Acórdão nº 741/16.0T8LRA-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução27 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA (doravante denominado como Devedor) requereu oportunamente, perante a Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de …, procedimento de revitalização (processo especial de revitalização, doravante PER).

Alegou para o efeito os pertinentes factos, de que concluiu encontrar-se em situação económica difícil mas em condições de recuperação.

Nomeado que foi o administrador judicial provisório (AJP), seguiu o procedimento os seus devidos termos, com as reclamações de créditos (num total de €1.739.465,97) e apresentação da lista provisória respetiva, que não foi objeto de impugnação.

O credor hipotecário BANCO BB, S.A., que votou desfavoravelmente o plano de recuperação que veio a ser aprovado, apresentou-se a requerer (fls. 93 e seguintes), nos termos e para os efeitos dos art.s 216º nº 1 alínea a) e 17º-F nº 5, ambos do CIRE, a não homologação do plano que fora proposto.

Concluídas as negociações, foi aprovado por maioria (75,88% dos votos recebidos, representativos de créditos no montante de €1.710.256,65), plano de recuperação.

O AJP informou nos autos, porém, que fora ostensivamente colocado à margem de todas as negociações efetuadas e que conduziram à aprovação do dito plano. Mais informou que mantinha a sua posição anteriormente exposta, e esta era no sentido de que o Devedor se encontrava em situação de insolvência atual.

Notificados da informação do AJP, os credores BANCO CC, S.A. (titular de um crédito de €212.553,16), BANCO DD, S.A. (titular de um crédito de €45.950,77), BANCO EE, S.A. (titular de um crédito de €59.157,03) e BANCO BB, S.A. (titular de um crédito de €92.947,69) pronunciaram-se no sentido da não homologação do plano; os credores FF, Lda. (titular de um crédito de €310.147,52) e GG, Lda. (titular de um crédito de €361.813,70) pronunciaram-se no sentido da homologação.

Foi depois proferida decisão que recusou a homologação do plano, “por ter incorrido na violação não negligenciável por parte do plano de regras procedimentais - atinentes à superintendência por parte do Sr. AJP e à circunstância de se encontrar em situação de insolvência atual (erro na forma do processo) - e mais importantes substantivas decorrentes da falta de verosimilhança dos termos do plano de revitalização para almejar o seu desiderato”.

Inconformado com o assim decidido, apelou o Devedor.

Fê-lo sem sucesso, pois que a Relação de … proferiu acórdão que confirmou a decisão recorrida quanto ao juízo de inverificação dos requisitos legais do PER, por isso que entendeu que o Requerente se encontrava em estado de insolvência atual. Mais foi decidido, quanto ao restante objeto da apelação, que “Verificado o insanável vício substancial ou ilegalidade do plano, queda despiciendo e redundante aquilatar da violação de normas procedimentais, pois que quer tal violação existisse, ou inexistisse, em qualquer dos casos aquela ilegalidade subsistiria”.

De novo inconformado, pede o Devedor revista.

Invoca para o efeito a existência de oposição entre o acórdão recorrido e as decisões da Relação de … a que se reporta.

O Relator considerou verificada, nos termos e para os efeitos do art. 14º nº 1 do CIRE, a aludida oposição de julgados.

+ Da respetiva alegação extrai o Recorrente as seguintes conclusões: 1ª. O acórdão sub iudice mantém a recusa da homologação do plano apresentado, com fundamento no facto de o Requerente se encontrar em situação de insolvência, aquando da sua apresentação ao PER.

  1. Faz assim, servindo-se da charneira argumentativa de um acórdão que não é Lei, uma errada qualificação jurídica dos factos vertidos, errando na determinação da norma aplicável (art. 215º) em manifesto abuso do poder judicial em detrimento do poder legislativo, ferindo de morte o escopo do Legislador aquando da criação do Processo Especial de Revitalização, esvaziando-o de sentido.

  2. E sobretudo quando tal fundamento (a situação de insolvência) foi retirado de uma premissa inexistente e portanto falsa -a de que o devedor teria de ter disponíveis mais de 8.000 euros MENSAIS e que tal é impossível- pois, NA VERDADE E EFECTIVAMENTE- o plano diz SIM (ao contrário do que leram os meritíssimos juízes) que o devedor tem de ter disponíveis para pagamento das dividas (no plano) 8.000 ANUAIS!!!- o que é de todo possível!!! 4ª. Todavia e fora o erro que no nosso entendimento fere de morte a premissa do fundamento da douta decisão e por essa razão - deverá deitar por terra a mesma, a verdade é que no acórdão recorrido, o Tribunal decide contra a lei, com fundamento apenas numa sua convicção, que refere, porém, objectiva, conclusão que de facto a Lei não lho permite, pois não define objectivamente os conceitos de "situação económica difícil» e «situação de insolvência meramente iminente», sendo, portanto, estes conceitos susceptíveis de ser interpretados subjectivamente.

  3. Se de facto tais conceitos são rasgados de subjectividade, e se permitiram ao Tribunal entender pela insolvência dos devedores (não se fundamentando sequer porquê), terá de se admitir que os devedores estejam, também eles, autorizados a entender que se encontram em situação económica difícil - e por maioria de razão, já que efectivamente conhecem melhor que o Tribunal a sua situação e possibilidades de recuperação.

  4. Não obstante, sempre se dirá que salvo douto melhor entendimento, jamais poderia o Tribunal, com base na sua interpretação subjectiva da situação económica dos devedores (diferente, refira-se da interpretação dos devedores, credores interessados e da Sra. Administradora Judicial) ditar a morte dos devedores, porque o poder jurisdicional não se pode sobrepor ao poder Legislativo, em clara VIOLAÇÃO DO ART. 2° DA CRP.

  5. Com efeito, o PER é um processo de natureza maioritariamente extra judicial, cabendo as decisões a que a ele digam respeito democraticamente aos credores interessados.

  6. O papel do juiz neste processo é muito restrito, porquanto o legislador faz radicar a defesa daquele interesse público, em que se traduz a saúde da economia, na primazia da vontade da maioria qualificada dos credores, confiando quase plenamente, nestes e no administrador judicial.

  7. Foi entendida como objectiva aquela situação pelos devedores e por todos os credores reclamantes, que nunca aduziram a suposta situação de insolvência, antes aceitando e manifestando desejar participar nas negociações que vieram a decorrer e que no decurso das mesmas levaram a cabo o seu direito de voto sem objecção.

  8. Na verdade, se fosse intenção do legislador que o Tribunal aferisse efectivamente dos factos que justificariam a situação económica difícil ou a situação de insolvência eminente, recebida pelo Tribunal a comunicação do devedor a informar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação, a Lei não mandaria que o juiz nomeasse de imediato o Administrador Judicial Provisório e permitiria sim que o Juiz aqui, ou no limite imediatamente após a publicação da lista provisória de créditos, pudesse fiscalizar tais pressupostos, rejeitando liminarmente o pedido. - O que não acontece! 11ª. Assim, se a Lei não o permite de início, por maioria de razão o não permite no decurso do mesmo, quando o procedimento foi iniciado, taxas de justiça pagas, os seus trâmites legais devidamente observados, expectativas legítimas criadas (nos devedores e seus credores), culminando na apresentação de um plano, votado e aprovado pela maioria dos credores, nos termos do art. 17° F n° 3, e que não viola qualquer regra procedimental ou de conteúdo.

  9. Ademais, sempre se dirá que no Instituto do Processo Especial de Revitalização a situação de insolvência apenas poderia ser imputada aos devedores, nos termos do Art. 17° G n° 4 do CIRE, isto é, no caso de resultarem infrutíferas as negociações com os credores. e sempre depois de o tribunal pedir o parecer à Sra. Administradora Judicial Provisória! 13ª. O Que significa que a Lei, antes de permitir ao juiz a fiscalização do plano aprovado nos termos do 215° do CIRE, dita inclusivamente, que mesmo no caso do plano não ser aprovado, não pode o Tribunal decidir imediatamente pela insolvência dos devedores, mas obriga a que se solicite ao Sr. AJP o seu parecer acerca da situação económica dos devedores.

  10. Por último, sempre se dirá que não podia o Doutro Tribunal determinar que esta sua convicção se subsumisse em qualquer das violações nos termos do art 215 do CIRE (violação de regras procedimentais ou de normas de conteúdo) 15ª. Acresce que, como a própria lei indica, as regras procedimentais e normas de conteúdo, que podem ser violadas, dizem respeito ao processo propriamente dito, e não ao que lhe está a jusante. São, pois, coisas distintas. -o antes do processo e o processo de revitalização propriamente dito.

  11. Conforme referido pela Relação de …, no processo 5697/12.6TBLRA.C1, de 29/10/2013, as normas procedimentais são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes - incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento - e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado.

  12. As normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano (propriamente dito, o que é apresentado para votação), mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele (plano) deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.

  13. Assim a convicção do tribunal de que os devedores se encontravam em situação de insolvência, não cabe em qualquer das supra referidas violações, porquanto se tratar de um alegada ausência de pressuposto de acesso ao Processo e não poder consubstanciar por isso nenhuma das violações do 215º já que as mesmas dizem respeito ao próprio plano apresentado no âmbito deste processo.

  14. O Tribunal decidiu recusar a...

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