Acórdão nº 861/13.3TTVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – 1. AA Instaurou acção declarativa, sob a forma do processo comum, no Tribunal do Trabalho de Viseu, contra: BB– ..., S. A.

Pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 95.019,83, dos quais € 22.909,00, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho por parte do A., por falta de pagamento de retribuições.

2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré no pagamento, ao Autor, das seguintes quantias: a) € 2.539,00, correspondente a retribuições não pagas; b) € 11.454,50, correspondente ao valor da indemnização por resolução do contrato; c) € 1.617,83, correspondente ao pagamento de férias, subsídios de férias e de Natal, e respectivos proporcionais vencidos no ano de 2013, aquando da extinção do contrato; d) A quantia que vier a liquidar-se, não superior a € 54.169,07, correspondente a retribuições para cujo pagamento a Ré entregou ao Autor cheques que este não descontou; e) E juros, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento.

  1. Inconformada com o decidido, a Ré apresentou recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, Tribunal que, por Acórdão, rejeitou o conhecimento da impugnação da matéria de facto deduzida pela Recorrente – na parte em que esta fundava o alegado erro na apreciação da prova testemunhal e documental produzida em sede de julgamento – por considerar que não foram observados os ónus neste âmbito consagrados no art. 640.º, nºs 1 e 2, do NCPC.

    E concluiu a Relação nos seguintes termos: não tendo a Ré dado cumprimento, quanto à impugnação da matéria de facto, ao ónus previsto no art. 640.º do CPC, não pode a Recorrente beneficiar da extensão do prazo de 10 dias que a lei prevê para os casos em que os recursos têm por objecto a reapreciação da prova gravada.

    Pelo que, julgou quanto ao mais, o recurso extemporâneo, rejeitando-o na totalidade.

  2. Irresignada, recorreu a R. de revista, apresentando as conclusões constantes de fls. 304 a 307, que aqui damos por integralmente reproduzidas, e nas quais conclui que o Tribunal da Relação de Coimbra fez errada aplicação da lei do processo ao proceder à rejeição do recurso referente à impugnação da matéria de facto e, mais ainda quando, ao arrepio de qualquer norma ou princípio jurídico, decidiu pela extempo-raneidade do recurso, numa violação manifesta dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da confiança, do processo equitativo e do direito ao acesso à Justiça e aos Tribunais.

    Deve, por isso, tal Acórdão ser revogado e substituído por outro que admita o recurso de Apelação e proceda à reapreciação da prova produzida e ao respectivo conhecimento da matéria de direito.

  3. Não foram apresentadas contra-alegações.

  4. O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de ser concedida a revista. Do seu conteúdo foram notificadas as partes, que nada aduziram.

  5. Preparada a deliberação, cumpre conhecer e decidir as questões suscitadas nas conclusões da alegação da Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do CPC.

    II – QUESTÕES A DECIDIR: - Está em causa, em sede recursória, saber se: a) O Tribunal da Relação devia ter conhecido do recurso de apelação interposto pela Ré, no que respeita à reapreciação da matéria de facto assente na prova testemunhal e documental produzida em sede de julgamento, atenta a forma como foi efectuada pela Recorrente a impugnação da matéria de facto; b) A Relação podia ter rejeitado, por extemporaneidade, o recurso relativamente às demais questões, com o fundamento invocado e sem ter conhecido da matéria de direito.

    Analisando e Decidindo.

    III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA: 1.

    Consigna-se que para a decisão do presente pleito são convocadas as normas do Novo CPC, na versão conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, porquanto os autos deram entrada no dia 05.12.2013 e o Acórdão recorrido mostra-se datado de 24.09.2015.

  6. Já referimos em contexto similar, o nosso entendimento sobre a presente matéria que pode ser recolhido no Acórdão do STJ, datado de 1/10/2015, no âmbito do processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt. e que não acolhe o que foi decidido nestes autos pela Relação de Coimbra.

    Atendendo porém que o objecto do presente recurso incide sobre a mesma questão, que ultimamente tem sido recorrente e tem merecido por parte dos Tribunais da Relação decisões como aquela contra a qual a Recorrente ora se insurge, consideramos útil reiterar, ainda que resumidamente, as razões que então, como agora, estiveram subjacentes ao acolhimento da pretensão da Recorrente.

    São elas: 3.

    Como é sabido, é da fixação da matéria de facto que depende a aplicação do direito sendo determinante do mérito da causa e do resultado da acção.

    A apreciação rigorosa dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, conexionados com os demais meios probatórios, é inquestionavelmente a função primordial de qualquer Juiz, tanto daquele que na 1ª instância preside à audiência que culmina com a decisão da matéria de facto, como daquele que, em instância de recurso, tem por missão a reapreciação de tal decisão, depois de reponderados os meios de prova.

    Constitui, sem dúvida, em qualquer das instâncias, uma tarefa espinhosa, cuja complexidade radica essencialmente na dificuldade em captar, com sentido crítico e analítico, os factos controvertidos a partir da narração que é trazida, nomeadamente pela prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.

    Mas sendo espinhosa tal função, nem por isso está o Julgador desonerado de a exercer norteado, como lhe compete, pela nobre tarefa de privilegiar a substância em detrimento da forma, buscando alcançar a verdade material, que não a meramente formal, ou seja, numa palavra, fazer Justiça. 4.

    As exigências que o legislador entendeu consagrar nesta matéria e que impõem ao Tribunal o dever de fundamentação e de motivação crítica da prova, no actual art. 607º, nº 4, do CPC, encontra o seu contraponto na igual exigência imposta à parte Recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, do respectivo ónus de impugnação.

    Trata-se, em...

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