Acórdão nº 370/14.3T8BVNG.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelANTÓNIO PIÇARRA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, alegando, em síntese, que: O seu pai deu de arrendamento para habitação, nos anos 40 do século passado, a CC, o andar situado no Beco …, n° 5-A, do prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 21… e inscrito na respetiva matriz da freguesia de …, sob o artigo 285.

Em Novembro de 2012, faleceu DD, viúva do primitivo inquilino.

Por partilha de bens da herança indivisa dos pais, em 03.01.2013, adquiriu a propriedade desse prédio urbano.

A sua filha EE deslocou-se ao imóvel e constatou que a ré aí residia, tendo a mesma concordado em sair livremente, o que não sucedeu, situação que lhe tem provocado danos.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir que se declare ser legítimo proprietário do dito imóvel, sito no Beco …, n° 5-A, em Lisboa, condenando-se a ré a restituir-lho de imediato livre e desocupado bem como a pagar-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 5.000,00 acrescida da quantia diária a fixar, entre € 25,00 e € 50,00, desde a sentença até à efetiva entrega do imóvel, nos termos do artigo 829°-A do Código Civil.

A ré contestou alegando, em resumo, que reside no andar desde 1993, em economia comum com a DD, e desde essa altura procedeu ao pagamento pontual da renda, de inicio em nome da mãe do autor e, após a visita da representante deste, passou a fazer o depósito da renda em seu nome, de acordo com as instruções recebidas, apesar de nunca lhe ter sido entregue o correspondente recibo.

Concluiu, desse modo, ter direito ao arrendamento com base no reconhecimento expresso por parte dos anteriores proprietários do andar e, caso assim não se entenda, se declare, em reconvenção, o direito ao arrendamento por transmissão da anterior titular.

O autor replicou a manter a sua posição inicial e a pugnar pela improcedência da reconvenção.

Saneado o processo e realizada a audiência de julgamento, com gravação dos depoimentos nela prestados, foi proferida sentença que, na parcial improcedência da acção e total improcedência da reconvenção, decidiu o seguinte: A) reconhecer o autor como legítimo proprietário do número 5-A do imóvel sito no Beco …, número 5 e 5-A, fazendo esquina para a Rua .., n° 44, freguesia …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 21… e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 285.

  1. absolver a ré do demais peticionado.

  2. absolver o autor do pedido reconvencional.

Apelou o autor, sem êxito, tendo a Relação de Lisboa decidido, ainda que com um voto de vencido, confirmar o sentenciado em 1º instância.

Persistindo inconformado, interpôs o autor recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões: A. O Tribunal a quo não respeitou as regras do silogismo judiciário, ao socorrer-se de factos que não se encontram provados nos autos para aplicar, ao caso, o instituto do abuso de direito, o qual, aliás, deve ser utilizado e declarado com extrema prudência, "em casos de clamorosa injustiça"; B. Desde logo, não consta da matéria de facto provada que o Recorrente "fez saber à Ré (Recorrida), através de sua filha, que podia continuar na fracção", donde não se entende, na decisão ora recorrida, o que levou o Tribunal a quo a ter em conta e fundamentar a aplicação do abuso de direito nesse facto não provado (e, aliás, não alegado por qualquer das partes), o que não podia fazer; C. Com efeito, a única coisa que resulta dos factos provados é que a filha do Recorrente se deslocou ao imóvel na sequência das partilhas que atribuíram a propriedade do mesmo ao seu pai (ora Recorrente), tendo falado com a Recorrida e entregue um documento a esta última; D. Os factos provados não permitem extrair qualquer conclusão sobre o teor da conversa mantida entre a filha do Recorrente e a Recorrida, por ocasião da aludida visita; E. Por sua vez, o documento entregue pela filha do Recorrente à Recorrida, analisado o seu teor, as circunstâncias (conhecidas) em que o mesmo foi entregue, e a restante matéria de facto dada por provada, não permite, de per se, retirar qualquer conclusão quanto à motivação ou fins atinentes à sua entrega à Recorrida e, por conseguinte, admitir que, com a mesma, o Recorrente reconheceu a Recorrida como inquilina do imóvel ou lhe gerou qualquer expectativa legítima de poder continuar a ocupá-lo, na senda, aliás, do que se realçou no voto de vencido constante da decisão recorrida (desde logo, não se encontra provado que o Recorrente tivesse, por ocasião da visita da sua filha ao imóvel, conhecimento de que a anterior arrendatária (DD) tivesse falecido ou sequer que a Recorrida lhe tenha transmitido esse facto aquando daquela visita, motivo pelo qual se poderia sempre admitir que aquele documento foi entregue à Recorrida, para que esta o entregasse àquela arrendatária, tendo a Recorrida ocultado a sua morte intencionalmente, de modo a poder permanecer no imóvel; F. Ainda que se considerasse que aquela comunicação permitia de per se retirar qualquer reconhecimento da qualidade de inquilina à Recorrida ou, pelo menos, de lhe criar a expectativa legítima de poder continuar a ocupar o imóvel, fosse a que título fosse, não se pode ignorar que não resulta dos factos provados (apesar de o Recorrente não o desmentir actualmente) que a filha do Recorrente agisse em representação do mesmo, motivo pelo qual sempre cumpriria questionar se a entrega, por aquela, da referida comunicação teria a virtualidade de vincular o Recorrente (sem que este a ratificasse) e, assim, reconhecer a Recorrida, com eficácia em relação àquele, como inquilina ou gerar na mesma a expectativa de poder continuar a ocupar o imóvel; G. De igual modo, o ponto 34 dos factos dados como provados, segundo o qual "o autor sabia que a ré residia no imóvel, tal como os pais e demais familiares, por si só, nenhuma ilação permite retirar para a aplicação, no presente caso, do abuso de direito, sendo certo que nem se sabe quando é que o Recorrente tomou tal conhecimento e, ademais e sobretudo, o facto de se saber que uma pessoa habita um imóvel, e ainda que a isso não se oponha o senhorio, nada tem a ver com reconhecer o direito de aquela ali continuar a habitar após a relação que legitimava a ocupação do imóvel por outrem ter cessado (no caso, de o contrato de arrendamento que legitimava a ocupação do imóvel ter caducado por morte da arrendatária), pois que a relação contratual que legitimava aquela ocupação era entre o senhorio e a arrendatária e, consequentemente, ao cessar aquele contrato os terceiros ocupantes do imóvel estariam obrigados a abandoná-lo, pelo que, não o fazendo, estão a ocupá-lo ilicitamente; H. Refere-se, igualmente, na decisão ora recorrida que "apesar disso, e das rendas terem sempre sido depositadas pontualmente jamais foram emitidos recibos, o que é manifestamente uma atitude pouco consentânea com o princípio da boa fé"; a este propósito, e desde logo, posto que o contrato de arrendamento, que tinha como objecto o imóvel em questão, caducou com a morte da arrendatária, em Novembro de 2012, não se percebe que recibos teria o Autor que emitir, uma vez que apenas se tornou proprietário do mesmo...

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