Acórdão nº 149/15. 5YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução31 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, BB, CC e DD, juízes de direito, a exercerem funções no Tribunal Judicial da Comarca do ... – Tribunal de Competência Alargada de Execução de Penas, interpuseram recurso contencioso da deliberação de 29 de Setembro de 2015, do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, que decidiu rejeitar o recurso interposto de despacho proferido pelo Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do ..., homologado por decisão do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, datada de 17 de Dezembro de 2014, por irrecorribilidade de ambas as decisões.

No articulado apresentado os recorrentes alegaram[1]: I – Objeto do recurso 1º O ato impugnado é, como se disse, a douta deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 29 de setembro de 2015, que decidiu que “a decisão do Exmº Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do Porto tem uma dimensão normativa regulamentar, sendo como tal irrecorrível. O mesmo se dirá, por idênticos motivos, da decisão emanada pelo Exmº Sr. Vice Presidente no sentido da aprovação daquela outra decisão” (cf. doc. 1 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, assim como o de todos os documentos doravante juntos, para todos os legais efeitos).

  1. Os AA. são diretamente visados e lesados pela douta deliberação impugnada, pelo que têm legitimidade.

  2. Os AA. encontram-se a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca do ...— Tribunal de Competência Alargada de Execução das Penas, tendo sido notificados do ato impugnado em 26 de outubro de 2015, pelo que a ação está em tempo — cf. artigo 169º, nº 1, do EMJ.

  3. O Tribunal é competente, nos termos do disposto no artigo 168º, nº 1, do EMJ.

    II — Da factualidade subjacente à douta deliberação impugnada 5º Através do ofício nº 2/2014, de 11.11.2014, foram comunicados pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do ... os critérios e mapas de organização do serviço quanto aos turnos a observar aos sábados e feriados (cf. doc. 2 que se junta).

  4. Em 14 de novembro de 2014, os ora AA. apresentaram um requerimento de pronúncia quanto aos critérios e mapas que haviam sido propostos pelo Exmo. Senhor Presidente da Comarca do ... (cf. doc. 2 já junto).

  5. Através do ofício nº 7/2014-GP/JUÍZES, de 19.12.2014, foram comunicados pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do ... os novos mapas de organização do serviço, após homologação dos mesmos por despacho de 17.12.2014 do Exmo. Senhor Vice Presidente do CSM (cf. doc. 3 que se junta).

  6. Em 23 de dezembro de 2014, os AA. apresentaram junto do Conselho Superior de Magistratura recurso da decisão de fixação dos critérios e mapas de turnos acima referenciada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 98º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ) — cf. doc. 2 já junto.

  7. Por deliberação datada de 29 de setembro de 2015, veio o R. deliberar pela rejeição do recurso interposto (cf. doc. 1 já junto), sufragando, para tanto e em síntese, que: «Os impugnantes configuram a impugnação como recurso, invocando, porém, o disposto nos artigos 98º (…), 94º, nº 3, al. b) (…) da Lei nº 62/2073 [sic], de 26 de Agosto e 158º e segs (…) do CPA.

    O objeto visado pelas duas decisões questionadas é o mesmo: a fixação de regras sobre a organização do serviço de turnos a que alude o art. 36º, nº 2, da LOSJ no Tribunal da Comarca do .... (…) Mas serão tais decisões impugnáveis mediante recurso (ou reclamação)? Para tanto, importará determinar se as decisões em apreço configuram actos administrativos susceptíveis de impugnação, convocando para o efeito a definição constante do art. 120º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

    (…) Assim, para que um qualquer comando (…) seja recorrível (…) é pressuposto que ele, ademais do conteúdo decisório, tenha uma natureza individual, isto é, que se reporte a uma pessoa ou a algumas pessoas especificamente identificadas e concreto, isto é, que vise regular uma certa situação bem caracterizada.

    Se, pelo contrário, esse comando revestir os carateres da generalidade, por ter destinatários indeterminados, e da abstracção, por ser aplicável a situações indeterminadas, e for susceptível de execução permanente (vigência sucessiva), assumindo então natureza normativa, não poderá ser qualificado como um acto administrativo, mas como um regulamento e, então, não poderá constituir, de per se, objeto de impugnação (…).

    (…) Cumpre agora notar que o comando (…) aqui colocado em causa não identifica os seus destinatários de fornam nominativa, mas por referência aos lugares que ocupam na estrutura judiciária (…)”.

    Não tendo o comando um termo, podemos afirmar que, na sua vigência, os lugares tanto podem ser ocupados pelos juízes que, no pretérito movimento judicial, neles foram colocados, como por outros que neles venham a ser colocados em movimentos judiciais futuros. Podem ainda ser ocupados, de forma transitória, por juízes auxiliares ou do Quadro Complementar que sejam destacados para substituir os titulares que, por qualquer razão (v.g. comissão de serviço), não se encontrem no exercício efectivo de funções. Assim sendo, na medida em que é susceptível de aplicação a todos os juízes que exercem e venham a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de (…), o comando (…) é geral.

    Por outro lado, como nos parece inequívoco, esse comando vale para todas as situações que, durante a respetiva vigência, venham a ocorrer (…). Não se esgota numa substituição concreta. Isto permite-nos afirmar que, para além de geral, o comando é abstracto e tem vigência sucessiva.

    Deste modo, temos de concluir que o objeto impugnado pelos Recorrentes não é afinal, um acto administrativo, mas um regulamento e, por decorrência, de considerar que o mesmo não é susceptível de recurso (…), o que constitui, nos termos do disposto no art. 173, b), do Código do Procedimento Administrativo, causa de rejeição de recurso”.

  8. Salvo o devido respeito, cremos que o douto Acórdão do Conselho Plenário do R. enferma do que se pensa ser um manifesto erro de julgamento, pelo que o mesmo deve ser anulado e substituído por outro que, admitindo o recurso, aprecie a questão de mérito colocada à consideração e julgamento do R..

    Senão vejamos III – Do erro de Julgamento i) Da distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo 11º Na aferição do manifesto erro de julgamento de que padece a douta deliberação impugnada, importa, antes de mais, revelar a distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo.

    Vejamos: 12º Por ato administrativo entende-se “uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de direito administrativo, pela qual se produzem efeitos externos, positivos ou negativos” (cf. Rogério Soares, Direito Administrativo, lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, p. 76).

  9. Ou como nos ensina Freitas do Amaral, “é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto” (cf. Direito Administrativo, Vol. III, p. 66).

  10. Já Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, aproveitando as definições avançadas pelos autores referenciados supra, entendem que ato administrativo, para efeitos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), “é a medida ou prescrição unilateral da Administração que produz, direta, individual e concretamente, efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros” (cf. Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, 2003, p. 550).

  11. Em suma, e conforme nos explicitam os autores acima identificados (cf.

    ob. cit.

    , pp. 550 a 567), um ato administrativo caracteriza-se por:

    1. Consistir numa decisão, enquanto estatuição ou prescrição, voluntária; b) Essa decisão ser proferida por órgãos ou agentes da administração no exercício de poderes e deveres de autoridade administrativa; c) Ter por base normas de direito público, isto é, normas de competência que regulam situações e relações jurídicas que pelo seu sujeito e conteúdo são insuscetíveis de se constituir entre simples particulares; d) Produzir efeitos externos, na medida em que se produzem na esfera jurídica de terceiros que com o autor do ato estão, pretendam ou possam estar em relação jurídico-administrativa; e e) Incidir numa situação individual e concreta.

  12. Em conformidade com definição que foi sendo aperfeiçoada pela doutrina, o artigo 148º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro, aplicável já aos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º, nº 1, do mesmo diploma) determina que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.

  13. Por sua vez, a doutrina define os regulamentos administrativos como normas jurídicas emitidas por órgãos da Administração no exercício da função administrativa (cf., neste sentido, Afonso Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, policopiadas, Coimbra 1976, pp.410 ss. e, do mesmo autor, “Teoria dos Regulamentos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs. 1-2-3-4, pp. 1 ss).

  14. Como refere Mário Aroso de Almeida, “dá-se o nome de regulamentos aos atos normativos – isto é, aos atos jurídicos contendo normas – que são emanados no exercício da função administrativa” (cf.

    Teoria Geral do Direito Administrativo, temas nucleares, Almedina, 2012, p. 79).

  15. Aliás, em conformidade com a doutrina que vinha sendo produzida sobre a matéria, o legislador veio instituir no artigo 135º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro) que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT