Acórdão nº 1929/13.1TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução10 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório.

A demandante, “AA, Lda.”, intentou acção com processo ordinário, contra “EDP – Serviço Universal, S.A.”, pedindo que fosse reconhecida e declarada a “inexistência ou subsistência de qualquer direito da ré em reclamar da autora o pagamento do valor da factura referida em 8.º e, consequentemente, de suspender ou interromper o fornecimento de energia eléctrica à autora.” Para o pedido que formula alinha a factualidade que, em síntese apertada, ressuma: - No exercício da sua actividade de indústria de panificação, a demandante explora, no edifico onde labora a panificação, um estabelecimento de padaria, pastelaria e salão de chá; - A demandante contratou com a demandada o fornecimento de energia eléctrica, tendo-lhe sido remetida em 30/05/2013, a factura como o nº …145, datada de 29/05/2013, no valor de trinta e dois mil setecentos e trinta e quatro mil e oitenta e um cêntimos (€ 32.734,81), relativa aos consumos de energia eléctrica entre 11/07/2008 e 23/07/2012; - Por carta a demandante reclamou o não consumo dos factores ineridos na factura e que todos os fornecidos que haviam sido prestados haviam sido liquidados, devendo considerar-se prescritos ou caducados os direitos ao recebimento de quaisquer outras importâncias; - Após troca de correspondência – cfr. artigos 9º a 16º e docs. de fls. 13 vº a 22 – que não terá merecido resposta da demandada; - A demandante nega que a demandada tenha realizado qualquer inspecção, vistoria ou auditoria técnica aos equipamentos de contagem, ou a ter havido não terá sido efectivada ante a presença de representante da demandante; - acresce que a demandante não foi informada de qualquer resultado de inspecções, vistorias e desconhece a existência de quaisquer autos ou relatórios, só tendo tido conhecimento de um “Auto de Vistoria do Ponto de Medição”, em 5/07/2013, sem que, contudo, nunca lhe tenha sido entregue ou remetido o referido auto; - Impugna o referido auto – cuja anotações especifica de artigos 22º a 27º - apenas discrepando no campo das “Observações”, em que anota anomalias – cfr. artigo 29º - que contrasta com as demais indicações do auto (onde se estampa a não existência de referências anómalas), por referência a “manipulação dos equipamentos de medição”; - A demandante não foi informada do direito que lhe caberia de reclamar - requer a vistoria da Direcção Geral de Energia e Geologia – sendo que, entretanto já tinha diligenciado pela realização da mencionada vistoria – cfr. artigos 36º a 38º; - Impugna a correcção dos valores facturados – cfr. artigos 39º a 48º - após o que descreve a colocação do equipamento de medição – exposição em local de acesso ao público, com possibilidade de manipulação de pessoas estranhas à autora e respectivos funcionários, sendo que a desselagem do equipamento poderia ter ocorrido poa acção dos próprios funcionários da demandada.

A demandada depois de ter introduzido a questão prévia de alteração da designação da empresa que procede à distribuição da energia, por imperativo da legislação publicada em 2006 (Decreto-lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro), passou à impugnação dos factos alinhados pela demandante – cfr. artigos 11 a 67, nomeadamente, que: - A demandada, no âmbito de uma iniciativa de instalação de novos equipamentos de medição que permitissem a recolha de leituras através de sistema de telecontagem, agendou a deslocação de uma equipa técnica, ao local onde funciona o estabelecimento da demandante, para 9/01/2012; - A equipa constatou que teria existido manipulação do equipamento de medição, ou seja objecto de procedimento fraudulento – “(…) a tampa exterior aos componentes estava desselada e que duas intensidades na placa de bornes estavam invertidas (intensidades S e T) (…) conforme auto que foi levantado no dia 09/01/12 por outra empresa os condutores dessas intensidades estavam cortadas”; - A vistoria foi efectuada perante a Senhora BB, na qualidade de “cliente” ou “seu representante que acompanhou os trabalhos”, que assinou o auto tendo ficado com duplicado; - O apuramento dos valores foi efectuado com as regras definidas, pelo RRC, para o sector eléctrico e pelo Decreto-lei nº 328/90, de 22 de Outubro – cfr. artigos 32 a 37, tendo a factura sido enviada para o cliente, com o valor apurado, em 29/05/2013, bem como o cálculo discriminativo, e que respeitava ao consumo efectuado entre 11/07/2008 e 23/07/2012.

Replicou a demandante – cfr. fls. 311 a 318 – em que reiterou, basilarmente, o já afirmado na petição inicial. Após audiência de julgamento – fls. 358 a 362 – foi prolatada decisão em que se julgou “a acção parcialmente procedente e declara-se que a ré não tem o direito de suspender ou interromper o fornecimento de energia eléctrica com fundamento no não pagamento da factura mencionada no artigo oitavo da petição inicial.” Da apelação interposta resultou a sequente decisão: “(…) delibera-se julgar procedente a Apelação e, revogando-se a sentença recorrida, e julga-se a acção totalmente procedente e consequentemente declara-se a inexistência do direito da Ré em reclamar da Autora o pagamento do valor da factura referida em 8.º e, consequentemente, de suspender ou interromper o fornecimento de energia eléctrica à autora.” Interposto recurso (de revista) pela demandada, dessumiram os sequentes sumários conclusivos. I.a). – QUADRO CONCLUSIVO.

“1. A Recorrida intentou acção declarativa contra a aqui Recorrente, pedindo, em suma, que fosse reconhecida e declarada: a) a inexistência ou subsistência de qualquer direito da Recorrente em reclamar da Recorrida o pagamento da factura n.º …145, no valor de € 32.734,81 (trinta e dois mil, setecentos e trinta e quatro euros e oitenta e um cêntimos); b) a inexistência ou subsistência de qualquer direito da Recorrente do direito de suspender ou interromper o fornecimento de energia eléctrica.

2. Em sede de contestação a Recorrente defendeu ter direito ao ressarcimento pelo valor do consumo de energia do qual a Recorrida irregularmente beneficiou, nos termos na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 328/90.

3. O direito da Recorrente foi devidamente reconhecido pelo Tribunal de 1.ª instância, quanto ao direito ao pagamento dos consumos irregulares, por ter resultado "(...) demonstrada que houve uma viciação dos aparelhos de medida dos consumos eléctricos (...)".

4. Contudo, decidiu o Tribunal da Relação não poder "dar-se como provada a alegada manipulação ou fraude nos equipamentos eléctricos (...)" alegando, em síntese que: "I. não se demonstra que a Autora tenha sido cabalmente informada do que foi efectivamente constatado na vistoria, não lhe foi entregue cópia do auto de vistoria, nem foi informada do direito que lhe assistia de requerer vistoria à Direcção Geral de Energia e Geologia no caso de não concordar com as conclusões da alegada inspecção feita pelo fornecedor de energia eléctrica (...).

Toda esta conduta fez com que a Autora não tenha tido a possibilidade de exercer a defesa que a lei lhe permite, inviabilizando-se, por isso, uma prova segura e credível daquilo que a Ré alega.

II -Não temos dúvidas que a actuação da Ré configura aquilo que se prescreve no artigo 344º, nº 2 do C. Civil: " Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo manda especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações".

Deste modo, não pode dar-se como provada a alegada manipulação ou fraude nos equipamentos eléctricos em causa e tudo o que daí decorre." 5. Inconformada com o acórdão proferido, que revogou totalmente a decisão recorrida, vem a Recorrente apresentar recurso do mesmo, por entender, essencialmente, que existe erro na aplicação e interpretação do disposto no Decreto-lei 328/90 de 22 de Outubro de 1990 à matéria de facto dada por provada, especialmente no que respeita ao direito de ressarcimento que assiste à Recorrente nos casos em que se verifica um procedimento fraudulento.

6. Resultou provado para o Tribunal de 1ª Instância, decorrente do teor do auto de vistoria junto como documento probatório e da restante prova testemunhal, que os técnicos da EDP Distribuição, após a inspecção feita ao contador da Recorrida, verificaram que a tampa exterior estava desselada e duas das três fases (ou intensidades) estavam invertidas.

7. Resultou igualmente provado que em consequência da inversão das duas fases de ligação ao contador, a energia efectivamente consumida na instalação da Recorrida não era registada nem facturada pela Recorrente! 8. Por último, resultou provado que, após o preenchimento do auto de vistoria ao contador, no qual foram inscritos os factos relacionados com as irregularidades detectadas, o mesmo foi assinado pelos técnicos da EDP Distribuição e pela Sr.ª BB, familiar directa dos sócios gerentes da Recorrida, isto é, mãe de um dos sócios e mulher do outro, para além de se ter identificado como pessoa responsável pelo estabelecimento no momento da vistoria ao contador.

9. Registada a anomalia e corrigida, impunha-se a contabilização da energia que havia sido consumida e não paga pela Recorrida, nos termos da lei em vigor, tendo sido emitida e enviada em Maio de 2013 a factura n.º …145, no valor de € 32.734,81 (trinta e dois mil, setecentos e trinta e quatro euros e oitenta e um cêntimos), para que a Recorrida procedesse ao seu pagamento.

10. Cumpre salientar, de acordo com a matéria que resultou provada e não provada, que em nenhum momento entre a realização da vistoria e a emissão da aludida factura, a Recorrida alguma vez tenha reclamado junto da Recorrente, quer do auto de vistoria quer do respectivo resultado, apesar de devidamente informada e ter inclusivamente presenciado da realização de todos os trabalhos e assinado o auto.

11. 0u seja, durante sensivelmente dez meses, a Recorrida conformou-se com o facto de ter sido detectada e reparada uma anomalia do contador da sua instalação, não contestou...

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