Acórdão nº 1916/03.8TVPRT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução28 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça: A) Relatório: AA, identificado nos autos, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB e CC, identificado nos autos, pedindo a condenação solidária destes a indemnizá-lo na quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos morais e na quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença, correspondente ao valor da moradia que lhe foi prometida vender.

Alegou, para tanto e em síntese, que, por contrato-promessa, datado de 13/03/2001, a sociedade DD, Sociedade de Gestão Imobiliária, S.A. lhe prometeu vender e ele, por sua vez, lhe prometeu comprar uma fracção autónoma correspondente a uma moradia a construir pela referida sociedade no terreno que identificou, pelo preço de Esc.: 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos), que foi, de imediato, liquidado na totalidade, moradia essa que lhe deveria ser entregue integralmente concluída e pronta a habitar, no prazo máximo de 18 meses a contar da data do levantamento do alvará de licença de construção referente ao empreendimento habitacional em que a moradia se inseria, o que, contudo, a dita sociedade não fez já que, apesar de ter sido notificada do deferimento do pedido de licenciamento do projecto, não procedeu ao pagamento da licença, nem, consequentemente, ao seu levantamento, deixando caducar o licenciamento concedido, apesar de ter obtido financiamento para o efeito, ao que acresce a circunstância de, até à data da propositura da acção, também não ter dado início às obras de construção da moradia que lhe prometeu vender, estando, ademais, a procurar alienar a terceiros o terreno no qual a morada devia ter sido construída sem salvaguardar os direitos do autor decorrentes do contrato-promessa celebrado entre ambos, o que demonstra uma vontade clara e inequívoca de se furtar ao cumprimento daquele, consubstanciando o seu comportamento um inadimplemento definitivo.

Mais alegou que os supra descritos actos, embora sejam formalmente imputados à referida sociedade, são da responsabilidade material dos réus, nos termos dos artigos 64.º, 78.º n.º 1, 79.º, 80.º, 259.º, 405.º, 406.º do Código das Sociedades Comerciais e do artigo 483.º do Código Civil, já que o 2.º réu, CC, passou, a partir de finais de 2000, a actuar como administrador da sociedade DD, S.A., agindo em seu nome e representação e omitindo os cuidados e a diligência que lhe eram exigíveis por forma a que o contrato-promessa em questão, que vinculava a sociedade, fosse pontualmente cumprido; e o 1.º réu, BB, sendo administrador daquela sociedade, para além de também não ter praticado, durante o período da sua administração, os actos inerentes à função que detinha em ordem ao cumprimento do dito contrato, não fiscalizou a actuação do 1.º réu (administrador de facto), faltando, assim, ao dever de diligência e vigilância que sobre ele recaía.

Concluiu dizendo que, assim sendo, os réus estão constituídos na obrigação de o indemnizar pelo prejuízo sofrido (que corresponde ao valor – que estima ser de, pelo menos, € 300.000,00 – que a moradia teria depois de integralmente construída, bem como à sua angústia, agitação, tensão, tristeza, aflição, ansiedade e desgosto), uma vez que a conduta daqueles, por acção e omissão, implicou o empobrecimento do património da sociedade DD, S.A., sendo que da caducidade do licenciamento resultou quer a impossibilidade daquela cumprir a promessa, quer a impossibilidade de lhe pagar o seu crédito, que emerge desse incumprimento definitivo, pelas forças do capital social, por o seu património se ter tornado insuficiente para esse efeito em consequência da violação pelos réus de normas de protecção dos credores.

Tendo sido entendido que os réus, apesar de pessoal e regularmente citados, não deduziram contestação no respectivo prazo legal, foi proferido despacho no qual, ao abrigo do disposto no artigo 484.º do Código de Processo Civil, se julgaram confessados os factos, após o que foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição dos réus do pedido.

Desta sentença interpôs recurso o autor, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação parcialmente procedente e, em consequência, confirmado a improcedência total da acção no que diz respeito ao 1.º réu, BB que, assim sendo, foi absolvido dos pedidos, bem como a improcedência da acção quanto ao 2.º réu, CC, relativamente ao segundo pedido, do qual o mesmo foi absolvido, revogando, no entanto, a decisão proferida, relativamente este réu, quanto ao primeiro pedido e ordenando, face ao provimento do agravo pelo mesmo interposto, o prosseguimento dos autos, quanto a esse pedido e a esse réu, com possibilidade de contestação por parte dele.

Inconformado, recorreu o autor para o Supremo Tribunal de Justiça que julgou verificada a nulidade, por omissão de pronúncia, do despacho que julgou confessados os factos articulados pelo autor, determinando, em consequência, a anulação dele e de todo o processado posterior, bem como a apreciação do requerimento - atinente ao pedido de apoio judiciário e à concernente interrupção do prazo para contestar - apresentado pelo 2.º réu, CC.

Contestou, entretanto, o 2º réu, CC, alegando, em suma, que o contrato-promessa invocado não traduziu um negócio real (tanto mais que o autor nada pagou por conta do mesmo e o réu não tinha sequer poderes para representar a sociedade DD, S.A.), tendo, ao invés, visado apenas a obtenção, por parte do autor, de um empréstimo bancário, sem que tenha havido qualquer interpelação para o seu cumprimento. Sustentou, ademais, que, podendo a licença de construção ser levantada, pelo menos, até 18/06/2002, sem contar com eventual pedido de prorrogação do prazo, só a partir daí correria o prazo de 18 meses para a construção do imóvel, muito para além da data em que a acção foi proposta. Impugnou, por último, os alegados danos não patrimoniais por os desconhecer, dizendo que, para além de pecarem por excesso, sempre estariam prejudicados pela inexistência de qualquer contrato-promessa e de qualquer pagamento efectuado, ao que acresce a circunstância de o segundo pedido ter de improceder por não se ter verificado a tradição da coisa nos termos do artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil.

Por sua vez, o 1.º réu, BB, apresentou igualmente contestação, na qual invocou que, não dispondo o 2.º réu, na data da outorga do invocado contrato-promessa, de poderes para representar a sociedade DD, S.A., aquele é ineficaz relativamente a esta, sendo insusceptível de gerar quaisquer obrigações para si, enquanto administrador, sendo, ao invés, o co-réu CC o único responsável pelo cumprimento ou pelo incumprimento do dito contrato, tanto mais que, tendo ele próprio sido administrador da sociedade apenas até 31/01/2002 e podendo as taxas ser pagas até Junho de 2002, aquela teve ainda cinco meses para praticar todos os actos necessários para evitar que o licenciamento caducasse, o que determina, quanto a si, a inviabilidade do pedido. Afirmou, por fim, que o autor não alegou factos dos quais decorra ter existido mora por parte da sociedade DD, S.A., consubstanciada na falta de outorga da escritura pública, não tendo sido, de resto, fixado qualquer prazo para esse efeito, ao que acresce a circunstância de a caducidade do alvará não determinar qualquer impossibilidade de cumprimento já que o seu titular sempre poderia requerer uma nova licença. Concluiu pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos deduzidos.

Em sede de réplica, o autor pugnou pela improcedência das excepções que descortinou, impugnando a matéria alegada pelos réus e clarificando que o contrato-promessa em causa nos autos se inscreveu no âmbito de um negócio (cessão de posição contratual) que conduziu à aquisição pela DD, S.A. do terreno onde iria ser construída a moradia que lhe foi prometida vender, mas que reflectiu o acordo estabelecido entre as partes, tendo constituído o instrumento de pagamento de parte do preço devido pela referida sociedade como contrapartida pela aquisição por esta da posição contratual detida por si no contrato-promessa de aquisição do aludido terreno. No mais, o autor manteve, em suma, o que previamente havia alegado, concluindo pela obrigação que recai sobre os réus de o indemnizar.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido especificada a matéria de facto assente e elaborado questionário servindo de base instrutória.

Realizou-se audiência de julgamento com observância das formalidades legais, conforme da acta consta, após o que foi proferida sentença na qual, no que ora releva, se julgou a acção parcialmente procedente, condenando, em consequência, o 2.º réu, CC, a pagar ao A. a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, absolvendo, no mais, os réus dos pedidos.

Inconformado com o assim decidido, interpôs o autor recurso de apelação, sendo que, conjuntamente com este, subiram igualmente ao Tribunal da Relação três agravos que haviam sido igualmente interpostos pelo autor. Por acórdão de 05/02/2013, aquele Tribunal, concedendo provimento a dois desses agravos, ordenou a reabertura da audiência de julgamento com vista à produção de prova que não tinha sido admitida, com a consequente anulação da decisão sobre a matéria de facto e da sentença proferidas.

Despois de cumprido o determinado, foi proferida nova decisão sobre a matéria de facto e nova sentença na qual se manteve o decidido previamente.

Novamente inconformado com essa decisão, apelou o autor, pedindo a sua revogação com todas as legais consequências, bem como a baixa do processo ao Tribunal a quo com vista à ampliação da selecção da matéria de facto e à repetição do julgamento. Por acórdão de 06/05/2014, foi a apelação julgada parcialmente procedente e, em consequência, parcialmente revogada a sentença e o 2.º réu, CC, condenado a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais decorrentes do incumprimento do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
4 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT