Acórdão nº 136/14.0TBNZR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução10 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

R-548[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA Lda., intentou, em 27.4.2014, no Tribunal Judicial da Comarca da Nazaré, agora Comarca de Leiria, Leiria – Inst. Central – Secção Cível – J4, acção declarativa de condenação, contra: Estado Português Pedindo a condenação deste a pagar-lhe, a título de indemnização, o montante de € 1.882.524,81, acrescido de juros de mora.

Para tanto, alegou, em suma: - em 23.12.2011, BB e mulher CC instauraram um procedimento cautelar de arresto contra DD, EE, a aqui Autora (AA Lda.) e FF, S.A.

- nesse procedimento, os aí requerentes alegaram, além do mais, que: - os requeridos DD e EE arquitectaram um plano para não liquidar as obrigações que haviam assumido perante aqueles; - a sociedade aqui Autora havia sido constituída, em 4.06.2004, com dinheiro dos requerentes e dos referidos DD e EE, mas apenas em nome do filho destes, GG, único sócio e gerente da ora Autora, para que aquele DD pudesse prosseguir a actividade de compra, construção e venda de imóveis, a qual sempre foi desenvolvida apenas por este, servindo o nome do seu mencionado filho (unicamente) para esse efeito; - o mesmo sucedeu com a constituição da requerida FF S.A, da qual também o referido GG era administrador único, que foi criada apenas para transferir o património dos requeridos DD e EE para a sua titularidade, para se furtarem ao pagamento aos credores; - concluíram, depois de invocarem a figura da desconsideração da personalidade jurídica relativamente à aqui Autora e à requerida FF S.A, pedindo o arresto sobre vários imóveis; - dessa actuação processual resultou o registo do procedimento cautelar em todos os imóveis pertencentes às demandadas, incluindo a ora Autora, e com ela os requerentes visavam prejudicar as mesmas e forçar os requeridos singulares a submeter-se à sua vontade, por se tratar de empresas (somente) do filho dos requeridos, tendo pressionado, deliberada e consciente, a paralisação da aqui Autora; - esse comportamento dos requerentes, com base em manipulação de factos, acabou por frutificar e cumprir esse seu fito primordial, contando com a inesperada complacência do Tribunal, face à decisão que, sem audiência dos requeridos, veio a proferir decretando o arresto nos moldes peticionados, que, no que à Autora respeita, incidiu sobre todo o seu património; - essa decisão ficou afectada de erro judiciário, em consequência do qual a Autora sofreu os prejuízos cuja reparação pretende nesta acção – resultantes directamente da perda do negócio, cessação dos contratos de trabalho e verbas despendidas com a manutenção dos imóveis (…) –, porque, para além de incorrer em excesso de arresto, considerou, “pelo menos segundo um juízo indiciário de que estamos perante um caso passível de proceder ao levantamento da personalidade jurídica [das requeridas sociedades], na medida em que, designadamente, o contrato-promessa entre 1.ºs requeridos e a 3.ª requerida foi celebrado com o intuito de prejudicar os requerentes, evitando a cobrança do seu crédito, contrato este indiciariamente simulado (arts. 240.º e 289.º, ambos do Código Civil), sendo que as 2.ª e 3.ª requeridas indiciariamente foram utilizadas com esse objectivo.”; - porém, no âmbito do recurso que a Autora interpôs dessa decisão, a Relação revogou-a e, consequentemente, ordenou o levantamento do arresto na parte incidente sobre os imóveis da Autora (recorrente), por ter ponderado: “ (…) só é possível equacionar e operar a desconsideração ou levantamento da personalidade jurídica de sociedade comercial no confronto com membro(s) desta – notadamente sócio(s) – (…). E assim sendo, como é, inviável se apresenta efectuar a desconsideração [invertida] da personalidade jurídica da Recorrente “AA” para, mediante essa – como dito – excepcional medida, fazer responder o seu património pelas dívidas passivas de tais Requeridos, (…) daí que não sendo a Recorrente…devedora dos Requerentes, motivo algum existia ou existe … para que os seus bens sejam objecto do vertente arresto que, desse modo, não se pode manter, antes se impondo prover ao respectivo levantamento.”.

O Réu Estado contestou, defendendo que não se retiram dos fundamentos aduzidos pela Autora, nem dos termos do processo, o invocado erro grosseiro e evidente da decisão, de modo a poder reputá-la de ilícita, injusta ou indefensável, ao que acresce, quanto ao alegado excesso no arresto, que tal erro não foi previamente reconhecido pelo tribunal de recurso, o que constituiria uma condição da acção.

O Réu também sustentou que os eventuais prejuízos que a Autora pretende ver ressarcidos resultaram, quando muito, da conduta dos requerentes da providência, não podendo ter ocorrido em virtude da decisão judicial do tribunal.

*** No despacho saneador-sentença, foi julgado improcedente o pedido da Autora, por se entender não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil por erro judiciário, tendo sido absolvido o Réu.

*** Inconformada, a Autora recorreu, para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por Acórdão de 3.11.2015 – fls. 1311 a 1327 verso –, negou provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido.

*** Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista excepcional, para este Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido pelo Acórdão da Formação a que alude o nº3 do art. 672º do Código de Processo Civil e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. Reportam-se as presentes Alegações ao Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que, no processo à margem identificado, julgou improcedente o Recurso interposto, mantendo, por essa via, a decisão recorrida.

2. Muito embora a impoluta procedência do peticionado (também neste seu segmento) se deva já considerar pacífica na Doutrina e na Jurisprudência, apesar de não unânime, como se verá, uma vez que os arestos que vêm sendo produzidos pelos mais altos Tribunais permitiram consolidar uma posição hermenêutica que o sustenta, o Tribunal negou a pretensão da Autora/Recorrente, perfilhando uma interpretação e aplicação da Lei que não respeita a densidade normativa daquele produto Jurisprudencial e que, ao contrário, retrocede a leituras desatualizadas e manifestamente contra legem, salvo melhor e Douta Opinião.

3. Assim, cuida o presente Recurso, em Matéria de Direito, da alteração da decisão plasmada no Acórdão recorrido que, fazendo uma errónea aplicação da Lei e dos Princípios Normativos que a enformam, julgou inverificada a existência de erro judiciário, manifesto e revelador do desconhecimento do direito.

4. Como veremos, a sentença do Tribunal “a quo” proferida pelos M.mos Desembargadores (cuja pessoa nunca fica em causa nas presentes Alegações, mas apenas e tão-somente a decisão) não tem qualquer fundamento atendível e computando-se a uma ilegalidade, deixando a Recorrente submersa numa patente impossibilidade de ver realizada Justiça.

5. Resulta da conjugação dos arts. 671.º, nº3, e 672.°, ambos do (n)Código de Processo Civil supra transcritos que o Recurso de Revista Excepcional das decisões pronunciadas pela Relação, efectivamente opera apenas excecionalmente, o que deixa adivinhar, que a sua admissão terá que ter na sua génese uma de três situações: i) ou se trata da apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; ii) e/ou se estão em causa interesses de particular relevância social; iii) ou o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, pro ferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido pro ferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

6. Interpretando estas normas, tem o Supremo Tribunal de Justiça sublinhado, em jurisprudência constante, que estamos perante um recurso de revista, na sequência de prolação pelo Tribunal da Relação de Acórdão unânime confirmativo da decisão de 1ª Instância, somente admissível no caso de se verificar algum dos pressupostos previstos nas als. a), b) e c) do n.°1 do art. 672.° do (n)Código de Processo Civil e igualmente somente admissível nos casos em que o Recurso de Revista o seja, designadamente no que concerne ao valor e/ou sucumbência, não fosse a regra da dupla conforme.

7. Deste modo, precisamente para que não se transforme um regime excepcional num regime regra, contrariando a estabelecida dupla conforme e a motivação subjacente à adopção dessa nova regra, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, neste domínio da revista excepcional, só se justificará em matérias de maior importância. De resto, tem sido assim que a Jurisprudência pacificada do Venerando Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a interpretar as disposições conjugadas dos agora n.°3 do art.° 671.º e 672.° do (n)Código de Processo Civil.

8. A dupla conformidade é, então, pressuposto da competência daquele Colectivo do Supremo Tribunal de Justiça, sendo que indemonstrada não se passará à fase seguinte (verificação dos requisitos do n.°1 do artigo 672.° para, na afirmativa, admitir a revista como excepcional).

9. Tem vindo a ser entendido, inclusive ainda no domínio da anterior redacção do Código de Processo Civil, que dentro dos recursos ordinários para o Supremo Tribunal de Justiça, se encontram a revista-regra (ou normal) da previsão do n.°1 do artigo 671.º, a revista extraordinária, que surge nos casos elencados no n.°2 do artigo 629.° e a revista excepcional nos termos acima referidos (estar a montante uma situação de dupla conformidade como única causa de não admissão da revista regra mas, não obstante, tratar-se de questão com muita relevância social ou o aresto recorrido contender com outro (definitivo) da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça (no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito) salvo se conforme com jurisprudência uniformizada.

10. Porém...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
7 temas prácticos
6 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT