Acórdão nº 3076/06.3TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução28 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA propôs no dia 15-5-2006 ação declarativa com processo ordinário contra BB e marido CC, DD e marido EE e FF - Estabelecimentos Hoteleiros Lda.

  1. Pediu a condenação dos RR nos seguintes termos:

    1. Os 1.ºs e 2.ºs RR a não arrendarem, cederem ou usarem a fração "BA" do prédio supra identificado para fins diferentes dos que constam do titulo constitutivo da propriedade horizontal e da licença de utilização.

      b) A 3ª Ré a cessar, de imediato, a atividade de restauração na mesma fração e a limitar o horário de funcionamento do estabelecimento comercial ao período compreendido entre as 7 horas e as 22 horas e cada dia, com encerramento aos domingos.

    2. A pagar, solidariamente, ao autor a quantia de 15.000€ a título de danos não patrimoniais.

  2. Alegou que é proprietário da fração autónoma "BN" (2.º C) do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, ... em Lisboa; alegou que os RR pessoas singulares são proprietários da fração autónoma "BA" correspondente à loja 1 situada no piso 0 do identificado imóvel; e que a 3ª ré explora nesta loja um estabelecimento de restaurante denominado "GG Restaurante Bar".

  3. Do título constitutivo de propriedade horizontal consta, no que respeita à fração "BA", o seguinte:" LOJA UM, composta por uma divisão ampla com duas instalações sanitárias, com acesso direto pelos números dezoito B, dezoito C, dezoito D e dezoito E da Rua ... e com permilagem de sessenta e o valor de sete milhões e duzentos mil escudos" (ver fls. 45, doc. n.º 3 do Vol I apenso, procedimento cautelar).

  4. Da licença de utilização n.º ...34 emitida pela Câmara Municipal consta, quanto à composição, "duas ocupações, destinadas a comércio (lojas 1 e 2) no piso 0 com mais de 100m2 de área, cada" (ver fls. 51, doc. n.º4 do Vol I apenso, procedimento cautelar).

  5. A atividade exercida pela ré - atividade de restauração - desrespeita o título constitutivo da propriedade horizontal (cf. artigos 1418.º/1 e 1422.º/2, alínea c) do Código Civil). À fração é dado uso diverso do fim a que é destinada, visto que a atividade de restauração se insere no âmbito do exercício da atividade de indústria.

  6. A ré é arrendatária da aludida Loja 1 conforme contrato de arrendamento outorgado entre os RR pessoas singulares, enquanto locadores, e a ré enquanto locatária. Do contrato de arrendamento junto aos autos pela ré celebrado no dia 24-11-2004 (ver fls. 54 do I Vol, apenso D, ação principal) consta a cláusula terceira assim redigida: " o local arrendado destina-se a 'CAFÉ RESTAURANTE' não lhe podendo ser dado outro destino, nem sublocado, no todo ou em parte, sem autorização dos senhorios dada por escrito" 8.

    Alegou ainda o autor que o horário de funcionamento do estabelecimento - das 7 às 2 horas - é incompatível com prédio residencial; o ruído proveniente do estabelecimento (causado pelos equipamentos, designadamente motores, exaustores e ar condicionado, pelos empregados e pelos clientes) é audível na habitação do autor, perturbando o seu descanso e do seu agregado familiar, o que traduz violação dos seus direitos fundamentais, designadamente o direito à integridade pessoal, incorrendo, assim, os RR em responsabilidade civil por danos não patrimoniais no montante de 15.000€.

  7. A ação foi precedida de providência cautelar que condenou a requerida a encerrar, diariamente, pelas 23 horas o seu estabelecimento sito na Rua Padre Américo, n.º 18 D em Lisboa" ( ver fls. 296 do II Vol do apenso D e acórdão da Relação de Lisboa de 30-6-2008 no 6.º Vol do apenso D a fls. 302).

  8. A ré deduziu pedido de intervenção provocada acessória da Câmara Municipal de ... (artigo 330.º do CPC/61) que foi admitido ( ver acórdão da Relação de Lisboa de 20-9-2007 a fls. 146 e segs do 1º volume do apenso B) considerando o direito de regresso que lhe assiste para ressarcimento das despesas que suportou decorrentes do processo de instalação do estabelecimento que a Câmara autorizou e legalizou.

  9. A ação foi julgada improcedente por sentença de 2-5-2013 (fls. 853/860 do 5.º Vol do apenso D).

  10. Interposto recurso pelo A. o Tribunal da Relação, por acórdão de 17-12-2014, julgou o recurso parcialmente procedente, decidindo: 1 - Modificar a decisão da matéria de facto sobre os quesitos 1.º. 2.º. 10.º., 12.º e 24.º.

    2 - Revogar a sentença na parte da decisão que absolveu a ré FF, Estabelecimentos Hoteleiros, Lda. do pedido acima indicado sob o ponto 2 e, em substituição dessa decisão, condenar essa ré a cessar a atividade de restauração na fração autónoma "BA" do prédio em causa acima identificado.

    3 - Revogar a sentença na parte da decisão que absolveu os RR integralmente do pedido acima indicado sob o ponto 3 e, em substituição parcial dessa decisão, condenar todos os RR a pagarem solidariamente ao autor a quantia de 7.500€.

  11. Os RR interpuseram recurso.

  12. Concluiu a recorrente FF a minuta de recurso nos termos seguintes:

    1. A recorrente não se conforma com o juízo e apreciação formulados pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa quando conclui que a menção "LOJA UM" inscrita no título constitutivo de propriedade horizontal relativamente à fração autónoma "BA" equivaleria a "comércio" e que, por esse motivo, tal fração estaria a ter um uso diverso daquele a que estaria destinada, condenando a ora recorrente "FF-Estabelecimentos Hoteleiros, Lda." a fazer cessar a atividade de restauração ali desenvolvida e a indemnizar o autor na quantia de 7.500€.

    2. O referido acórdão assenta exclusivamente num juízo dedutivo e presuntivo em que se desconsidera o regime jurídico aplicável ao caso em apreço e a ausência de qualquer inscrição limitadora da atividade no aludido título constitutivo.

    3. Efetivamente, por força do regime estatuído nas alíneas c) e d) do n.º2 do artigo 1422.º do Código Civil e no artigo 2.º, n.º1, alíneas b) e u) do Código do Registo Predial, quando se destina uma fração autónoma a um fim específico ou quando se impõem restrições ao exercício de quaisquer atividades, as mesmas deverão estar mencionadas de forma expressa e inequívoca no respetivo título constitutivo e serem objeto de inscrição no registo predial; caso contrário não poderão ser invocadas por terceiros.

    4. Sendo que, no caso em apreço, conforme resulta demonstrado sob o n.º 4 do rol dos factos julgados provados, não consta qualquer referência ao fim específico a que a fração se destinaria, nem a qualquer restrição às atividades económicas que ali poderiam (ou não) ser desenvolvidas, tanto no título constitutivo como no registo predial.

    5. O conceito de 'loja' vertido naquele título constitutivo, para além de visar distinguir a fração autónoma em causa das demais frações habitacionais, é utilizado de forma abrangente, incluindo não só o exercício do comércio em sentido estrito mas também o exercício de outras atividades económicas, como a restauração.

    6. Ao contrário do pugnado no referido acórdão a afetação funcional da referida fração a um conceito estrito de comércio, enquanto mera transação de mercadorias, nunca poderia emergir de uma presunção ou qualquer juízo interpretativo, nem tão pouco se encontra suportada na licença de utilização de 28 de julho de 1995.

    7. Salientando a este respeito que aquela licença, para além de cronologicamente posterior ao título constitutivo, não possui eficácia real, nem tão pouco poderá ser considerada complementar ao título constitutivo.

    8. Por outro lado, a referida expressão teria sempre de ser interpretada lato sensu e no contexto administrativo em que se insere, sendo que por via do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Lisboa consideram-se abrangidos pela definição de " comércio" os "locais abertos ao publico destinados à venda e armazenagem a retalho, à prestação de serviços pessoais e à restauração". Tal evidência conjugada com a matéria provada sob os nºs 15, 16 e 20 permite afastar, total e liminarmente, a presunção e conclusões veiculadas no douto acórdão recorrido.

    9. O único limite à utilização da fração "BA" será para fins habitacionais, não existindo qualquer menção no título constitutivo de onde resulte estar vedado à recorrente o uso da fração para atividade de restauração, sendo que a mesma tem vindo a exercer a sua atividade de forma lícita e regular.

    10. Não resultou demonstrada nos presentes autos matéria suficiente passível de sustentar com segurança a existência de danos invocados pelo autor ou a alegada responsabilidade dos RR pelos mesmos, bem como qualquer nexo de causalidade, sendo que, não obstante o atrás referido, a matéria referida no n.º 9 dos factos provados encontra-se formulada em contradição com o relatório pericial do "laboratório de Ruído e Vibrações" e de forma manifestamente conclusiva e genérica, impedindo em última análise de apurar o período temporal em que a situação ali descrita terá ocorrido e sua extensão.

    11. Em qualquer caso, o quantum indemnizatório arbitrado afigurar-se-ia sempre excessivo e desproporcionado.

    12. Com o devido respeito, o douto acórdão recorrido interpretou incorretamente o regime preceituado nas alíneas c) e d) do n.º2 do artigo 1422.º do Código Civil bem como o artigo 2.º, n.º1, alíneas b) e u) do Código do Registo Predial e ainda o título constitutivo da propriedade horizontal do prédio em apreço, aplicando erradamente o preceituado nas aludidas disposições legais, sendo que, a vingar a interpretação adotada, tal equivaleria à imposição de limites e restrições que extravasam a vontade negocial das partes outorgantes do título constitutivo, passível de violar o conteúdo do direito de propriedade previsto no artigo 1305.º do Código Civil e o princípio da propriedade consagrado no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa.

    13. Pelo que deve o presente recurso de revista ser julgado procedente por provado, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se os réus, ora recorrentes, do pedido com o que se fará a costumada Justiça.

  13. Os recorrentes BB, CC, DD e EE concluem a minuta sustentando, em síntese, o seguinte: -...

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