Acórdão nº 529/13.0TTOAZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | PINTO HESPANHOL |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
Em 26 de setembro de 2013, no Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis, Secção Única, AA instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, Lda., pedindo que se declarasse a ilegalidade das cláusulas 2.ª, 4.ª, 7.ª, 12.ª, 17.ª e 19.ª do contrato de trabalho firmado com a ré, bem como a existência de justa causa para a resolução, por sua iniciativa, daquele contrato, e que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 46.780,75, correspondente a créditos laborais que discriminou na petição inicial, acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento, à taxa de 4%.
Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré, em 9 de fevereiro de 2009, mediante contrato de trabalho a termo incerto, para desempenhar as funções de soldador, com a remuneração mensal de € 700, estipulando como local de trabalho a Guiana Francesa, sendo certo que as cláusulas 2.ª, 4.ª, 7.ª, 12.ª, 17.ª e 19.ª do contrato de trabalho são ilegais por ofenderem normas imperativas do Código de Trabalho, e que, em 2 de julho de 2013, a ré ainda não lhe tinha pago a retribuição referente ao mês de abril e ao mês de junho de 2013, nem as retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal, devidos desde o início da contratação, pelo que, por carta de 2 de julho de 2013, resolveu o contrato, e aduziu, outrossim, que o contrato de trabalho a termo incerto se transformou em contrato de trabalho por tempo indeterminado a partir do momento em que a obra nele mencionada terminou e o autor continuou ao serviço da ré, concretamente, a partir do início do mês de junho de 2011.
Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, a ré contestou alegando, em resumo, que as invocadas ilegalidades não tinham qualquer interesse para a decisão da presente ação, na medida em que na mesma se discutia a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do autor, sendo que no caso inexistia a invocada justa causa, acrescentando que o autor gozou férias e recebeu os subsídios de férias e de Natal, pelo que improcedia a ação, tendo pedido a condenação do autor, como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
O autor respondeu, defendendo que carecia de fundamento o pedido da sua condenação como litigante de má-fé, tendo concluído como na petição inicial.
Após o julgamento, proferiu-se despacho, notificado às partes, em que se fez consignar que «será com base no regime legal resultante do “Code du Travail” e do “Code Civil” francês e, eventualmente do regime contratual ou legal português no âmbito das matérias referidas no artigo 7.º do Código do Trabalho, que será decidida a causa», sendo exarada, posteriormente, sentença com a parte dispositiva seguinte: «1. Julgo nulas as cláusulas 7.ª, 17.ª e 19.ª do contrato de trabalho dos autos; 2. Condeno a Ré a pagar ao Autor o valor de € 7.000,00, a título de retribuições em dívida à data da cessação do contrato de trabalho; 3. Sobre tal valor acrescem juros desde 01.10.2013 e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal aplicável; 4. Absolvo a Ré do demais peticionado; 5. Não se anota má-fé do Autor.» 2.
Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que julgou o recurso de apelação procedente, revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu a ré do demais peticionado, tendo (i) declarado nula «a cláusula 12.ª do contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré», (ii) declarado «a justa causa de resolução do contrato de trabalho operada pelo autor», e (iii) condenado a ré a pagar ao autor «a quantia de € 9.553,00, a título de remuneração de abril de 2013, subsídios de férias e de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação e até integral pagamento», e a quantia de € 6.066, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, a que acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar do trânsito em julgado do acórdão exarado e até integral pagamento, mantendo, no mais, a decisão recorrida.
É contra o assim deliberado que a ré interpôs recurso de revista, rematando a respetiva alegação de recurso com as conclusões que se passam a transcrever: «1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão da Relação do Porto que julgou procedente a apelação do Autor/Recorrente e, em consequência: 1. Declarou nula a cláusula 12.ª do contrato de trabalho celebrado entre Autor e Réu; 2. Declarou a justa causa de resolução do contrato de trabalho operada pelo Autor; 3. Condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 9.553,00, a título de remuneração de Abril de 2013, subsídios de férias e de Natal, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação e até integral pagamento; 4. Condenou a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa a quantia de € 6.066,00, a que acresce os juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar do trânsito em julgado do douto Acórdão e até integral pagamento; 5. No mais confirmou a decisão recorrida.
2. Ressalvando todo o devido respeito, que por sinal é muito, a ora Recorrente não concorda com a decisão vertida no douto Acórdão, que julgou aplicar à relação laboral existente a lei portuguesa e julgou verificada a justa causa de resolução do contrato e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao Autor valores referentes a direitos que a lei portuguesa estipula e que a lei francesa não contempla [subsídios de férias e de Natal) e indemnização pela justa causa de resolução.
3. Sendo, por isso, nossa convicção que esse Tribunal Superior haverá de conceder provimento ao presente recurso revogando o douto Acórdão e, consequentemente, mantendo inalterada a decisão da primeira instância.
I. QUANTO À QUESTÃO SE À RELAÇÃO LABORAL ESTABELECIDA ENTRE AS PARTES SE APLICA A LEI PORTUGUESA E NÃO A LEI FRANCESA 4. Acompanhamos aqui toda a fundamentação vertida na douta sentença sobre esta questão, que fez uma corretíssima interpretação e aplicação da lei ao contrato de trabalho em causa, pelo que se acolhe na íntegra tudo o que ali vem invocado para fundamentar a decisão, nesta parte, que julgou aplicar-se à relação laboral em causa a lei francesa.
5. Quer face à Convenção de Roma, no seu artigo 3.º, quer face ao Código de Trabalho Português (CT de 2003), no seu artigo 6.º, n.º 1, o primeiro critério para a determinação da lei aplicável é o critério da vontade das partes: se as partes escolheram determinada lei a aplicar na resolução de litígios emergentes do contrato de trabalho é essa a lei que deverá ser aplicada. A escolha da lei pelas partes deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa.
6. O segundo critério, ou regra supletiva, que atua na falta de escolha das partes, é o critério da conexão mais estreita, o qual é aferido a) pelo local habitual da prestação do trabalho e b) pela localização do estabelecimento onde o trabalhador foi contratado, se o trabalhador não trabalhar habitualmente noutro Estado [na sequência das conclusões repete-se o n.º 6, numeração que se vai manter].
6. No caso em apreço, as partes não estipularam de forma expressa a lei que queriam aplicar à relação laboral. Nem das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa resulta, de modo inequívoco, que as partes queriam submeter o contrato à lei portuguesa. Logo, teremos de nos socorrer daquele segundo critério, ou seja, ao caso aplica-se a lei do local habitual da prestação do trabalho.
7. Estando assente que o trabalho foi sempre executado em território francês, é a lei deste país que deve aplicar-se ao caso concreto, tendo em conta a data em que foi celebrado o contrato ([09]/02/2009), aplicando-se aqui o Código de Trabalho de 2003 — isto sem prejuízo de existir um núcleo de matérias em que tem de ser assegurado pelo menos o regime legal português.
8. Ora, de harmonia com o artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Convenção de Roma aplicáveis às obrigações contratuais, regime este que o Código de Trabalho reproduz, na ausência de escolha pelas partes da lei aplicável, o contrato de trabalho é regulado pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho.
9. A Convenção de Roma é clara, quando dá primazia à liberdade das partes para, de forma expressa, escolherem a lei reguladora do contrato de trabalho. Na falta de escolha das partes, deve-se aplicar-se a lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho.
10. A existência no contrato de trabalho em causa de algumas referências à Lei Portuguesa, bem como as circunstâncias — nacionalidade portuguesa do Autor e a sua residência em Portugal à data da celebração do contrato de trabalho; a sede da Ré situar-se em Portugal e o contrato de trabalho ter sido celebrado em Portugal — jamais poderão conduzir à conclusão que as partes escolheram, de forma expressa ou de modo inequívoco, a lei Portuguesa.
11. [Repete-se a proposição já explicitada na conclusão 9.ª] 12. Se a lei estipula que as partes podem livremente escolher a lei que querem aplicar aos contratos, desde que o façam de forma expressa, não podemos dizer que não o fazendo de forma expressa poderão fazê-lo de modo implícito, como se defende no douto Acórdão. Isto seria subverter o que a lei prescreve taxativamente, o que não é de aceitar com o devido respeito.
13. Ou é de forma expressa ou resulta das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa de modo inequívoco que as partes quiseram escolher uma determinada lei. Caso contrário, a lei não estipularia que na falta de escolha das partes, se deverá aplicar a lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho.
14. Logo, é a lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o trabalho que se...
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