Acórdão nº 2234/11.3TBFAF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução17 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA propôs acção de condenação, com processo ordinário, contra BB e mulher, CC, pedindo que seja declarado válido e existente o contrato de arrendamento comercial celebrado e os Réus condenados a reconhecerem-no como legítimo arrendatário da cave (estabelecimento comercial), arrecadação exterior e logradouro do prédio a que se refere a relação locatícia e a restituírem-no definitivamente à posse do locado, no estado em que se encontrava antes do esbulho, a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra os seus direitos, decorrentes do dito arrendamento; peticiona ainda o pagamento de quantia, a título de sanção pecuniária compulsória e de indemnização pelos invocados danos.

Como fundamento de tais pretensões, alega, em síntese, que por escrito celebrado em 17 de Agosto de 1993 os Réus, representados por procurador, deram-lhe de arrendamento a cave do prédio urbano, sito no lugar de …, freguesia de …, Fafe, bem como a arrecadação exterior e logradouro de tal imóvel, omisso na matriz, pelo prazo de um ano, com início em 1 de Setembro de 1993, pela renda anual de Esc. 240.000$00, a pagar em duodécimos de Esc. 20.000$00 na casa do senhorio ou de quem o representasse, no primeiro dia útil do mês a que respeitasse, para o destinar a pub-disco, Após tal celebração, entrou na posse e fruição da cave, explorando um estabelecimento comercial denominado "Pub Horizonte", que ali tem funcionado ao longo dos anos, utilizando ainda a arrecadação exterior para armazém de bebidas, depósitos e motores de água e o logradouro como parque de estacionamento de veículos para clientes, fornecedores e trabalhadores, o que ocorre desde 1 de Setembro de 1993, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição nem interrupção, na firme convicção do exercício pleno do direito de arrendatário. Explorava o estabelecimento, abrindo ao público nos horários próprios, adquirindo mercadorias e pagando o custo, fazendo obras e benfeitorias, limpando-o e cuidando do seu asseio, contratando pessoal, pagando os salários, seguros multiriscos e de responsabilidade civil, água, luz e telefone, licenças e alvarás.

Sucede que o Réu, desde Fevereiro de 2011, começou a ameaçar e a apodar de expressões injuriosas clientes, fornecedores e trabalhadores, bem como a dizer que destruiria todos os veículos automóveis que se encontrassem no parque de estacionamento; como habita no primeiro andar, batia com um ferro na placa superior para fazer barulho e espantar os clientes, abria a água que se introduzia no interior do estabelecimento; mais tarde, vedou com portão automático e aumentou os muros envolventes do parque de estacionamento, que não mais pôde ser utilizado como anteriormente; também retirou o telhado que estava no hall de entrada do estabelecimento, apoderou-se da antena de televisão e destruiu uma lareira que estava no referido hall, bem como a chaminé; em 9 de Julho de 2011, pelas 16 horas, sem autorização nem consentimento seu, destruiu a porta de emergência situada nas traseiras do estabelecimento; posteriormente, abriu a porta da entrada principal e mudou-lhe a fechadura, apoderando-se de todos os equipamentos que se encontravam no interior e que discrimina; ainda abriu uma porta larga para o exterior junto à porta principal de entrada para o estacionamento que indicia que pretende utilizar o locado para entrada, saída e guarda de veículos; desta forma descaracterizou completamente a cave, a arrecadação e o logradouro e ofendeu a sua posse, usando de violência.

Em virtude de tais factos está impedido de explorar o estabelecimento desde 4 de Fevereiro de 2011, sendo que auferia uma média mensal de € 2.000 pela actividade aí desenvolvida.

Acrescenta que se sentiu triste, aborrecido, revoltado e incomodado com a conduta dos Réus, vexado e menosprezado como arrendatário, pretendendo €5.000 como compensação.

Os Réus contestaram, contrapondo que o contrato invocado pelo Autor nunca existiu, tendo o negócio invocado sido simulado; na verdade, a cave nunca lhe foi arrendada porque o seu procurador, DD, informou que a ia ocupar, nunca informando que a ia arrendar a outra pessoa, nem que ia destinar-se a disco-pub, tanto mais que o prédio não reunia condições para esse efeito, nem teve licença para utilização; em 1993/1994 viviam em França só se deslocando a Portugal em férias no mês de Agosto de cada ano, pelo que não sabiam o verdadeiro destino da ocupação da cave.

Referem, ainda, que o contrato alude na primeira cláusula ao rés-do-chão - e não a cave, nem a arrecadação ou logradouro,- sendo que o prédio estava inscrito na matriz sob o artigo 1980, o que o procurador sabia; acrescentam que o arrendamento tinha de ser celebrado por escritura pública e que o prédio, destinado a habitação, não tem isolamento acústico que permitisse uma actividade do género.

Afirmam que o procurador nunca lhes comunicou a situação decorrente do documento junto e que nunca lhe permitiram a utilização da arrecadação exterior e logradouro.

Acrescentam ainda que o local foi encerrado no decurso do mês de Fevereiro de 2011 por iniciativa de DD e na sequência de desinteligências com este, em Outubro de 2010, revogaram a procuração que lhe haviam outorgado e rescindiram o contrato de empreitada respeitante a obras de remodelação do seu imóvel; negam que o marido tivesse retirado o telhado, destruído a lareira, chaminé, porta de emergência ou se apoderasse da antena da televisão ou dos equipamentos, porquanto comunicou àquele para os retirar, o que não foi feito. Concluem que, estando o estabelecimento inactivo, não existiam receitas de exploração, sendo o valor peticionado fantasioso.

O demandante replicou, argumentando que os Réus frequentaram o estabelecimento inúmeras vezes, que tinha publicidade no exterior, alvará de abertura concedido pelo Governo Civil, licenciamento sanitário emitido pela Câmara Municipal, estava munido de licença de abertura e funcionamento emitida pela Secretaria de Estado da Cultura, com projecto de licenciamento requerido e apresentado pelo Réu - e que era do contador da luz nele instalado que era fornecida energia para a zona de habitação; a renda sempre lhes foi paga e pelos mesmos recebida; reiteram que o logradouro sempre se encontrou ligado ao estabelecimento, tendo sido assinalado como parque de estacionamento privativo na planta que o Réu juntou ao projecto.

Defendem que os Réus litigam de má fé pois o contrato não foi reduzido a escritura pública a pedido e por interesse dos Réus alegando que não era necessário, pois eram todos conhecidos e sérios; mais de quinze anos decorreram desde a ocupação até à propositura da acção e sempre os Réus autorizaram e aprovaram as obras de remodelação, evidenciando contentamento por beneficiarem o prédio; invocam o regime decorrente do RAU e do NRAU para contrariar o vício decorrente da falta de escritura pública e, à cautela, a actuação dos Réus em abuso de direito, ao invocarem a nulidade por violação da sua confiança na estabilidade do contrato.

Os Réus treplicaram, impugnando os documentos juntos e reiterando que o procurador lhes ocultou os contornos da situação que só conheceram com a propositura da acção.

Realizado o Julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente por não provada, absolvendo-se os Réus dos pedidos formulados pelo Autor.

2.

Inconformado apelou o A., impugnando, desde logo, a decisão proferida acerca da matéria de facto; tal impugnação foi, porém, julgada improcedente, salvo no que toca à eliminação do ponto 17 dos factos provados, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual: 1. Foi outorgado por escrito, em l7 de Agosto de 1993, um documento intitulado de "contrato de arrendamento" entre DD (sendo referido que na qualidade de procurador de BB, ora Réu) e AA, tendo sido dado de arrendamento ao Autor o rés-do-chão do prédio urbano sito no lugar de …, freguesia de Estorãos [alínea A) dos factos assentes e fls. 12113, cujo teor por brevitatis causa se dá por integralmente reproduzido].

2. Pelo prazo de um ano, com inicio em 1 de Setembro de 1993 [alínea B) dos factos assentes].

3. Pela renda anual de € 240.000$00/ € 1.197,11 a pagar em duodécimos de 20.000$00/ € 99,76 na residência dos senhorios ou de quem legalmente os representar, até ao primeiro dia útil do mês a que respeitar [alínea C) dos factos assentes].

4. Para o destinar a pub-disco [alínea D) dos factos assentes].

5. Em 27 de Agosto de 1987 no Consulado de Portugal em Versalhes os Réus declararam constituir seu procurador DD a quem conferiam poderes para dar de arrendamento nos termos e condições que entendesse, prédio ou partes de prédio que lhes pertencessem, sitos em Fafe, podendo o inquilino ser o próprio representante, para requerer vistorias a prédios sitos no mesmo concelho a fim de lhes ser concedida a respetiva licença de utilização, para os representar junto da Câmara Municipal de Fafe ou do Governo Civil de Braga a fim de requerer licenças ou outros documentos relativos a instalação de quaisquer estabelecimentos nos ditos prédios; para os representar junto da Repartição de Finanças, podendo participar prédios, contratos de arrendamentos, declarações de rendas e acompanhar quaisquer procedimentos fiscais, praticando e requerendo tudo quanto se tornasse necessário para requerer registos, averbamentos e cancelamentos e finalmente para requerer, praticar e assinar tudo o que se tornasse necessário para os referidos fins [documento de fls, 179 - aditamento ao abrigo do disposto no artigo 5° n° 2 alínea a) do Código de Processo Civil].

6. Na sequência da procuração referida em 5) o Réu autorizou o procurador a utilizar o espaço de logradouro para parque de estacionamento do estabelecimento que o mesmo passou a explorar no rés-do-chão, bem como a aceder à arrecadação exterior onde se encontrava a bomba destinada a extrair água do poço para abastecimento do mesmo [resposta ao artigo 1 ° da base instrutória], 7. No âmbito do...

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