Acórdão nº 14633/14.4T2SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelANA LUISA GERALDES
Data da Resolução15 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – 1.

AA apresentou requerimento visando a impugnação judicial da regularidade e licitude da decisão de despedimento proferida pela sua empregadora SUCH – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, S.A.

  1. A Ré/empregadora apresentou articulado a motivar o despedimento, pugnando pela sua licitude e pedindo a exclusão da reintegração do trabalhador.

    Alegou para tanto, e em síntese, que: Em 01.08.2013, no exercício das suas funções de motorista de pesados, o trabalhador conduzia a viatura pesada de mercadorias com a matrícula 00-AU-00, quando embateu na porta lateral da caixa de carga da viatura pesada de matrícula 00-00-VR, causando-lhe danos que obrigaram à sua reparação no valor de € 900,00.

    Tempos depois, no dia 24.01.2014, o trabalhador teve outro acidente quando ao fazer a marcha-atrás, com a viatura de matrícula 00-LR-00, bateu na parte da frente da viatura de matrícula 00-NJ-00, danificando-a.

    Acresce que o trabalhador alterou a escala de serviço, pois foi fazer o serviço de recolha de resíduos ao Hospital de São José, por volta das 16h, quando só deveria fazê-lo a partir das 20h, sendo que esta alteração não foi autorizada pela empregadora.

    O trabalhador tem dois antecedentes disciplinares por ter tido anteriormente dois outros acidentes, ocorridos em 12.06.2012 e 09.02.2013, tendo sido sancionado com 4 e 25 dias de suspensão, com perda de retribuição.

    O trabalhador não respeitou as regras de segurança e actuou com um comportamento negligente, descuidado, pondo em causa, de forma reiterada, a sua aptidão e idoneidade para o exercício das funções para as quais foi contratualizado.

  2. O Autor/trabalhador apresentou contestação, impugnando, excepcionando e deduzindo pedido reconvencional tendo argumentado, em síntese, que:

    1. Impugnando: o acidente com a viatura de matrícula 00-00-VR não ocorreu por culpa sua pois a mesma estava parada com a porta traseira aberta, não sendo visível pelos espelhos da viatura que conduzia. E o outro acidente ocorreu porque o espelho da viatura que conduzia estava partido, o que dificultava a avaliação das distâncias entre os veículos.

      A alteração da escala de recolha dos resíduos em São José ocorreu porque não conseguia fazer a recolha no Hospital Egas Moniz e teria de estar cerca de uma hora à espera, pelo que optou por ir ao Hospital de São José para rentabilizar o tempo, sendo a alteração das escalas um procedimento normal entre os trabalhadores da R., que esta conhece e consente.

      Os factos praticados não foram culposos e não apresentam gravidade tal que torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral, pelo que o seu despedimento foi ilícito, por inexistência de justa causa.

    2. Excepcionando: a nota de culpa encontra-se assinada por pessoa que se desconhece se é ou não detentora do poder disciplinar pelo que o processo disciplinar é inválido.

      Verifica-se a caducidade em relação ao acidente ocorrido em 1 de Agosto de 2013, pois a R. já sabia da sua ocorrência, desde dia 2 de Agosto de 2013, e o procedimento disciplinar só foi instaurado depois do decurso do prazo legal.

      Há nulidade do processo disciplinar por a instrutora ter cumulado no mesmo processo factos ocorridos noutra data e porque foram ouvidas testemunhas sem que o Autor tivesse exercido o direito do contraditório.

    3. Em reconvenção: pediu a condenação da Ré a pagar-lhe: - As retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito da decisão que declare a ilicitude do despedimento; - Uma indemnização por antiguidade não inferior a 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, perfazendo a quantia de € 11.363,55; - Uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de € 2.500,00.

  3. A Ré respondeu à contestação-reconvenção do Autor, rebatendo os factos aduzidos por este.

  4. Elaborou-se despacho saneador onde se relegou para final o conhecimento da excepção de caducidade invocada pelo Autor e se considerou inexistir invalidade do processo disciplinar por violação do princípio do contraditório.

  5. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos: «Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência: a) declaro ilícito o despedimento do Autor; b) condeno a Ré a pagar ao Autor as retribuições mensais e subsídios de férias e de Natal devidos desde a data do despedimento, ocorrido em 24.7.2014, no valor mensal de € 781,62, até à data do trânsito em julgado da presente decisão, nos termos do art. 390º do CT, deduzindo os valores a que alude o nº 2 do referido artigo, a quantificar em sede de incidente de liquidação; c) condeno a Ré a pagar ao Autor a indemnização substitutiva da reintegração correspondente ao valor líquido de € 390,81, por cada ano completo ou fração de antiguidade, contando-se todo o tempo decorrido até à data do trânsito em julgado da decisão judicial, a qual, neste momento, ascende ao valor líquido de € 2 735,67; d) no mais julgo a acção improcedente e absolvo a Ré do restante contra si peticionado.» 7.

    Inconformada, a Ré Apelou.

  6. O Autor, por seu turno, interpôs recurso de apelação subordinado.

  7. O Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão datado de 16 de Dezembro de 2016, decidiu:

    1. Julgar procedente o recurso de apelação principal interposto pela Ré, declarou lícito o despedimento e, revogando a sentença Recorrida, absolveu a Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor: b) Julgou improcedente o recurso de apelação subordinado interposto pelo Autor.

    10.

    Irresignado, o Autor interpôs recurso de revista, no qual concluiu nos seguintes termos: «- Em sede de decisão no Tribunal da Relação de Lisboa, veio este Tribunal decidir no sentido de julgar o recurso procedente quanto ao pedido formulado pela Ré e, em consequência, absolver a Ré dos pedidos contra si deduzidos pelo Autor; - Contudo, e salvo melhor opinião, não pode o ora Recorrente concordar com tal decisão por desconformidade com o Direito e com a matéria de facto dada como provada, bem como com todos os elementos carreados para os autos, que impunham decisão diversa; - O despedimento do Autor é ilícito; - O acidente verificado em 01/08/2013 não podia ser objecto de processo disciplinar por se ter verificado a caducidade do mesmo; - Não é admissível, nem sequer razoável, que a Ré tendo tido conhecimento dos alegados factos a 02/08/2013, só tenha elaborado e remetido ao Autor a Nota de Culpa passados mais de 6 (seis) meses, ou seja, a 14/02/2014; - O procedimento disciplinar é nulo por inclusão dos factos relativos ao acidente ocorrido em 24/01/2014; - O procedimento disciplinar é ilícito por violação do artigo 381.º CT; - A indemnização a que o Autor tem direito deverá ser fixada em 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, nos termos dos artigos 351.º, 389.º, 390.º, 391.° e 381.º, todos do CT.

    - O Recorrente entende que a decisão Recorrida violou os artigos 329.º, 351.º,381.º,389.º,390.º 391 ° do Código do Trabalho.» Pelo que, deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogado o Acórdão recorrido.

    11.

    A Ré apresentou contra-alegações defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do Acórdão recorrido.

  8. Neste Supremo Tribunal foi proferido despacho pela Relatora, conforme fls. 391, do 2º Vol., ordenando-se o cumprimento do disposto no art. 655.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, depois de constatada a convergência entre as instâncias, sem voto vencido, em relação à questão que se prende com a alegada nulidade do procedimento disciplinar por incluir factos relativos ao acidente de 24.01.2014.

    Ou seja: por entender existir dupla conformidade de julgados quanto a tal matéria.

  9. Autor e Ré pronunciaram-se: o primeiro pugnando pela inexistência de uma situação de dupla conforme parcial e, por conseguinte, pela total procedência do recurso (fls. 399-400, do 2º Vol.) e a Ré defendendo a inadmissibilidade do recurso de revista em relação à sobredita questão, por existência de dupla conforme (cf. fls. 394, do 2º Vol.).

  10. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal formulou Parecer sustentando a improcedência da revista e argumentando, em síntese, que: - A questão relativa à não consideração do acidente ocorrido em 24.01.2014, não pode ser apreciada por este Supremo Tribunal em virtude de estar a coberto de uma situação de dupla conforme parcial; - O procedimento disciplinar não caducou no que se refere ao acidente de 01.08.2013; - Não se verifica a nulidade do procedimento disciplinar pelo facto de a nota de culpa não ter sido subscrita por entidade competente, na medida em que foi o Conselho de Administração da R. que a assinou; - A reiterada falta de zelo no exercício da condução por parte do A., motorista de pesados, conduz a uma quebra de confiança na idoneidade do mesmo, quanto à sua conduta futura, a justificar a impossibilidade de subsistência da relação laboral e, nessa medida, é fundamento de justa causa para o despedimento por parte da entidade patronal.

  11. Nenhuma das partes ofereceu resposta a este Parecer.

  12. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679.º, ambos do Código de Processo Civil.

    Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.

    [1] II - QUESTÕES A DECIDIR: - Está em causa, em sede recursória, saber se se verifica: · Caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar - quanto aos factos relativos ao acidente ocorrido em 01.08.2013; · Nulidade do procedimento disciplinar – por nele terem sido incluídos factos relativos ao acidente de 24.01.2014; · (In)existência de justa causa para o despedimento do...

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