Acórdão nº 741/12.0TXPRT-F de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em Audiência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

AA, devidamente identificado nos autos, apresentou no processo supletivo n.º 741/12.0TXPRT, do 1.º juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto, petição de habeas corpus, subscrita por advogado, a qual, não obstante a sua desmesurada extensão, passamos a reproduzir: «1º – O requerente, condenado por decisão transitada em julgado a pena de prisão por dias livres, requerera junto do Tribunal de Execução de Penas do Porto a sua comutação para prestação de trabalho a favor da comunidade, uma vez que evidenciara ideação suicida, inclusivamente desenvolvendo tentativas de pôr termo à sua vida, referindo preferir “antes a cova que a prisão!” – expressão que lhe é recorrente.

«2º – Com efeito, trata-se de uma situação em que o anúncio e a iminência da execução de uma pena de prisão (mesmo por dias livres) provocou grave doença do foro psiquiátrico ao requerente, pela qual se corre o sério risco de ele pôr termo à própria vida, tudo conforme certificam os relatórios médicos que foram apresentados ao TEP, e tendo-se pedido que, ao menos comprovada aquela patologia, se decidisse a alteração e/ou substituição da pena, tudo de molde a que não se desprezasse o título executivo e se alcançasse a essencial finalidade das penas – que o arguido não descura.

«3º – Esse transtorno tem-se evidenciado e agravado, manifestando o condenado inclusivamente regressão neurológica, e mesmo perante as pedagógicas intervenções dos familiares directos do condenado e dos clínicos que com ele têm lidado no sentido da sua sensibilização, mantém este a sua determinação, que referiu até ao Mmo. Juiz do TEP do Porto, em sede de audição presencial, quando instado sobre como seria se tivesse mesmo de ir para a cadeia: “mato-me!”, acompanhada de gesto transversal com o polegar sobre o pescoço.

«4º – Pelo médico psiquiatra que vem acompanhando o requerente, é a situação descrita e atestada nos seguintes termos: «“BB, médico psiquiatra com a cédula profissional nº 44226, declara para os devidos efeitos que AA, é por mim acompanhado em consultas de psiquiatria desde 17 de Novembro de 2011 por um quadro depressivo major.

«Iniciou desde então plano psicofarmacológico e psicoterapêutico com adesão e resposta parcial.

«Desde final de Abril, deu-se agravamento substancial do quadro, e apesar da terapêutica instituída e dada a personalidade prévia do doente, este tem apresentado humor depressivo, isolamento progressivo, baixa auto-estima, anorexia e ideação suicida com planos de concretização (algumas tentativas terão sido já evitadas pela presença e influência dos familiares mais próximos, filho e esposa), conforme se comprovou com documento junto com o requerimento de comutação de pena apresentado no Tribunal de Execução de Penas do Porto.

«5º – E este mesmo clínico garante que todo o processo de interiorização e de exteriorização de emoções, conhecimentos, factos, juízos e decisões do requerente está fortemente afectado e comprometido pela séria restrição das suas faculdades mentais e emocionais, bem como pela regressão da sua condição neurológica e encefálica que, recentemente, se tem verificado e que foi clinicamente diagnosticada, como se comprova pelo teor do relatório de TAC efectuado em Janeiro de 2013 e também junto com o requerimento de comutação de pena apresentado no TEP do Porto.

«6º – É essa especial condição biológica, mental, emocional e neurológica do requerente que o torna pessoa particularmente susceptível, designadamente atendendo ao anúncio da pena que lhe fora determinada, tal como é a mesma especial condição que o faz, sem hesitações (e, diga-se, sem evoluções, antes regressão) preferir a morte à reclusão prisional.

«7º – Toda a descrita condição patológica, segundo estudos sobre a matéria, potencia a ideação suicida em cerca de 15 vezes mais do que a incidência de suicídio na população geral, assim revelando a razão de ser da sintomatologia presente no requerente.

«8º – Os passos processuais subsequentes ao pedido de alteração da pena junto do TEP, salvo com suprimento desse Colendo Tribunal, não terão aqui relevo, a não ser dar-se conta de que já desde há mais de três anos, e por várias vezes, o requerente tem pedido e insistido na sua submissão aos exames tidos por convenientes para se enquadrar juridicamente a situação concreta, sempre com o dito sentido do sério perigo que se anuncia para a sua vida.

«9º – Mas esse sentido, passe a redundância, não faz sentido para as instâncias, e ainda ninguém se convenceu da imperiosidade da determinação de um simples exame psiquiátrico, singular ou colegial, que teste a alegada patologia, com aquela inabalável determinação suicida – a não crerem as instâncias no atestado pelo Dr. Patrício Ferreira.

«10º – E diga-se que essa recusa, sucessiva e obstinada, de uma diligência tão simples como um exame ou junta médica, não teve até agora qualquer explicação – a mais ínfima que seja, sublinhe-se –, a não ser, exclusivamente, a de que “o que o recorrente alega é um estado depressivo perante a eminência (sic) da execução da pena com ideações suicidas que, salvo o devido respeito, não integra qualquer das situações previstas para a modificação da execução da pena e que, certamente, será comum à maioria dos condenados em penas de prisão”.

«11º – E, aliás, o Ministério Público junto do TEP já opinou, entretanto, no seguinte sentido: “Entende o condenado que o tribunal deveria ter ordenado diligências de prova com vista a comprovar a situação depressiva e a ideação suicida (note-se que esta ideação só existe se o condenado tiver de ir para a cadeia)”! «12º – Nestas circunstâncias, o requerente foi levado, in extremis, e para a instintiva e legal defesa da sua vida, a intentar no TAF de Braga uma providência, devidamente fundamentada, que originou os autos com o nº 893/15.7BEBRG da Unidade Orgânica 1 daquele Tribunal, onde pede: «“I – O decretamento provisório da providência requerida, nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 131º do CPTA, dado que urge a efectivação da tutela dos direitos, liberdades e garantias do Requerente invocados supra, designadamente o seu direito à vida, direito que se revela ser gravemente atentado e de forma manifestamente irreversível com a iminente execução da pena reclusória; «II – Que a presente providência seja julgada provada e procedente, decidindo-se que o Estado se deve abster de executar a pena de cinco meses de prisão por dias livres…, eventualmente sem prejuízo da sua alteração e/ou substituição, com subordinação aos princípios orientadores previstos no artigo 3º do CEPMPL; «III – Que se ordene a comunicação imediata ao Tribunal de Execução das Penas do Porto, processo nº 741/12.0TXPRT-A, 1º Juízo, de todas as decisões que sejam proferidas nos presentes autos”.

«13º – Tal providência está neste momento em recurso junto do Tribunal dos Conflitos, uma vez que a 1ª instância e o TCAN entenderam materialmente incompetente a jurisdição administrativa para conhecer da dita providência, que constitui, pelos seus termos, pelos termos da lei, e pela natureza das coisas, questão prejudicial à execução da pena.

«14º – Mas, entretanto, após audição do requerente no incidente sobre as não apresentações para cumprimento da pena, o TEP, sem ordenar a produção das diligências de prova requeridas (cfr. artigo 125º, nº 4, do CEPMPL) e em manifesta desconsideração da prova junta, decidiu: «“(…) De referir que não resulta dos autos, nem tal se evidenciou aquando da sua audição presencial, que o condenado padeça de qualquer patologia que o tivesse impedido de comparecer no estabelecimento prisional, sendo certo que existem aí, meios clínicos e médicos que podem providenciar a adequada assistência médica, nomeadamente de natureza psicológica e psiquiátrica, que se viesse a revelar como necessária.

«A considerar como válida a justificação do condenado, dificilmente se cumpririam penas de prisão… «(…) «Tudo visto e ponderado, decido julgar improcedente a arguição de quaisquer nulidades e, atento o disposto no artigo 125.º, n.º 4, do Código de Execução das Penas, considerar não justificadas as faltas de entrada no estabelecimento prisional, em consequência do que determino que a prisão passe a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar.

«Condeno o condenado dos autos no pagamento da taxa de justiça de 2 (duas) U.C.

«Notifique e comunique ao E.P. e ao processo da condenação.

«Passe de imediato mandados de detenção uma vez que, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, esta decisão é de execução imediata”.

«15º – Deste despacho foi, pelas primeiras horas do dia 2/2/2016, apresentado requerimento com arguição de nulidades e inconstitucionalidades, aguardando-se a respectiva decisão; tal como se aguarda sobre outro – que, tal como o primeiro, se realçou como IMPERIOSAMENTE URGENTE E PRIORITÁRIO –, apresentado em 3/2/2016, a reclamar pronúncia sobre o primeiro e a reiterar que seja ordenada a imediata sustação dos mandados de captura do requerente, bem como invocar o seu direito de resistência a uma ordem de captura ilegal.

«16º – E além destes requerimentos, o requerente irá interpor com brevidade o devido recurso, mas deve atentar-se em que no despacho em causa se diz expressamente “[P]asse de imediato mandados de detenção uma vez que, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, esta decisão é de execução imediata”.

«17º – Esta afirmação insere referência ao douto Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça, do Processo n.º 17/14.8YFLSB.S1 (Habeas Corpus n.º 70125/14) – mas sem qualquer transcrição, e o condenado que adivinhe o teor, a pertinência e a aplicabilidade – o qual manifestamente não tem aplicação ao caso do requerente, pois ali se tratava de pessoa já presa, enquanto o aqui requerente não está ainda em cumprimento da pena, pelo que não se lhe aplicam os fundamentos do referido acórdão, ou seja, não se corre o risco de se permitir que o condenado passasse/continuasse a cumprir a pena...

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