Acórdão nº 27/14.5TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelSILVA SALAZAR
Data da Resolução03 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No Tribunal da Comarca do Porto, Porto – Inst. Central - 1ª Secção Cível - J1, AA, S.A., instaurou em 10 de Janeiro de 2014 a presente acção declarativa de processo comum contra o réu BB, S.A. – Sociedade Aberta, alegando que um contrato celebrado entre ambos em 06/10/2008, reestruturado em 25/03/2010, comercializado pelo réu sob a denominação de “swap” (na modalidade de permuta de taxa de juros), não é um verdadeiro contrato de swap, ou de permuta, de taxa de juros, mas sim um contrato especulativo, que não visa a cobertura de risco nem é derivado de uma qualquer realidade primária, redundando numa total abstração que o degrada em mera aposta e que o esvazia de objecto, sendo por isso nulo (artigos 1285º e 280º do Código Civil).

De facto, os pagamentos recíprocos trimestrais fixados no contrato tiveram em conta um “montante nocional” de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), valor que não está associado a quaisquer financiamentos ou obrigações que a Autora tivesse perante o Réu, não estando associado a qualquer realidade económico-financeira, a qualquer exposição ou contingência financeira da Autora, inexistindo qualquer derivação ou cobertura de risco.

Por força da execução financeira do mencionado contrato, e já considerando a compensação de créditos e débitos em cada trimestre, o Réu pagou à Autora a quantia de € 3.099,89 e a Autora pagou ao Réu à quantia de € 58.386,53, pelo que o saldo é de € 55.286,64 a favor do Réu, montante que a Autora pretende que lhe seja restituído, por aplicação do disposto no art.º 289º do Código Civil.

Conclui pedindo que se julgue a acção procedente e, em consequência, que seja declarado nulo o contrato celebrado entre ambos em 6 de Outubro de 2008 (relativo a um produto financeiro que o Réu comercializava sob a denominação de swap, na modalidade de permuta de taxa de juros), contrato que foi reestruturado em 25 de Março de 2010, com as legais consequências, nomeadamente, a restituição à Autora do valor global resultante da diferença entre os créditos e os débitos relativos à sua execução, no montante de € 55.286,64, acrescido de juros legais até efetivo e integral pagamento.

Citado, o Réu apresentou contestação, invocando, em síntese, que o contrato celebrado não é meramente especulativo, uma vez que o valor nocional fixado não é um valor abstrato, mas sim um valor resultante da vontade da Autora em reduzir a sua exposição ao risco de subida da taxa de juro para uma parte da sua dívida remunerada (superior a € 1.000.000,00).

De facto, a celebração do contrato teve como ativo subjacente um conjunto de financiamentos da Autora, contratados junto de outros Bancos, indexados à Euribor 3 Meses, que totalizavam um valor claramente superior a € 1.000.000,00, quer no momento da contratação, quer durante toda a vida do contrato, facto que foi aliás debatido nos vários contactos/reuniões que tiveram lugar, entre os representantes da Autora e do Réu, em datas anteriores à celebração do contrato (e sua reestruturação), tendo igualmente o Réu dado cumprimento às obrigações de informação ao cliente, legalmente previstas.

Por fim, o Réu invocou a existência de abuso de direito por parte da Autora, na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que vem agora invocar vícios contra uma realidade (operação de swap) que foi conscientemente negociada, contratada e efetivada em Outubro de 2008 e renegociada e reconfirmada em Março de 2010, que se manteve em execução durante mais de 3 anos e que terminou em 08/01/2012.

Concluiu no sentido da total improcedência da ação e sua consequente absolvição do pedido.

A Autora respondeu à matéria de excepção reiterando os fundamentos e factos plasmados na petição inicial, reafirmando que a causa de pedir dos presentes autos nunca se colocou ao nível da omissão do dever de informação ou de incumprimento contratual do Réu, mas sim ao nível do caráter abstrato e meramente especulativo do contrato dos autos, o que não é afastado pelo facto de a Autora deter responsabilidades financeiras, maioritariamente até noutras instituições bancárias, como alega o Réu.

O processo prosseguiu termos, e foi elaborado despacho saneador - sentença, datado de 24/03/2015, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o réu BB, S.A., do pedido.

Apelou a Autora, tendo a Relação, em 28/10/2015, proferido acórdão que julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença ali recorrida.

Do acórdão que assim decidiu interpôs a autora a presente revista excecional, - oportunamente admitida pela formação competente -, apresentando alegações que terminou com as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto ao abrigo das alíneas a) e c) do artigo 672° desse Código, rogando-se a sua admissão como revista excepcional.

2. A questão jurídica com solução jurisprudencialmente controvertida que justifica a admissibilidade da presente revista excepcional, subsume-se a saber se, nos termos do que foi considerado pelo Acórdão recorrido «nada impede que os contratos de swap, como o presente (....) tenham como único propósito a «especulação sobre a taxa de juro».

3. Trata-se, como sustenta o próprio Acórdão recorrido, de uma questão que tem dado azo a decisões jurisprudenciais díspares, salientando-se as posições acolhidas pelos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no processo 531/11.7TVLSB (acórdão fundamento) e no processo 309/11.8TVLSB.L1.S1 como, de resto, se reconhece no Acórdão recorrido, sendo que, na primeira, foi considerada nulo o contrato "meramente especulativo", mormente por violação da ordem pública, enquanto que no segundo se professou a posição acolhida na decisão ora em crise.

4. A solução legal pela qual ora se propugna é a decidida neste Acórdão tirado no processo 531/11.7TVLSB.L1.S1, de 29/01/2015 e que frontalmente colide com o decidido pelo Tribunal a quo.

5. Paralelamente a revista deverá ser admitida também porque a realidade jurídica normativa em causa encerra uma dificuldade e complexidade normativa cujo estudo e reflexão, por se tratar de questão nova e pouco tratada na doutrina e na jurisprudência cumpre o requisito da alínea a) do artigo 672° do CPC.

6. Ao contrário do que entende o Acórdão recorrido, a conclusão pela autonomia do contrato de swap, que é sinalizada pela doutrina, bem como a referência a valor nocionais hipotéticos, não significa que o ordenamento jurídico permita a celebração de contratos de swap com objectivos puramente especulativos, como é o caso dos autos.

7. Com efeito, a referência a um capital nocional hipotético é correta apenas e na medida em que, no âmbito e por força de um contrato de swap, nomeadamente de taxa de juros, não existe troca dessa cifra, i.e., não há que confundir autonomia com abstracção.

8. Ou seja, ainda que se reconheça, como se reconhece, a natureza jurídica autónoma do contrato de swap em face do que lhe é subjacente, não se admite outra conclusão relativamente à abstração (no sentido em que pode não existir tal subjacente) que não seja a de que o contrato visa, unicamente, a pura e dura especulação, que é proibida e sancionada com nulidade nos termos que propugnamos.

9. Quanto à especulação enquanto objecto do contrato de swap é pacífico que a mesma sempre existirá, desde logo porque na gestão de risco há sempre especulação, pois que se prevê uma evolução incerta e toma-se a decisão com base nessa projeção com o objetivo de obter ganhos ou reduzir perdas.

Coisa distinta, porém, é a exposição consciente e deliberada às incertezas do mercado, com a intenção de adquirir um benefício económico sem que exista qualquer background.

10. Só é lícita a especulação conquanto que exista cobertura de risco e ambas sejam "simétricas" uma da outra. Ou, como sumariou o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão de 15/09/2015, o "swap de taxa de juros é um contrato aleatório, no qual a finalidade do cliente é cobrir o risco de flutuação das taxas de juro e a finalidade do Banco é especulativa." 11. A especulação pura é associada à contratação de swaps sem que exista uma posição creditícia cujo risco se pretenda cobrir, antes se operando num vácuo financeiro - nesses casos, como é o dos autos, o valor nocional não corresponderá a uma posição financeira suscetível de ser influenciada por flutuações do mercado como uma taxa de juro, mas sim uma cifra abstracta com a qual as partes decidiram jogar sem outro objetivo que não a pura especulação.

12. Como se lê na decisão recorrida, "nada permite concluir que exista qualquer relação, seja direta ou indireta, entre o contrato dos autos e os financiamentos contraídos pela autora".

13. Daí que se tem por adquirido que o contrato de swap dos autos foi celebrado sem qualquer objetivo de gestão de risco, totalmente desassociado...

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