Acórdão nº 2790/08.3TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | PINTO DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 05 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.
AA veio propor esta acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB – …, LDA; CC, LDA e DD, LDA.
Pediu a condenação das rés, solidariamente, no pagamento de uma indemnização no montante de € 1.798.009,66, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Como fundamento, alegou que: A 1.ª Ré produziu, pelo menos nos anos de 2001 a 2003, uma acendalha líquida sob a marca EE, a qual foi comercializada pela 2.ª Ré, desde 1 de Janeiro de 2001, ao abrigo de um contrato de parceria celebrado entre ambas; O produto supra referido estava mal rotulado, não cumprindo a lei no que dizia respeito às informações de segurança, as quais eram insuficientes para o efeito de alertar o consumidor para todos os riscos que a utilização do produto implicava e quais os cuidados a ter no seu manuseamento, designadamente, tal rotulagem omitia qualquer referência à quantidade de produto a utilizar, às medidas de combate em caso de incêndio e ainda às medidas a tomar em caso de derrame acidental sem fogo, para além de ser omissa quanto ao alerta de que se estava perante um produto facilmente inflamável; Na inspecção de que foi alvo e ocorrida em 9 de Outubro de 2002, a Ré viu aprendidas todas as embalagens daquele produto que existiam no seu armazém e foi notificada de que deveria proceder à recolha das acendalhas líquidas, colocá-las em armazém e notificar desse facto o IGAE, o que não fez; Em Janeiro de 2003, a 3.ª Ré tinha à venda no seu estabelecimento a acendalha supra referida; No dia 22 de Janeiro de 2003, a Autora decidiu acender a lareira da sala de jantar, tendo-se munido de uma garrafa de acendalha líquida da marca supra referida, que havia sido comprada uns dias antes pelo pai, no estabelecimento comercial da 3.ª Ré; A Autora abriu a garrafa e regou a lenha com o líquido e quando acendeu um fósforo para pegar fogo à lenha, deu-se uma explosão, tendo logo de imediato ficado com a roupa que trazia vestida a arder; assustada, a Autora tocou na garrafa que caíu e começou a derramar líquido, o qual se ignou, tendo a garrafa entrado em combustão, explodindo e indo bater no tecto; A Autora é uma pessoa cuidadosa no manuseamento de bens ou produtos perigosos; uma rotulagem correcta – alertando para a natureza facilmente inflamável do produto – teria imposto cautela acrescida à Autora; Em consequência do acidente supra descrito, a Autora sofreu queimaduras de 2.º e 3.º graus em cerca de 10% da sua superfície corporal, lesões que geraram sequelas de foro ortopédico, neurológico e psíquico; A Autora é actriz e à data do acidente a sua carreira estava num pico de viragem ascendente; A 1.ª Ré produziu a acendalha em apreço em termos que não respeitavam as condições de segurança adequadas; A 1.ª e 2.ª Rés comercializaram o produto sem previamente cumprirem as comunicações oficiais destinadas a assegurar a verificação, pelas entidades competentes, dos respectivos requisitos de segurança e com uma rotulagem que omitia qualquer advertência ao consumidor acerca da natureza facilmente inflamável do produto, bem como acerca dos riscos efectivos em que a sua utilização incorria e acerca das medidas e protecção a utilizar; Os Réus sabiam, pelo menos desde Outubro de 2002, que estava proibida a comercialização das acendalhas em apreço, nada tendo feito para as retirar do mercado e sabiam da sua natureza facilmente inflamável.
Citadas as Rés, apenas a Ré CC contestou, alegando que: A Ré BB era a responsável pela embalagem/rotulagem e todas as demais actividades que não fossem de mera distribuição; À data dos factos ocorridos com a Autora a CC já não comercializava as acendalhas em apreço; A CC deixou de comercializar as acendalhas em causa em Outubro de 2002, na sequência da inspecção efectuada pela Inspecção Geral das Actividades Económicas, em 09.10.2002; nesta data, a Ré contactou telefonicamente todos os seus clientes para que deixassem de vender as acendalhas líquidas e Gel EE, em conformidade com as instruções do IGAE e emitiu uma circular, em 12.10.2002, para todos os seus colaboradores, para que estes transmitissem a todos os clientes a suspensão de imediato da venda daqueles produtos e lhes solicitassem a recolha do stock existente nas suas lojas de modo a que o mesmo fosse levantado pela CC; A CC procedeu à recolha de todo o produto no mercado; A CC não conhecia a composição do produto porque a Ré BB não lhe remeteu a ficha técnica de segurança do mesmo.
Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que absolveu as RR. do pedido.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, tendo a Relação decidido: 1. Julgar parcialmente procedente a apelação da A., revogando-se a decisão recorrida e condenando-se solidariamente as RR. a pagarem à A. a quantia de € 432.000, quantia esta acrescida de juros à taxa de 4%, desde a citação (quanto aos danos patrimoniais) e desde sentença (quanto aos demais danos) até integral pagamento; 2. Absolver as RR. do restante pedido.
3. Julgar improcedente a ampliação do objecto do recurso, deduzida pela R. CC.
Discordando desta decisão, a ré "CC" pediu revista, tendo apresentado as seguintes conclusões:
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A presente revista tem como fundamentos, nos termos do disposto no Art. 674, nº 1 do C.P.C.: a violação de lei substantiva; a violação ou errada aplicação da lei de processo; as nulidades previstas no Art. 615, nº 1, als. b) e c) do C.P.C. (aplicável por força do Art. 666, nº 1 do mesmo diploma).
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É ainda objecto do presente recurso de revista, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por se entender ter havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixa a força de determinado meio de prova (cfr. Art. 674, nº 3 do C.P.C.).
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E ainda a existência de contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, caso em que a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto poderá ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça, devendo o processo voltar à Relação para que a decisão de facto possa/deva ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (cfr. Art. 682, nºs 2 e 3 do C.P.C.).
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A Recorrente requer a junção aos autos de 15 documentos supervenientes, de que apenas agora teve conhecimento, que demonstram que a Autora/Recorrida fez parte do elenco da novela "...", como actriz secundária, que foi exibida no canal generalista de televisão "…", onde chega a ter uma fala no episódio 34°, é bem visível que a mesma desempenha o seu papel com absoluta normalidade, chegando mesmo a dançar, o que evidencia bem não ter ficado fisicamente afectada na sua capacidade de representação, o que requer ao abrigo do disposto no Art. 680, nº 1 do C.P.C..
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Os factos - participação da Autora, como actriz secundária, nas novelas "…" e "…" nas respectivas datas de 2003 e 2012 - que são desfavoráveis à Autora na medida em que sempre afirmou nos articulados e é a própria causa de pedir, que após o acidente dos autos nunca mais representou estando impedida de o fazer, foram confessados/admitidos pela própria Autora e, porque extremamente relevantes, deviam ter sido dado como provados.
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Os factos instrumentais, indiciários, circunstanciais ou probatórios, nos termos do art. 264.°, nº 2, do CPC, deve o juiz considerá-los, por sua iniciativa ou sugestão das partes, quando resultem da instrução e discussão da causa, defeso não sendo fazê-los constar de resposta(s) a n.º(s) da base instrutória, sem que tal, pois, constitua paradigma de resposta(s) excessiva (s), esta(s) desencadeadora(s) de justa aplicação do art. 646, n.° 4, do CPC, antes tal(ais) resposta(s) se devendo qualificar como exemplificativa(s) (cfr. Ac. STJ, de 6.7.2006, Proc. 06B2002.dgsi.Net).
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Por conseguinte, a confissão/admissão da Autora, feita inclusivamente por escrito, de que participara em novelas já após o acidente dos autos, algo que apenas se descobriu após os articulados e já no decurso da instrução e discussão da causa, é um facto instrumental, indiciário, circunstancial e probatório da maior relevância, que o Tribunal deveria ter considerado por sua iniciativa (cfr. Art. 5.°, nº 2, als. a) e b) do C.P.C.).
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Factos esses que resultaram de uma confissão da Autora, logo com uma força probatória plena, que deveriam ter sido dados por provados e fixados.
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Pelo contrário, o Tribunal a quo não só ignorou por completo tais factos que, repete-se, tinham uma força probatória plena, como deu como provado o facto 78 estabelecendo que "A incapacidade para a profissão de actriz tal como a [A] a vinha exercendo até à data do acidente é absoluta e definitiva." J) Estamos, portanto, perante um erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, que pode ser objecto de recurso de revista porque ofendeu uma disposição expressa da lei que exige certa espécie de prova.
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Existem na decisão recorrida, várias contradições na decisão sobre a matéria de facto que colocam em causa a decisão jurídica dos autos.
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Quando o Tribunal a quo entendeu dar como provado o quesito 71°, ficando assim como provado o seguinte facto: "A incapacidade para a profissão de actriz tal como a [A.] a vinha exercendo até à data do acidente é absoluta e definitiva.".
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Na fundamentação utilizada sobre a decisão de dar tal facto como provado, invocou o Tribunal recorrido, entre outros argumentos, na pág.41 do douto acórdão, que "a intervenção na telenovela ... não basta para desqualificar o juízo pericial, dado que se trata de uma intervenção residual, como o indica a expressão "pequeno papel" (mera figurante?) a que se refere a própria fundamentação do tribunal." N) Fê-lo em claro desacordo com a 1ª Instância que, segundo menção na pág.36 do acórdão recorrido, na fundamentação da resposta a este quesito, constata-se que o juízo da primeira instância baseou-se no depoimento da...
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