Acórdão nº 2470/08.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução12 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, Lda, intentou acção contra BB – Sociedade Industrial de refigerantes, S.A.

, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 871.414,99, acrescida de juros à taxa legal vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento, como indemnização pela cessação ilegal de um contrato de distribuição de produtos celebrado entre as partes. Invocou ainda o direito a receber a quantia de € 7.778,67, correspondente ao saldo da conta-corrente mantida até à cessação do contrato.

A R. contestou, impugnando o alegado direito de indemnização, e, em reconvenção, pedindo que a A. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de €806.781,35, acrescida dos juros que se vencerem até integral pagamento, e a abster-se de usar, de imediato, quaisquer sinais distintivos quer da R., quer das marcas The Coca-Cola Company, com fundamento na falta de pagamento da mercadoria fornecida (no valor de € 52.209,21) e como indemnização pela utilização abusiva dos sinais distintivos das referidas marcas.

Por sentença de fls. 1433, foram a acção e a reconvenção julgadas parcialmente procedentes, condenando-se a R. a pagar à A., a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da resolução ilícita do contrato e a título de indemnização de clientela, em quantia a liquidar ulteriormente, e a A. a pagar à R. a quantia de € 52 209,21, acrescida de juros, à taxa legal fixada para as dívidas de que são titulares sociedades comerciais, e a abster-se de usar nas facturas e viaturas sinais distintivos das marcas comercializadas pela R.

Inconformadas, a A. e a R. recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa. Por acórdão de fls. 1596, foram a apelação da A. e a apelação da R. julgadas parcialmente procedentes, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia de € 161.832,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal dos juros comerciais, desde a citação até integral pagamento, a compensar com o crédito que lhe é devido pela A.

  1. A A. recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1. Em jeito de comparação, ou metafórico, dir-se-á que a verba arbitrada pelo Tribunal a quo, de € 80.000,00, significa que após 15 anos de trabalho intenso e de serviço leal, com excelentes resultados, a Recorrente é recompensada com um veículo de gama média alta, mas de baixa cilindrada. Ou um T1, naturalmente usado, numa zona suburbana afectada por graves problemas sociais.

  2. Aliás, verdade seja dita, a indemnização de clientela estipulada pelo douto Acórdão recorrido nem sequer é suficiente para pagar ao funcionário mais antigo da concessão a indemnização de antiguidade a que tem direito (funcionário este que já vem do tempo da firma primitiva).

  3. Em conformidade, e face ao exposto, sempre se perguntará a quantos “direitos à vida” equivale o encerramento de uma empresa em consequência directa e necessária da extinção de um contrato de distribuição, de cuja subsistência dependia a manutenção da empresa e, em consequência, dos vários contratos de trabalho dos funcionários a ela afectos? 4. Os trabalhadores de uma empresa como a Autora (com 22 trabalhadores, diga-se), muitos deles com mais de 20 anos de antiguidade, neste contexto de crise económica, a mais grave de que algum ser vivo tem memória, nunca mais ingressam no mercado de trabalho. São pessoas activas mas laboral e profissionalmente mortas.

  4. Ora, ficou provado que a média anual das margens brutas auferidas pela Autora entre os anos de 2005 a 2007 ascendeu a € 234.169,85 (al. RR’ dos factos assentes, facto provado nº 41).

  5. Pelo que, entende a Recorrente que atentos os factos provados e as particularidades do caso concreto deve ser este o valor a arbitrar a título de compensação pela clientela angariada.

  6. De facto, e como acima se deixou alegado, da manutenção do contrato com a poderosa marca Coca-Cola dependia a subsistência da Autora, nunca é demais recordar. Ora, só a utilização do critério do lucro bruto pode compensar equitativamente a Autora.

  7. Como vem sendo ultimamente defendido, e nas palavras da douta sentença proferida no âmbito do processo nº 622/08.1TVPRT, da 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca do Porto, “a contrapartida a considerar deve ser formada pelo seu valor bruto, isto é, sem dedução de quaisquer despesas ou impostos suportados pelo concessionário”.

  8. Neste sentido importa conferir, a título de exemplo, Menezes Leitão, “A indemnização de clientela no contrato de agência”, p.69; Ferreira Pinto, “Contratos de Distribuição”, Univ. Católica Editora, Lisboa, 2013, p.664; acórdãos do STJ de 04.06.2009 (processo nº99/05.TVLSB) e de 15.05.2012 (processo nº 3170/2009), e acórdão da Relação do Porto de 03.07.2012 (processo nº 330/07.0TBMCD).

  9. Em Portugal, é mister dizê-lo, os Tribunais contam com a tradição persistente de arbitrar escassas e reduzidas indemnizações em sede de litígios emergentes da ruptura de contratos de direito comercial; contanto, o mesmo não sucede noutras áreas como, por exemplo, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e do direito dos seguros, sendo, nestes casos, prática habitual das doutas instâncias o arbitramento de indemnizações comparativamente muitíssimo mais avultadas, ao nível, aliás, da média daquelas concedidas pela generalidade dos Tribunais Europeus.

  10. Como decorrência do fenómeno impar e imparável da globalização, o direito de propriedade já não assume hoje, para as empresas, sobretudo, a importância de outrora. A posição cimeira na hierarquia dos activos de uma sociedade - antes preenchida pelo chamado “activo imobilizado corpóreo” -, é actualmente ocupada pela relevância e qualidade dos contratos que esta tenha em carteira. E a sua importância é tanta que, actualmente, a subsistência da maioria das empresas (micro, pequenas e médias) assenta, a maior parte das vezes, única e exclusivamente na manutenção de um determinado contrato ou de um pequeno conjunto de contratos. No mais, importa não olvidar que a globalização feriu de morte o comércio tradicional, operando-se actualmente a troca de produtos, maxime, no âmbito da distribuição comercial, circunstâncias que exigem, assim, por parte dos Tribunais uma nova e renovada abordagem.

  11. O lucro líquido está talhado para a obrigação de indemnização nos termos gerais.

  12. Se fosse para compensar o agente dos lucros reais que deixou de auferir, então haveria que ter em consideração que após a cessação do contrato o concessionário, ao contrário do agente, continua a ter que suportar os investimentos, rendas, salários, as contribuições para a depauperada segurança social, impostos, seguros, indemnizações, compromissos financeiros etc., pelo que sendo com a retribuição bruta que ele fazia face a todos esses encargos, o seu prejuízo real corresponderia à perda da margem de comercialização bruta que o contrato lhe proporcionava e de cuja manutenção dependia a sua actividade.

  13. De notar que, os concessionários realizam, em regra, investimentos em instalações, recursos humanos, viaturas, equipamentos publicidade, etc.

  14. Ao invés, o agente não suporta os investimentos e os custos de exploração comercial das respectivas marcas que representa, limitando-se a vender em nome e por conta do principal. Por vezes nem sequer emite uma factura relativa à revenda, antes se limita a emitir um recibo de comissões a favor do principal. Justamente por não suportar qualquer risco, os contratos de agência “genuínos”, em que o agente actua em nome e por conta do principal ou fornecedor, não são proibidos pelo art. 101º do TFUE.

  15. Deste modo, por argumento de maioria de razão, faz todo o sentido utilizar a margem de comercialização ou lucro bruto na atribuição de uma indemnização de clientela ao concessionário.

  16. O critério do “lucro líquido”, além de ser manifestamente repelido pela “ratio” da compensação pela clientela angariada, conduz a soluções injustas e desfasadas da realidade.

  17. Por isso é que a jurisprudência recente está a inverter a tendência, seguindo antes o critério da margem de comercialização bruta, posição que é, aliás, de aplaudir e que constitui a única forma, aliás, de introduzir a necessária justiça interna numa relação comercial já de si e durante toda a sua vigência desequilibrada.

  18. Imagine-se uma concessão com muitos anos de duração, por exemplo 15 anos, mas em que os últimos 5 anos a sua exploração foi deficitária. De acordo com o critério do lucro líquido não assistiria ao concessionário qualquer direito ou compensação pela clientela angariada.

  19. Ora, a jurisprudência belga determina a indemnização compensatória dessa concessão deficitária em função do benefício bruto auferido nos dois ou três exercícios anteriores à cessação do contrato.

  20. E em Espanha existe uma tendência generalizada na jurisprudência para conceder o tecto máximo legal da chamada indemnização de clientela, ou seja, o valor correspondente à média bruta anual dos últimos cinco anos.

  21. Neste sentido cumpre, aliás, conferir a Proposta de Lei (“Proposición de Ley de Contratos de Distribución”) que está em curso no ordenamento jurídico espanhol que prevê, entre o mais, o seguinte: “Los Tribunales o los árbitros fijarán el importe de la compensación que ha de recibir el distribuidor cesado, apreciando, según las reglas de la sana crítica, el número y grado de concurrencia de las circunstancias aludidas y las demás que deban tomarse em consideración. La compesación no podrá ser inferior, em ningún caso, del doble del importe medio anual de las remuneraciones percibidas por el distribuidor durante los últimos cinco años o durante todo el período de duración del contrato, si éste fuese inferior.

    A los afectos del párrafo anterior, se entenderá por remuneración las comisiones y margénes brutos obtenidos por el distribuidor en su explotación económica, sin deducir aquellos costes, gastos y expensas correspondientes a su actividade”.

    (cfr. doc. nº1 que segue em anexo) 23. A acrescentar, sempre se diga, que em Portugal só cerca de 30%...

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