Acórdão nº 262/13.3PAPTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução16 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: Sob a acusação da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152º, nºs 1, alínea d), e 2; um crime de sequestro, p. e p. pelo artº 158º, nº 1; um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artºs 143º, 145º, nºs 1, alínea a), e 2, e 132º, nº 2, alínea b); e um crime de homicídio qualificado tentado, p. e p. pelos artºs 131º, 132º, nºs 1 e 2, alíneas b) e j), 22º, 23º e 73º, nº 1, alíneas a) e b), todos do Código Penal, foi submetido a julgamento em processo comum com intervenção do tribunal colectivo o arguido AA.

No final, o tribunal de 1ª instância decidiu: a) condenar o arguido na pena de 2 anos de prisão, pelo crime de violência doméstica; b) absolvê-lo da acusação relativamente aos crimes de sequestro e de ofensa à integridade física qualificada; c) considerar a tentativa de homicídio qualificada apenas pela alínea b) do nº 2 do artº 132º, condenando o arguido por esse ilícito na pena de 5 anos de prisão; d) aplicar-lhe, em cúmulo jurídico, a pena única de 6 anos de prisão.

Dessa decisão o arguido interpôs recurso para a Relação de Évora, concluindo a sua motivação nos termos que se transcrevem: «

  1. Os Meritíssimos Juízes “a quo” não fizeram uma correcta aplicação do Direito aos factos, nomeadamente quanto à medida da pena aplicada ao recorrente.

  2. A pena de prisão aplicada ao recorrente mostra-se bastante elevada, tendo em consideração a matéria dada como provada nos autos e a moldura penal dos crimes.

  3. Tendo em conta tudo o que resultou provado, o arguido deveria ter sido condenado em pena de prisão que, na sua soma aritmética, não ultrapassasse os 5 anos de prisão.

  4. O arguido praticou este crime sob o efeito de bebidas alcoólicas, encontrando-se à data psicologicamente abalado com o fim do seu relacionamento com a ofendida, estando o seu raciocínio toldado.

  5. Mostrou-se arrependido, não justificando o seu comportamento com quaisquer desculpas.

  6. Analisando os crimes pelos quais o ora arguido foi condenado e a situação familiar e social envolvente não se poderá afirmar que o ora recorrente possua uma personalidade para a prática de ilícitos criminais.

  7. Mais se entende que, não podendo esta pena ser superior a 5 (cinco) anos de prisão, também a mesma deveria ser suspensa na sua execução, sujeitando-se o ora arguido a quaisquer condições e/ou injunções impostas.

  8. Ao não entender assim, o douto Acórdão Recorrido violou o disposto nos artigos 22º, 23º, 73º, 131º e 132º do Código Penal.

    Termos em que deve ser concedido provimento ao presente Recurso, reduzindo a pena determinada em cúmulo de 6 anos de prisão efectiva para o máximo de 5 anos de prisão, mais se requerendo que a mesma seja suspensa, sujeitando-se o arguido a quaisquer condições por V. Ex.ªs impostas, assim se fazendo JUSTIÇA».

    Respondendo, o MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.

    A Relação de Évora julgou-se incompetente para o julgamento do recurso, considerando competente o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artº 432º, nº 1, alínea c), do CPP.

    Remetido o processo a este Supremo Tribunal, o senhor Procurador-Geral-Adjunto foi de parecer que o recurso, visando unicamente a medida da pena única, não merece provimento.

    Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP.

    Não foi requerida a realização de audiência.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação: Foram considerados provados os factos seguintes (transcrição): 1. O ora arguido, em data não concretamente determinada mas que se situa por volta do mês de Maio de 1994, iniciou um relacionamento amoroso com a ofendida BB, tendo estes passado a viver em plena comunhão de cama, mesa e habitação, como se de um normal casal se tratasse, fixando a sua residência no ..., numa habitação propriedade dos pais do arguido.

    1. Na constância desse relacionamento o arguido e a ofendida tiveram três filhos, a CC, nascida em ..., o DD, nascido em ..., e a EE, nascida em ....

    2. Esse relacionamento durou cerca de 19 anos, pelo menos até ao dia ..., data em que a ofendida decidiu separar-se do arguido, tendo saído da casa do casal, e levado os seus três filhos consigo para ..., onde fixou residência em casa arrendada pelo seu irmão.

    3. Na base dessa saída estiveram factos relacionados com uma alegada situação de violência doméstica que se viveria no seio do casal, factos esses denunciados e apreciados no âmbito do processo que, sob o nº 1760/12.1 PBSNT, corre termos pelo Tribunal de ....

    4. Porém, o ora arguido nunca aceitou bem tal separação, pelo que continuou a insistir junto da ofendida BB pelo seu regresso a casa, bem como o dos seus filhos.

    5. Na verdade, era comum o ora arguido dirigir-se à sua companheira nos seguintes termos: “Se não ficas comigo não ficas com mais ninguém”, “Fui eu que te acabei de criar, tu pertences-me”, “Se me deixares eu vou atrás de ti e onde te apanhar é aí que tu ficas”.

    6. Em face dessa constante pressão, a ofendida BB acabou por permitir que os seus três filhos regressassem com o ora arguido à casa deste, no dia ....

    7. A partir desta data os três filhos da ofendida passaram a residir novamente no ..., mas agora aos cuidados dos avós paternos, que residem numa habitação contígua à do arguido.

    8. Porém, e não obstante os cuidados redobrados que os referidos avós paternos passaram a exercer sobre os seus três netos, o que é certo é que estes continuavam muito perto do ora arguido, sendo frequentes os contactos entre eles.

    9. Mercê destes contactos, o ora arguido sempre foi aproveitando para manter uma relação próxima com os seus filhos, mas com a intenção de os controlar, de os usar para trabalhar em pequenas lides domésticas e, sobretudo, para os utilizar como meio de chantagem para forçar a ofendida Mónica a regressar a casa.

    10. No prosseguimento dessa sua conduta o arguido passou, sobretudo, a ameaçar constantemente a sua filha menor CC, a quem culpava da saída de casa da sua mãe, a ofendida BB.

    11. Assim, e aproveitando-se do ascendente da figura de progenitor que exercia sobre a sua filha, o ora arguido, em data não apurada mas que se sabe ter sido no mês de Novembro de 2012, dirigindo-se à ofendida CC, proferiu as seguintes expressões: “Dou-te um pontapé, e escavaco-te os queixos todos”.

    12. O que fez esta, mais uma vez, recear pela sua integridade física, senão mesmo pela sua própria vida, tanto mais que eram constantes as ameaças que lhe eram dirigidas pelo ora arguido.

    13. Em dia que igualmente não foi possível determinar, mas que se sabe ter sido no mês de Janeiro de 2013, os três filhos do ora arguido identificados supra em 2 perderam o autocarro que os transportava da escola em ... para casa.

    14. Quando chegaram, seriam cerca de 17 horas, o ora arguido abordou-os antes de irem para casa dos avós, e levou-os para o interior da sua habitação.

    15. Uma vez no seu interior o arguido muniu-se de um cinto dobrado a meio, e com o mesmo atingiu a ofendida CC em várias partes do seu corpo, sobretudo na zona das nádegas.

    16. De seguida o arguido ainda tentou agredir, com o mesmo cinto, a sua filha EE, mas a CC colocou-se na frente desta, tendo sido atingida uma vez mais, agora na zona da mão direita.

    17. A ofendida CC não foi submetida, em tempo útil, à realização de qualquer exame médico, pelo que não nos é possível indicar quais as lesões efectivamente sofridas, bem como as eventuais consequências das mesmas, mas o que é certo é que a mesma apresentava no seu corpo, nos dias imediatos, vários hematomas de cor arroxeada.

    18. Ainda nesse mesmo dia, seriam cerca de 19 horas, o ora arguido dirigiu-se à casa de seus pais, alegando pretender falar com a sua filha CC.

    19. Chegado junto desta exigiu-lhe que lhe entregasse o telemóvel, ao que esta acedeu.

    20. Depois de inspeccionar o referido telemóvel, e talvez por não ter encontrado o que procurava, o arguido arremessou-o na direcção da cabeça da ofendida CC, tendo-a atingido na zona da orelha esquerda.

    21. Com tal comportamento o arguido, e depois de um interregno em que a ofendida CC esteve ausente em ..., voltou a exercer sobre esta toda uma série de actos violentos, repressivos, atentatórios não só da sua integridade física, como também do seu equilíbrio psicológico e emocional.

    22. De facto, a menor CC passou a apresentar um quadro de humor disfórico, de choro fácil, de angústia fóbica e de ansiedade, principalmente quando sentia que não tinha a segurança dos avós, o que a fez entrar numa situação depressiva e ansiogénica reactiva ao comportamento violento do seu progenitor.

    23. Com esse sofrimento a menor CC foi afectada, de forma negativa, nos seus relacionamentos interpessoais, enquanto adolescente, bem como no seu rendimento escolar, que passou a ser pautado pelo desinteresse, pelo absentismo, pela falta de concentração.

    24. Entretanto, a ofendida BB sempre foi tentando manter um relacionamento o mais próximo possível do arguido, por forma a poder visitar e estar com os seus três filhos.

    25. Não obstante ter receio deste, do seu comportamento agressivo, da perseguição e coacção constante que este sempre foi exercendo sobre si, sempre com a intenção de a fazer regressar à sua residência.

    26. Em 16 de Dezembro de 2012 a ofendida BB, como forma de estar mais próxima dos seus filhos, decide regressar ao Algarve, tendo-se fixado em ....

    27. Embora estivesse mais próxima, não tinha ainda condições para cuidar e tratar dos seus filhos, pelo que estes continuaram entregues e confiados aos cuidados dos avós paternos.

    28. Entretanto a ofendida chega a um acordo com o arguido, pensando tê-lo convencido do carácter definitivo da sua separação, declarando este que não colocava quaisquer objecções a que esta visitasse com regularidade os seus filhos.

    29. Para melhor convencer a ofendida o arguido cedeu-lhe o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-IU, marca “Honda”, de sua propriedade, e para que esta se fizesse transportar com facilidade entre ....

    30. E como forma de manter e cimentar esse acordo, a ofendida chegou mesmo a...

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