Acórdão nº 721/12.5TCFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução31 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO “Condomínio do Edifício AA” intentou ação contra “BB – Construção Civil e Obras Públicas, SA” e “CC, SA”, pedindo a condenação solidária das rés na reparação de todas as anomalias existentes no Edifício AA, discriminadas no artigo 13.º da petição inicial, como melhor consta do relatório elaborado por um engenheiro civil.

Alegou, em síntese, que esses defeitos são originários do próprio imóvel e, no momento da compra e venda, encontravam-se ocultos e impercetíveis. Daquele relatório constam as recomendações com vista a uma correta reparação dos defeitos. As rés aceitam a existência dos defeitos, mas nunca os corrigiram.

As rés contestaram e invocaram, além do mais e em síntese, a exceção perentória de caducidade, alegando que toda e qualquer anomalia teria que ter sido comunicada até ao dia 26 de Junho de 2012, data em que se completam os cinco anos desde a entrega do prédio. Apenas com a citação para os presentes autos, ocorrida em 07.11.2012, tiveram conhecimento da existência dos alegados defeitos no prédio.

Pugnam pela improcedência da ação, pedindo a absolvição do pedido.

O autor replicou, argumentado, além do mais, que no âmbito das reuniões que se realizaram em Dezembro de 2011 e no ano de 2012, as rés reconheceram a existência dos defeitos denunciados e afirmaram pretender proceder à correção dos mesmos.

Termina, pedindo a improcedência da exceção.

As rés treplicaram dizendo que o condomínio foi constituído a 12.07.2007, data em que foi constituída a propriedade horizontal. Mais alegam que a primeira assembleia de condóminos teve lugar no 30.07.2007, constituindo a ata nº 1.

Concluem como na contestação.

Foi proferida sentença que julgou verificada a exceção de caducidade do direito do autor e absolveu as rés do pedido.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu o autor, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença recorrida.

Novamente inconformado, interpõe o autor recurso de revista, que foi admitido como excecional, pela formação a que se refere o art. 672.º, n.º 3 do CPC.

Na sua alegação de recurso, formula as seguintes conclusões: «1 – O douto acórdão da Relação confirmou a decisão da primeira instância, embora com base numa fundamentação essencialmente diferente.

2 – Assim, depois de uma exposição quanto às possíveis orientações para a determinação do início da contagem do prazo de caducidade refere que “a sentença de 1ª instância aderiu à terceira orientação…”, referindo depois que “da nossa banda, cremos que a última orientação é a mais razoável…” 3 – Discorre ainda: “Em consequência do que ficou dito, concluindo de forma diferente da douta sentença recorrida, diremos que o início do prazo de caducidade de 5 anos a que se refere o artº 1225º nº 1 do Código Civil ocorreu a 30 de Julho de 2007 e ainda que, no dia 24 de Outubro de 2012, data da propositura da acção, qualquer direito à eliminação dos defeitos no prédio denominado “Edifício AA”, já havia caducado, mas precisamente a 30 de Julho de 2012”.

4 – E em conclusão, remata: “O prazo de caducidade estabelecido no artº 1225º nº 1 do Código Civil, relativamente à reclamação de defeitos verificados nas partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal inicia-se com a reunião da 1ª assembleia de condóminos e a nomeação de administrador”.

5 – Terminando com a seguinte decisão: “Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, embora pelas razões que acabaram de serem expostas”.

6 – De facto, diversamente, em sede de 1.ª instância, apesar do tribunal ter decidido pela caducidade dos direitos do Condomínio, fê-lo tendo por referência a contagem do prazo de 5 anos de garantia a partir da entrega da maioria das fracções autónomas aos condóminos adquirentes.

7 – Já o Tribunal da Relação entendeu ser de acolher a orientação que determina o início da contagem do prazo de 5 anos “com a transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador”.

8 – O ora recorrente concorda com esta acepção, não concordando, no entanto, com a aplicação que foi feita para a contagem do prazo, nomeadamente a determinação do conceito de constituição de condomínio (a referida transmissão de poderes da administração das partes comuns para os condóminos…) e respectiva aplicação nem com a restrição de que a denúncia teria, necessariamente, de ocorrer dentro do aludido prazo de 5 anos.

9 – (Má) aplicação, esse, que redundou na procedência da excepção da caducidade invocada pelas Rés.

10 – No caso ora em análise o recorrente entende que a noção de constituição de condomínio corresponde à entrega das zonas comuns do prédio por parte do vendedor a uma organização dotada de órgãos próprios, independentes e autónomos relativamente a ele.

11 – Sufragando, por completo, a posição defendida por Cura Mariano e melhor discriminada no texto das alegações, bem como toda a jurisprudência citada.

12 – Ora entende, por isso e nomeadamente face à matéria dada como provada sob as alíneas alíneas R, S,T,U,V e W que, no caso em apreço, tal só sucedeu com a eleição da sociedade DD – gestão de Condomínios, Lda, em 29 de agosto de 2011.

13 – Isto porque, antes disso, tendo em conta que os conselhos de administração das sociedades recorridas eram constituídos exactamente pelas mesmas pessoas do que os sócios gerentes da sociedade FF, eleita em 30 de Julho de 2007, não existiu qualquer autonomia nem distanciamento das sociedades construtora e vendedora, ora recorridas.

14 - Se assim se entender, isto é, que o prazo do início da garantia só se iniciou em 29 de Agosto de 2011 – porque só aí passou a existir uma estrutura independente da construtora e vendedora -, o conhecimento, a denúncia e o intentar da acção/citação das rés ocorreram dentro do prazo de 5 anos.

15 – Não se verificando qualquer dúvida quanto à não procedência da caducidade dos direitos do Condomínio.

16 – Ainda que assim não se entenda, o que apenas se admite a título de mero exercício académico, sempre se dirá que, da mesma forma, não se verifica qualquer caducidade.

17 – De facto, ainda que se tenha como ponto de partida a data de 30 de Julho de 2007, como sendo a da constituição do condomínio, sempre o conhecimento dos defeitos, em Dezembro de 2011, terá ocorrido dentro do aludido prazo de 5 anos.

18 – O prazo de 5 ano apenas releva para o conhecimento dos defeitos.

19 – A partir desse conhecimento acresce o prazo de um ano para a sua denúncia.

20 – Porque os prazos em causa são independentes entre si.

21 – Assim, no caso concreto, deverá contar-se, a partir de Dezembro de 2011, o prazo de 1 ano para a denúncia, tendo as rés, nesse âmbito, sido citadas do intentar da presente acção em 7 de Novembro de 2012.

22 – Mostrando-se, por isso, cumpridos todos os prazos.

23 – A denúncia de defeitos deverá considerar-se concretizada com o intentar da acção judicial, em particular, com a respectiva citação.

24 – No entendimento do recorrente, face à prova existente no processo, em particular o registo predial de todas as fracções junto por requerimento datado de 25/6/2014 e, por isso, à factualidade considerada como provada, matéria em análise é aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio – artigos 1ºA, 5º, nº 1 e 5º A, nº 2 – porque os proprietários das fracções pertencentes ao imóvel em causa são, na sua esmagadora maioria, consumidores e, caso assim não se entenda, sempre sem conceder, o disposto nos artigos 1225.º e 916.º do Código Civil.

25 – Conforme se expôs, no caso do tribunal entender que se verifica a dupla conforme, sempre o presente recurso, em alternativa, deverá ser considerado excepcional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil.

26 – Da matéria já exposta, resulta, facilmente, a sua relevância jurídica, cuja nova apreciação se torna indispensável para uma melhor aplicação do direito.

27 – A caducidade do prazo de garantia, em especial a exacta determinação do seu início e as matérias nele contempladas – (se se aplica apenas ao conhecimento dos defeitos ou se à respectiva denúncia e intentar de acção judicial) implicam uma necessária clarificação para uma melhor aplicação do direito.

28 – Na verdade, o caso em apreço é, simultaneamente, paradigmático e de enorme relevância social na medida em que, no presente, a sociedade portuguesa vive um período de ressaca pós construção e vendas massificadas e desenfreadas de fracções pertencentes a prédios em propriedade horizontal, com os inerentes problemas da falta de qualidade/adequação dos materiais e deficiência na execução que, depois, se vêm a revelar.

29 – Estando, por isso, em causa, entre outros, os princípios da segurança jurídica e da confiança dos consumidores.

30 – Por fim, há a referir que, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, há a preservar um tratamento igualitário entre casos análogos.

31 – E, nessa decorrência, é de assinalar que o Acórdão da Relação de que ora se recorre se encontra em contradição com outro, já transitado em julgado, do Supremo Tribunal de Justiça – o Acórdão de 14/1/2014, Proc. n.º 378/07.5TBLNH.L1.S1 – no domínio da mesma legislação e questão fundamental de direito, em particular a questão de que o prazo dos 5 anos de garantia apenas releva para o conhecimento dos defeitos, que à denúncia de defeitos se aplica o prazo de um ano a contar do referido conhecimento (constituindo, por isso, um prazo autónomo), e, ainda, que a citação da construtora e vendedora no âmbito de acção judicial para correcção de defeitos se equipara, também, à denúncia dos defeitos, desde que efectivada no prazo de um ano após o seu conhecimento.

32 – Face ao exposto, o tribunal da relação fez...

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