Acórdão nº 366/13.2TNLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA instaurou acção declarativa contra BB, CC, DD, EE, FF - Comércio de Mariscos, Lda, GG, SA, HH, SA, II - Companhia de Seguros, SA, e JJ - Comp. de Seguros, SA (agora KK - Comp. de Seguros, SA), pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 100.000,00 pelo dano decorrente da morte do seu falecido pai no naufrágio do navio de pesca “LL”, € 25.000,00 por danos não patrimoniais que precederam a morte, € 50.000,00 por danos não patrimoniais do A. motivados pela morte do seu pai e € 200.000,00 por danos patrimoniais do A. pela perda de rendimentos a partir de então, tudo com juros de mora.

Em contestação foi invocada a preterição de litisconsórcio necessário activo e a prescrição, nos termos do art. 498º, nº 1, do CC. Aquela, com fundamento em que o direito de indemnização pela perda do direito à vida e pelos danos não patrimoniais do pai do A. apenas pode ser exercido com intervenção de todos os herdeiros, faltando, no caso, a mãe do A. e viúva do falecido. A excepção de prescrição fundada no facto de o naufrágio do navio ter ocorrido em 4-12-91. Tendo a primeira acção sido interposta apenas em 24-11-97, a mesma veio a terminar por decisão de absolvição da instância, com fundamento na incompetência material do Tribunal imputável ao A. Esta decisão transitou em julgado em 31-5-13, de modo que o prazo de prescrição começou a correr desde a data da sua interrupção naquela acção e encontrava-se esgotado quando foi interposta a presente acção.

Em resposta o A. pronunciou-se pela improcedência da excepção de preterição de litisconsórcio necessário activo, argumentando que litiga em nome próprio para fazer valer os seus direitos. E quanto à excepção de prescrição alegou que inicialmente foi deduzido pedido de indemnização cível no processo-crime, a que se sucedeu, depois do arquivamento deste, a instauração de uma acção na 1ª Vara Cível de Lisboa. Tendo sido declarada a absolvição da instância nessa acção, o A. interpôs esta segunda acção no Trib. Marítimo de Lisboa em prazo que permite a invocação da extensão prevista no art. 279º, nº 2, do CPC.

No despacho saneador foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário quanto aos pedidos de indemnização relativos ao dano-morte e danos não patrimoniais do falecido. Foi ainda julgada procedente a excepção de prescrição, sendo os RR. absolvidos quando aos demais pedidos.

Tendo o A. interposto recurso de apelação, a Relação revogou a decisão da 1ª instância na parte em que julgou procedente a excepção de preterição de litisconsórcio necessário activo, considerando o A. parte legítima relativamente a todos os pedidos. Já quanto à prescrição confirmou a decisão que a julgara procedente.

O A. interpôs recurso de revista excepcional na parte em que foi considerada verificada a excepção de prescrição do direito de indemnização, concluindo essencialmente que: - A matéria da responsabilidade civil extracontratual que integra a presente acção não cabe em qualquer das previsões que definem a competência do Tribunal Marítimo; - Não houve qualquer lapso do A. quando intentou a primeira acção no Tribunal Cível numa altura em que ainda não haviam sido testadas as normas sobre a competência material do Tribunal Marítimo; - Não tem base legal o acórdão que retirou ao A. o benefício da interrupção da prescrição com fundamento na alegada responsabilidade na escolha do Tribunal; - Foi feita errada aplicação do art. 113º, nº 1, da LOSJ, do art. 279º, nº 2, do CPC, e do art. 20º, nº 4, da CRP.

Foram apresentadas contra-alegações, e a R. II ampliou o objecto do recurso de revista pretendendo que se declare a ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário activo no que concerne ao pedido de pagamento de indemnização pelo dano-morte e pelo sofrimento da vítima antes de morrer.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Matéria de facto apurada pelas instâncias:

  1. Em 4-12-91, ocorreu o naufrágio e afundamento do navio LL com 30 pessoas a bordo, incluindo o pai do A.; b) Em 14-11-95, o A. (representado pela sua mãe) deduziu pedido de indemnização cível no processo-crime nº 3.583/91, relacionado com aquele naufrágio, que correu termos no 4º Juízo do Trib. de Instrução Criminal de Lisboa.

  2. Em 23-8-96, foi preferida decisão instrutória nesse processo-crime, arquivando-o (confirmado por acórdão da Relação de 7-5-97 – fls. 375 e segs.).

  3. Em 24-11-97, o A. (representado pela sua mãe) interpôs contra os RR. acção indemnizatória na 10ª Vara Cível de Lisboa, a qual correu termos sob o nº 19.931/97; e) Os RR. foram citados em ambos os processos; f) Por sentença datada de 16-1-13, proferida no último processo, foi declarada a incompetência em razão da matéria do Trib. Cível de Lisboa e absolvidos os RR. da instância; g) Por acórdão de 14-5-13, transitado em julgado em 31-5-13, a Relação de Lisboa confirmou a decisão da 1ª instância; h) Em 28-6-13, o A. propôs a presente acção.

    III – Decidindo: 1.

    Quanto à prescrição do direito de indemnização: 1.1.

    Importa, antes de mais, consolidar os elementos de facto e de direito que relevam para efeitos de apreciação da questão essencial em torno da prescrição do direito de indemnização, conjugada com a absolvição da instância declarada na anterior acção.

    Através da presente acção o A. veio invocar um direito de indemnização decorrente do óbito do seu pai ocorrido em 4-12-1991 aquando do naufrágio e afundamento do navio de pesca LL, onde seguia.

    Tal remete-nos para o instituto da responsabilidade civil extracontratual e para o prazo prescricional previsto no art. 498º, nº 1, do CC, do qual decorre que, em princípio, tal direito deveria ser exercido no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado dele teve conhecimento (nº 1).

    Porém, os factos que envolveram o naufrágio determinaram a abertura de um procedimento criminal, de modo que, enquanto este se manteve pendente, o prazo de prescrição relevante equivaleria ao prazo de prescrição do procedimento criminal, 10 anos, atenta a natureza do crime investigado (art. 117º, nº 1, als. b) e c), do Cód. Penal de 1982).

    Releva ainda o facto de, no âmbito do referido procedimento criminal, a mãe do A., por si e em representação deste, ter sido deduzido, em 14-11-1995, pedido cível, o qual, depois de ter sido notificado aos ora RR., determinou a interrupção do prazo prescricional em curso (art. 323º, nº 1, do CC).

    Em tal procedimento criminal foi proferida decisão de arquivamento, a partir da qual se iniciou novo prazo prescricional, agora de 3 anos, considerando que, a partir de então, o direito do A. ficou submetido exclusivamente ao regime previsto no art. 498º, nº 1, do CC.

    Foi ainda dentro deste novo prazo de 3 anos que a mãe do A., por si e em representação deste, instaurou nos Tribunais Cíveis de Lisboa, em 24-11-97, uma acção de indemnização.

    Por decisão de 16-1-2013 (ao fim de 15 anos!), confirmada pela Relação em 14-5-2013, com trânsito em julgado em 31-5-2013, foi declarada a absolvição da instância em tal acção com fundamento na incompetência material do Tribunal Cível, por se considerar competente o Tribunal Marítimo de Lisboa.

    1.2.

    Para além de o A. ser menor (teria 4 anos de idade quando ocorreu o acidente em 4-12-91) e de, assim, lhe ser aplicável a tutela especial prevista no art. 320º, nº 1, in fine, do CC, os antecedentes processuais enunciados nunca permitiriam que se considerasse prescrito o direito de indemnização aquando foi interposta a primeira acção, em 24-11-97.

    Tendo em conta a data em que a primeira acção foi instaurada, o prazo de prescrição de 3 anos que na altura estava em curso foi interrompido no 5º dia posterior, ou seja, em 29-11-97, atento o disposto no art. 323º, nº 2, do CC.

    Desde esta última data até à instauração da presente acção (28-6-2013) foi largamente excedido o prazo de 3 anos previsto no art. 498º, nº 1 do CC, sendo caso para verificar se o direito de indemnização invocado pelo A. se deve considerar extinto.

    As instâncias assim o consideraram, mas cremos que a análise mais aprofundada das diversas circunstâncias que emergem e do regime jurídico da prescrição extintiva, associada a decisões de absolvição da instância, determina o resultado inverso.

    O facto de a apreciação definitiva da excepção dilatória de incompetência material (31-5-2013) ter ocorrido passados 15 anos(!) depois de o prazo de prescrição ter sido interrompido na primeira acção (29-11-1997) leva-nos a julgar improcedente a excepção de prescrição.

    É este o resultado pretendido pelo A. ora recorrente e que, ainda que com uma motivação jurídica não coincidente com a que invocou nas alegações, acabará por ser concedido no final de uma mais completa fundamentação.

    1.3.

    Conforme a regra geral do nº 2 do art. 327º do CC, terminando por decisão de absolvição da instância a acção através da qual se pretende exercitar um direito, o prazo de prescrição não se renova, sendo antes contabilizado a partir da data da sua interrupção em tal acção.

    Todavia, a gravidade de tal efeito extintivo derivado de razões de ordem adjectiva levou o legislador a prever uma prorrogação do prazo por mais dois meses, nos casos em que a absolvição da instância no período que decorreu desde a interrupção do prazo na acção seja determinada por “motivo processual não imputável ao titular do direito” (nº 3 do art. 327º).

    Este preceito não coincide com o art. 279º, nº 2, do CPC, nos termos do qual, “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu citado para ela dentro doe 30 dias a contar do trânsito...

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