Acórdão nº 1118/09.0TBCHV,G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução17 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

O CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS DE AA, por si e em representação da Assembleia de Compartes dos Baldios de AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra ÁGUAS DE BB, SA (actualmente Águas do CC, SA).

Pediu que se declare que o prédio inscrito na matriz predial de … sob o art. …571, identificado no art. 12º da p.i., é baldio e que a parcela onde a ré construiu depósitos de água faz parte integrante de tal prédio, e que se condene a ré a entregar-lhe tal prédio, livre e devoluto, bem como a demolir as obras ali realizadas e a remover os escombros de tal demolição, deixando o dito prédio no seu estado anterior, bem como a abster-se de praticar sobre o mesmo prédio quaisquer actos de posse.

Como fundamento, alegou que o prédio denominado DD, descrito em 12º da p.i., é baldio, tendo, não obstante, a ré nele construído dois depósitos em betão armado, para armazenamento de água, ocupando uma área de 1.600 m2, sem qualquer título válido para tal.

A ré contestou, alegando que a ocupação e construção no terreno em causa, que reconhece, se deveu a acto de Junta de Freguesia de …, a qual lhe cedeu a dita parcela de terreno para realização das obras em causa, inseridas no plano de abastecimento público de água potável, e que tal cedência foi formalizada através de contrato-promessa de cedência de terrenos baldios para instalação e equipamentos de interesse público, acto esse que foi praticado em momento anterior à constituição da Assembleia de Compartes aqui autora, pelo que legalmente válido, pugnando pela improcedência da acção.

A autora replicou.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente nestes termos:

  1. Declaro que o prédio inscrito na matriz predial de … sob o art. …571, identificado em B) dos factos dados como provados nesta decisão, é baldio, e que pertence aos compartes de …; B) Declaro que a parcela onde a ré construiu os depósitos de água referidos em 13) dos factos dados como provados nesta decisão faz parte integrante de tal prédio; C) Absolvo a ré dos demais pedidos contra ela formulados pela autora nos presentes autos. (…) Discordando desta decisão, dela interpuseram recurso o autor e a ré, tendo a Relação decidido: Por isso e nos termos expostos, concede-se provimento ao recurso da A. e em consequência: A) Declara-se que o prédio inscrito na matriz predial de … sob o art. …571, identificado em B) dos factos dados como provados nesta decisão, é baldio, e que pertence aos compartes de AA; B) Declara-se que a parcela onde a ré construiu os depósitos de água referidos em 13) dos factos dados como provados nesta decisão faz parte integrante de tal prédio; C) Condena-se a ré BB a entregar à A. tal prédio, livre e devoluto, bem como a demolir as obras ali realizadas e a remover os escombros de tal demolição, deixando o dito prédio no seu estado anterior, bem como a abster-se de praticar sobre o mesmo prédio quaisquer actos de posse.

    Custas da apelação pela apelante BB.

    Inconformada, a ré vem agora pedir revista, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. A apreciação do recurso interposto pela Ré não se encontra minimamente individualizada, nem a final se conclui nada relativamente ao mesmo, pelo que se argui a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

    1. O negócio referido em D) dos factos provados foi celebrado antes de ter sido constituída a Assembleia de Compartes de AA, pela Junta de Freguesia respetiva, pelo que do ponto de vista da entidade administrante, em situação de inteira legalidade 3. Autora e Ré são os titulares dos direitos e obrigações emergentes do contrato promessa de doação em causa nestes autos. A autora é a promitente doadora e a ré a promitente donatária.

    2. Uma entidade que celebra com outra um contrato-promessa de doação de um terreno, na sequência do qual são construídos no mesmo dois reservatórios de água que ocupam 1600 m2 e que, cinco anos mais tarde, vem exigir a restituição do terreno e a demolição dos ditos reservatórios atua com abuso de direito nas modalidade de venire contra factum propium, suppressio, tu quoque e desequilíbrio.

    3. Violou, assim, a decisão recorrida os arts. 615º nº 1 d) do CPCivil e 334º do CCivil.

    Termos em que deve à revista ser dado provimento, revogando-se a decisão recorrida.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    Após os vistos legais, cumpre decidir.

    II.

    Questões a resolver: - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia; - Se a pretensão do autor, de ver restituído o imóvel ocupado pela ré, constitui abuso do direito.

    III.

    No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:

  2. No dia 16 de Outubro de 2004 foi constituída a Assembleia de Compartes, Conselho Directivo e Comissão de Fiscalização dos AA.

  3. O prédio rústico denominado "CC", sito na freguesia de …, concelho de …, composto de terra de mato com a superfície de 8 900 m2, a confrontar do norte e do poente com EE, do sul com FF e do nascente com caminho público encontra-se inscrito, desde 1957, na matriz predial rústica sob o artigo …571, inscrição essa feita a favor da Junta de Freguesia de ….

  4. Através de escritura pública de justificação notarial, outorgada no Cartório Notarial de … no dia 22 de Abril de 1999, GG, HH, II, na qualidade, respectivamente, de presidente, secretário e tesoureiro da Junta de Freguesia de …, declararam que a sua representada é dona e legitima possuidora, com exclusão de outrem, dos trinta e três prédios (em que se inclui o referido artigo …571) devidamente identificados no documento complementar elaborado nos termos do nº 2 do artigo 64° do Código do Notariado que fica a fazer parte integrante desta escritura, acrescentando que nenhum dos prédios se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial competente, estão todos inscritos na matriz respectiva da dita freguesia de …, em nome da sua representada. Mais declararam que a posse da Junta de Freguesia de …, se vem exercendo desde tempos imemoriais, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, deles cuidando e usufruindo como o faz um verdadeiro proprietário e que, dado o modo de aquisição, - a usucapião -, não tem a sua representada outro meio extrajudicial de comprovar aquele direito. Foram testemunhas desse acto JJ, KK e LL.

  5. Através de escrito particular denominado "Contrato Promessa de Cedência de Terrenos Baldios", outorgado em 19 de Maio de 2004, a Junta de Freguesia de …, em representação das comunidades locais, como entidade responsável pelos baldios paroquiais e demais terrenos sob a sua administração, declarou que administra os terrenos baldios sitos em …, freguesia de …, concelho de …, dos quais faz parte integrante o prédio rústico com a área de 8900m2 inscrito na matriz sob o artigo …571 da referida freguesia e prometeu ceder, a título gratuito, à empresa "Águas de BB, S.A." a parcela de terreno com a área de 1683m2, destinada à implantação do reservatório R6A integrado no "Projecto dos Subsistemas de Abastecimento de Água do MM", autorizando, em consequência, a referida empresa a tomar posse da referida parcela, consentindo a construção e a abertura de acessos e caminhos até ao local dos equipamentos, em localização a definir, autorizando igualmente a instalação provisória de estaleiro, maquinaria e equipamento destinado à obra e comprometendo-se a celebrar a escritura de doação. Esse acordo obteve a deliberação favorável da freguesia, conforme documentos que constam a fls. 54 a 62 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

    Da base instrutória 1) O Conselho Directivo dos Baldios de AA, por meio de reunião de 25 de Março de 2009, verificou e deliberou por unanimidade dos seus membros o seguinte: "Verificaram os membros do Conselho Directivo que o prédio rústico sito no lugar da BB, composto de mato com a superfície de 8900 m2, a confrontar pelo norte e poente com EE, do sul com FF e do nascente com caminho público, inscrito na matriz predial sob o artigo …571 vem sendo objecto de apropriação particular por parte da Junta de Freguesia de …, que para o efeito outorgou escritura de Justificação Notarial no Cartório Notarial de … no dia 22 de Abril de 1999. Por meio dessa escritura a Junta de Freguesia ignorou a natureza de baldio do referido prédio, considerando-o de sua propriedade privada, invocando para o efeito os actos de posse ali consignados. Em virtude desta apropriação e cedência de uma faixa de terreno à empresa Águas de BB, S.A. deliberou este Conselho Directivo propor em tribunal uma acção judicial com o objectivo, além do mais, de anular a escritura de Justificação Notarial e a reivindicação do prédio inscrito sob o artigo …571. Mais foi deliberado que antes do recurso à via judicial sejam enviadas à Junta de Freguesia cartas a comunicar a constituição da Assembleia de Compartes e Conselho Directivo dos Baldios de AA e bem assim que o Baldio do NN com o...

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