Acórdão nº 6500/07.4TBBRG.G2.S3 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e mulher, BB, intentaram acção de condenação, na forma ordinária, contra CC e mulher, DD, pedindo que os RR. sejam condenados a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio que identificam e a restituírem-lhes determinada parcela de terreno – faixa horizontal, situada na parte sul do prédio reivindicado pelos AA., contígua à estrada nacional - que abusivamente ocuparam, bem como a absterem-se de perturbar novamente o seu invocado direito de propriedade e posse.

Citados, contestaram os RR, impugnando os factos alegados pelos AA., sustentando que a parcela de terreno em litígio faz parte do seu próprio prédio e defendendo a improcedência da acção.

Os AA replicaram, reiterando a sua inicial posição.

Após saneamento e instrução do processo, procedeu-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar a acção procedente - condenando os RR a reconhecerem o direito de propriedade dos AA sobre todo o prédio identificado na petição, incluindo a parcela de terreno que se desenvolve ao longo da sua confrontação com a via pública, situada a sul, e a restituírem-lhes essa parcela.

Inconformados, os RR apelaram, tendo a Relação julgado parcialmente procedente o recurso, alterando a resposta ao ponto 1º da base instrutória, dela expurgando matéria de facto não oportunamente alegada, nem processualmente adquirida de forma regular, - e determinando ainda a ampliação da base instrutória, mediante o aditamento de novos factos, referentes à inclusão da faixa de terreno referida no art- 7º da BI em algum dos prédios em litígio, com a consequente anulação da decisão sobre a matéria de facto e da sentença.

Efectuado o ordenado aditamento à base instrutória e realizado novo julgamento, foi proferida nova sentença, idêntica à primeira.

Novamente inconformados, apelaram os RR., impugnando, desde logo, o julgamento da matéria de facto, tendo a Relação negado provimento ao recurso, não determinando qualquer alteração quanto à matéria de facto - e considerando extemporânea a junção de determinado documento na fase da alegação.

De tal acórdão foi interposto recurso de revista para o STJ.

O STJ, em acórdão de 19.02.2013 (fls. 972/986), anulou o referido Acórdão da Relação, determinando que: - após produção de prova sobre o invocado conhecimento tardio do documento de fls. 749, se decidisse admitir ou rejeitar esse documento; e, caso fosse admitida a respectiva junção, a Relação apreciasse livremente o seu conteúdo, em conjugação com a demais prova, no âmbito da reapreciação da matéria de facto impugnada.

- se eliminasse, nos termos do nº4 do art. 646º do CPC, a matéria constante dos quesitos 14º e 15º (em que se perguntava se a parcela de terreno em litígio fazia parte do prédio dos AA. ou dos RR.), por considerar o seu conteúdo manifesta e claramente conclusivo.

  1. Remetidos os autos à Relação, começou esta por enunciar a matéria de facto que a decisão de 1ª instância considerara provada, notando ainda que, por força do decidido pelo STJ, tinha de considerar-se inexistente o segmento do ponto 10 da matéria de facto, atinente à inclusão da faixa de terreno em litígio no prédio reivindicado pelos AA., fazendo-o nos seguintes termos: “1 - Em 17 de Abril de 2001, foi adjudicado à firma "EE, Lda", no âmbito do processo de execução que sob o n.º 18/98 correu termos pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Braga, o prédio rústico denominado "FF", a confrontar do norte com GG, do sul com caminho municipal n.º 13…, do nascente com HH e do poente com II, situado na freguesia de Aveleda, neste concelho e comarca de Braga, inscrito na matriz sob o artigo 426º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4....

    2 - Essa aquisição mostra-se definitivamente registada a favor da "EE, Lda", por apresentação datada de 8 de Março de 2002.

    3 - O prédio transmitido fora arrestado em Fevereiro de 1998, no âmbito de uma providência cautelar intentada pela "EE, Lda", como preliminar da citada execução, arresto esse que foi posteriormente convertido em penhora.

    4 - Por escritura pública outorgada no dia 22 de Novembro de 2006, JJ e KK, agindo na qualidade de sócios gerentes e em representação da "EE, Lda", declararam vender ao A., que por sua vez declarou comprar à representada daqueles, o referido prédio, mediante uma contrapartida pecuniária de € 25.000,00.

    5 - No decurso de uma assembleia geral realizada no dia 28 de Dezembro de 2006, foi aprovada por unanimidade a proposta de dissolução da "EE, Lda", bem como a declaração de encerramento da liquidação, por inexistência de activo e passivo.

    6 - Por escritura pública outorgada no dia 12 de Abril de 2001, no 2° Cartório Notarial de Braga, LL declarou vender aos RR, os quais, por sua vez, declararam comprar àquela, o prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e andar, com logradouro, situado no lugar do Monte, FF ou MM, freguesia de Aveleda, neste concelho e comarca de Braga, inscrito na matriz sob o artigo 436° e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., mediante uma contrapartida pecuniária de 18.500 contos.

    7 - Desde há mais de 20 anos que os AA, por si e antecessores, usufruem o prédio referido na alínea A), venerando-o e suportando os inerentes encargos, o que sempre fizeram ininterruptamente, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de dele serem donos.

    8 - Esse prédio confronta do lado nascente com o prédio referido na alínea F) da matéria de facto assente.

    9 - Em 2002, aquando de uma visita ao prédio por parte do legal representante da firma “EE, Lda”, o Réu marido, arrogando-se dono de uma parcela de terreno que dele fazia parte, correspondente a uma faixa horizontal contígua à estrada que o delimita pelo lado sul, impediu aquele de o vedar.

    10 - Há mais de 30 anos que o prédio referido na alínea A) da matéria de facto assente apresenta as confrontações aí indicadas.

    11 - Em Março de 2006, o Réu marido impediu um topógrafo recrutado pelo legal representante da "EE, Lda" de fazer o levantamento do prédio referido em A).

  2. De seguida, e após enunciar as questões que constituíam objecto do recurso de apelação, em que se incluía a impugnação deduzida contra o julgamento da matéria de facto em 1ª instância – suscitou a Relação a questão prévia de ineptidão da petição inicial, já que, na sua óptica, integraria tal nulidade principal a falta de alegação de factos que permitissem a sustentação do direito reivindicado, fazendo-o nos seguintes termos: A causa de pedir é constituída pelo facto ou factos de onde emerge o direito que o A pretende fazer valer. Nas acções reais (como é o caso), a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real. (artº 498º, nº 4 do CPC) Pede-se, na petição inicial, o reconhecimento da posse e do direito de propriedade sobre determinado prédio e ainda a restituição ao A de “toda e qualquer parcela” daquele prédio, nomeadamente “a referida em 27º”.

    No artº 27º da petição inicial “identifica-se” tal “parcela” como “uma faixa horizontal, na parte sul do prédio id. Em 3º, contígua à estrada nacional”. Em nenhum outro local da petição inicial se descreve com um mínimo de rigor tal parcela.

    Entendemos que, pura e simplesmente, não é alegado (de forma minimamente inequívoca / concretizada) o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade que se pretende fazer valer, ou seja, especificamente, o direito de propriedade sobre a referida parcela (imprecisão que, evidentemente, se estende à integralidade do prédio): com efeito, sem a necessária descrição da parcela (desde logo, a respectiva área e contornos concretos), como é possível que o tribunal aprecie com exactidão a sua pretensão e, mais grave, como pode concretizar-se a decisão, se é desconhecido o concreto objecto a executar – em caso de procedência da acção, qual é a parcela que se restitui aos AA? Qual é a sua área? Qual é a sua concreta implantação no local? Entendemos, pois, que a petição inicial é notoriamente inepta. (artº 193º, nº 2, alínea a) do CPC) A ineptidão da petição inicial dá lugar à absolvição da instância, uma vez que, tratando-se de um vício processual que gera a nulidade de todo o processo (artº 193º, nº 1), é-lhe aplicável o disposto nos artigos 288º, nº 1, alínea b) e 494º, alínea b), ambos do CPC. Decidir-se-á em conformidade, ficado prejudicado o conhecimento das demais questões.

  3. Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. revista, a que foi concedido provimento pelo acórdão de fls. 1228 e segs., por se haver considerado, desde logo, que não era possível suscitar oficiosamente , na fase de recurso, a nulidade decorrente da invocada ineptidão da petição inicial, determinando-se a remessa dos autos à Relação para apreciação das questões suscitadas pelo recorrente no âmbito da apelação interposta.

    Por outro lado, notou-se no referido aresto que a referida nulidade principal supõe que o A. não haja definido factualmente o núcleo essencial da causa de pedir invocada como base da pretensão que formula, obstando tal deficiência a que a acção tenha um objecto inteligível: ora, a mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omite a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial) não gera o vício de ineptidão, apenas podendo implicar a improcedência, no plano do mérito, se o A. não tiver aproveitado as oportunidade de que beneficia para fazer adquirir processualmente os factos substantivamente relevantes, complementares ou concretizadores dos alegados, que originariamente não curou de densificar em termos bastantes.

  4. Remetidos os autos à Relação, julgou esta improcedente a impugnação...

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