restantes familiares e amigos, tudo causado pela deficiência do teste On Call PSA – que não permitiu uma atempada detecção da doença – deficiência essa que veio a ser reconhecida pela própria ré, em Agosto de 2008, bem como pelo Infarmed que, em Setembro de 2008, através da Circular Informativa n.º 145/CD, ordenou a suspensão imediata da comercialização do teste em causa, que, no caso do autor, produziu falsos negativos de nível de PSA, tendo conduzido a diagnóstico errado.

    A ré contestou por excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento da causa; por excepção peremptória de facto impeditivo da responsabilidade objectiva do produtor, dado estarmos perante caso de força maior, alegando, em síntese, que a teoria da causalidade adequada não permite ir tão longe, como o autor pretende, na medida em que os danos alegados resultam do diagnóstico da doença de que padece e não de um alegado defeito nos testes a que se sujeitou e que terão conduzido a um tardio diagnóstico de tal doença, que é caso de força maior, e, finalmente, por impugnação da factualidade alegada na petição inicial, concluindo pela absolvição da instância ou, se assim não se entender, pela absolvição do pedido formulado contra si pelo autor.

    O autor replicou, defendendo a competência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento da causa, concluindo, no mais, como na petição inicial.

    Proferido despacho de convite a aperfeiçoamento (folhas 82), veio o autor apresentar nova petição inicial, ao que a ré respondeu, concluindo, um e outra, como no respectivo articulado inicial.

    Realizada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador onde se decidiu pela improcedência da excepção de incompetência internacional, julgando-se competentes os tribunais portugueses para o julgamento da causa; e ainda despacho de condensação factual - folhas 121 a 125 – onde se declarou a matéria assente e se organizou a base instrutória, o que foi objecto de reclamações que, vindo a ser deferidas, deram azo à elaboração de novo despacho de condensação, que consta a folhas 152 a 157.

    Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, conforme da acta consta, tendo sido proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar ao autor, a título de indemnização, por danos não patrimoniais, a quantia de € 85 000,00, acrescida de juros de mora legais civis, desde a data da citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

    Inconformada com o assim decidido, apelou a ré, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, com absolvição da ré/apelante do pedido.

    Inconformado, recorre o autor de revista e alegou, em conclusão, o seguinte: (…) B) No entender do ora Recorrente o Tribunal "a quo" errou na interpretação e aplicação da norma em apreço (o art.342.º, n.º 1, do CC) porquanto o teste fabricado pela Recorrida para detectar o antigénio específico da próstata (PSA), denominado «On cal PSA», foi retirado do mercado pela própria empresa por ser incapaz de cumprir os requisitos de desempenho do tempo de vida atribuído inicialmente de 24 meses, tendo o Infarmed ordenado a suspensão imediata da comercialização do referido teste.

  2. Aplicou erradamente o tribunal "a quo" as regras de ónus da prova entendendo que caberia ao Recorrente a prova do defeito do produto, sendo certo que, quem não ilidiu a referida presunção foi a Recorrida já que a mesma admitiu existirem lotes de produtos com validade inferior à publicitada e garantida pela marca mas nunca logrou demonstrar, que estes não pertenciam aos lotes retirados do mercado por se entenderem inválidos ou defeituosos.

  3. O DL 383/89, de 6 de Novembro agora DL n.°131/2001 de 24/04, consagra o carácter objectivo da responsabilidade do produtor consagrando que o lesado já não precisa de demonstrar a existência do defeito no domínio da organização e risco do produtor no momento em que o produto foi posto por este em circulação.

    Esta existência é presumida por lei, cabendo ao produtor ilidi-la.

  4. O artigo 4.° do mesmo DL estabelece a noção de produto defeituoso em oposição ao art.2°/1/b) do DL n.°311/95 que nos confere a noção de produto seguro, não sendo admissível que se entenda que confrontando ambas as noções se possa considerar o produto comercializado pela Recorrida um produto seguro.

  5. Conclui nesta senda a Recorrente pela violação também do artigo 487.° do Código Civil por não aplicar na sentença recorrida a presunção legal estabelecida pelo normativo legal supra citado, focando assim erradamente o ónus da prova para o Recorrente quando o deveria fazer para a Recorrida.

  6. O folheto informativo do produto comercializado pela Recorrida refere que o nível de PSA no soro de homens saudáveis está entre 0,1 ng/ml e 2,6 ng/ml, o que pode ser elevado em condições malignas como cancro de próstata e em condições benignas como hiperplasia prostática benigna e prostatites, sendo que um nível de PSA de 4 a 10 ng/ml é considerado indeterminado e acima de 10 ng/ml é altamente indicador de cancro. Pacientes com valores de PSA entre 4-10 ng/ml devem fazer análises adicionais de próstata por biopsia. Considerando-se como a ferramenta mais valiosa disponível para o diagnóstico precoce do cancro da próstata.

  7. Todos os testes efectuados ao Recorrente lhe atribuíram o que se denomina um quantitativo negativo de PSA, sendo que as análises sanguíneas já apresentavam um resultado positivo, ou seja, de acordo com os testes PSA on Call o Recorrente não padecia de qualquer das enfermidades que o folheto informativo refere, quando na verdade já era vítima de um adenocarcinoma da próstata.

  8. Da sentença Recorrida consta a carta do INFARMED que inclusivamente refere que os testes foram efectivamente retirados do mercado por terem sido detectados problemas com a sua estabilidade para diagnóstico, lembrando que a utilização dos testes poderá contribuir para um atraso no referido diagnóstico ou diagnóstico incorrecto de cancro da próstata.

  9. Errou o tribunal "a quo" ao não atender ao artigo 4°nº1 do DL 131/2001 de 24/04 cuja primeira versão é o DL n.°383/89, de 06/1 L porquanto a incapacidade para cumprir o objectivo constante do folheto informativo do produto só se pode traduzir no comprometimento da segurança que seria expectável pelo utilizador pelo que duvidas não restam que tal como a lei define no dito artigo, trata-se de um produto defeituoso esgotando-se aqui a necessidade de prova do ora Recorrente.

  10. A recorrida admitiu que...

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