Acórdão nº 60/09.9TCFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução06 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA demandou oportunamente (Fevereiro de 2009), pela Vara Mista do Funchal e em autos de ação declarativa com processo na forma ordinária, BB, CC, DD (que se veio depois a verificar constituir pseudónimo de EE) e FF, Lda.

, peticionando a respetiva condenação solidária no pagamento da quantia de €150.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.

Alegou para o efeito, em síntese, que os dois primeiros Réus são, respetivamente, diretor e diretor adjunto do jornal quinzenário denominado GG, propriedade da Ré sociedade. Tal jornal, na pessoa dos seus responsáveis, move à Autora e seus familiares uma verdadeira perseguição, insultando-os, desconsiderando-os e inventando factos. Estas condutas atingiram a sua máxima expressão no final do ano de 2006 e em 2007, isto a propósito de um processo crime que pendeu junto do Ministério Público e que terminou arquivado (31 de julho de 2007) ainda na fase de inquérito e que se relacionava à QQ/RR (..., QQ), associação de que a Autora é diretora técnica.

Assim, no dia 15 de Dezembro de 2006 (sob os títulos “O Porto já está a arder!” e “Canetas & Lápis”), foi noticiado no dito jornal a existência na QQ de dois balanços contabilísticos, um real e outro fictício, e (aqui notícia da autoria do denominado DD) o fornecimento fictício de bens no montante de 500 mil contos, dando-se a entender a existência de desvio de dinheiro através de serviços ou vendas fictícios. Tais notícias eram suscetíveis de criar no público a ideia de que o Ministério Público se aprestava a deduzir acusação contra os administradores da QQ, entre os quais a Autora, diretora técnica responsável pela conformidade dos procedimentos contabilísticos, por terem forjado balanços contabilísticos, quando afinal o processo fora arquivado em fase de inquérito. No dia 19 de Outubro de 2007 (sob o título “SS Apanhada” e Editorial) as notícias mantinham, de forma acintosa, um juízo de suspeição sobre a Autora e família quanto à prática de atos criminosos, afirmando-se nomeadamente que, a despeito do arquivamento do inquérito, o Ministério Público mandara extrair certidões comprometedoras para a Autora e familiares, e que uma empresa de que a Autora e familiares eram sócios metera também a mão na “saca do cacau”. No dia 2 de Novembro de 2007 (sob o título “A montanha move-se”) mais uma vez se produziram afirmações que sugeriam o envolvimento da Autora em práticas indevidas no contexto da QQ, por alegadamente terem sido apurados em sede de investigação.

Os escritos dos Réus mancharam a honra e o bom nome da Autora, causando-lhe os danos não patrimoniais que descreve, incorrendo assim todos os Réus em responsabilidade civil delitual.

Contestaram os Réus, concluindo pela improcedência da ação.

Disseram, no essencial (seguimos aqui basicamente a síntese constante do relatório do acórdão recorrido), que a Autora e família, através de uma rede complexa de empresas, são sócias da SS, Lda. através de empresas como a “KKK” que detém parte do capital e de que a Autora é gerente e, através daquela empresa e outras, faturam à QQ cerca de 500 mil contos por ano pela aquisição de bens diversos (lápis, canetas, material de escritório, etc.) Trabalhadores eventuais eram contratados pela QQ para serem utilizados em obras particulares da Autora e família e da própria SS, tendo aqueles denunciado publicamente essas situações, o que conduziu à abertura de um inquérito criminal. Existiam empresas ligadas aos administradores da QQ ou a seus familiares que mantinham relações negociais com a QQ que implicavam para esta o pagamento de avultadas quantias. O TT publicou um texto a propósito da situação no porto do ... e situações abusivas ali existentes. Neste contexto, as notícias publicadas no “GG” relatam factos de manifesto interesse público, verdadeiros ou como tal reputados pelos Réus. Na notícia “Canetas & Lápis”, o seu autor - EE - reafirma o conteúdo da notícia publicada no PP em 29 de Junho de 2001. Há discrepância com a realidade dos extratos e contas titulados pelos documentos relativos à certificação legal das contas e houve conhecimento da existência de um CD recebido pela Polícia Judiciária contendo dois balanços contabilísticos distintos da QQ. Do despacho de arquivamento dos autos de inquérito ressalta que o arquivamento se deveu ao facto da QQ não ter renovado o estatuto de utilidade pública, e que importava averiguar eventuais ilícitos cometidos no âmbito da SS. Foram extraídas certidões do relatório da Polícia Judiciária para remessa aos Serviços Centrais da Direção Geral de Impostos para investigação pelo facto de o sistema de assessorias na QQ ser prática contínua. Os factos investigados confirmam a existência de vinte empresas virtuais que faturaram milhões de euros à QQ. É neste contexto de suspeição que os escritos em causa nos autos devem ser apreciados. O “GG” é um jornal que utiliza os géneros literários e jornalísticos do humor, da ficção, da sátira e do sarcasmo, da caricatura e da hipérbole, o que torna legítimas expressões mais violentas ou jocosas. Tais escritos visaram interesses de esclarecimento, denúncia e formação da opinião pública em matéria de relevante utilidade social e moral para a comunidade madeirense, relatando factos objetivos e verdadeiros ou como tal considerados, de boa-fé, pelos seus autores.

Seguindo o processo seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença que, em procedência parcial da ação, condenou os Réus BB, EE e FF, Lda. no pagamento à Autora da quantia de €2.500,00, acrescida de juros desde a citação. O Réu CC foi absolvido do pedido.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Autora.

Pretendia, e além do mais, que a indemnização fosse fixada em montante não inferior a €25.000,00 e que o Réu absolvido fosse também condenado.

Os Réus recorreram subordinadamente.

A Relação de Lisboa julgou improcedente a apelação da Autora e procedente o recurso subordinado.

De novo inconformada, pede a Autora revista.

+ Da respetiva alegação extrai a Autora as seguintes conclusões: A- Em face de tudo o exposto, forçoso é concluir que a decisão do tribunal a quo interpreta de forma errada o art. 10º da DEDH, quando defende que a liberdade de expressão se sobrepõe ao direito à honra e bom nome, mesmo quando os factos imputados são falsos e muito graves.

B- A decisão do tribunal a quo viola ainda o princípio da presunção de inocência, prevista no art. 14º, nº 1, alínea c) da Lei nº 1/99, uma vez que não considerou que esse princípio foi violado pelos Réus aquando a imputação dos factos à autora, mesmo depois de ter sido arquivado o processo crime que sobre eles versava.

C- A decisão do tribunal a quo apresenta ainda uma contradição entre os fundamentos e a decisão, D- Porquanto elenca nos factos provados todos os factos que contradizem as afirmações feitas pelos réus nas notícias que lesam o direito á honra da autora, admitindo que estes são falsos.

E- Mas na fundamentação acaba por não ponderar essa falsidade para considerar ilícita a conduta dos réus e chega mesmo a desenvolver um raciocínio no sentido de imputar à autora o ónus -que não terá cumprido -de provar a respetiva falsidade.

F- Ainda viola a decisão recorrida o artigo 484º do CC, por não ter sido aplicado ao caso concreto, determinando-se consequentemente a ilicitude da conduta dos réus.

G- Efetivamente consideraram-se provados os seguintes factos com relevância para a matéria em discussão no recurso: 1. No dia 15 de Dezembro de 2006, o jornal GG publicou o seguinte artigo intitulado “O Porto já está a arder” onde se pode ler: “O semanário HH noticiou no seu último número que o famoso processo de investigação criminal iniciado em 2001 pelo MP ao Porto do ... tem 7 arguidos, sendo os mais importantes II, JJ e KK. Agora falta formalizar a acusação (...).

(...) Depois de cinco anos de investigação, o GG teve conhecimento que a Polícia Judiciária recebeu um CD com material altamente comprometedor, onde aparecem dois balanços contabilísticos da empresa, um fictício, para apresentar nas Finanças, outro real, para orientação interna dos administradores.” 6. Em caixa autónoma subscrita por um tal DD, intitulada “canetas e Lápis” afirma-se: “No entanto, canetas e lápis é o nome de uma rubrica que está inscrita num processo instaurado pelo Ministério Público que custou 500 mil contos á QQ ...” “O mais incrível nesta investigação ao Porto do ... foi que ele teve início em 2001 e foram necessários 5 anos para deduzir acusação” 15. “A LL, de que eram sócios o arguido JJ e esposa, Eng. MM e consorte, KK, meteu também a mão na “saca do cacau”.

21. “JJ, esposa, filha e genro são também sócios das empresas LL, NN e OO, as quais facturam à QQ 500 mil contos por ano pela aquisição de bens diversos (lápis, canetas, material e escritório, etc) e por serviços de informática e contabilidade” (in PP de 05 de Julho e 29 de Junho de 2001.

7. O inquérito foi arquivado.

20. A autora é diretora técnica da QQ- …- e nessa qualidade, é responsável pela conformidade dos procedimentos contabilísticos, é filha de UU.

24. Com a notícia publicada em 15 de Dezembro de 206 referida em 5, na parte em que referia que o Ministério Publico se aprestava a produzir acusação, era possível aos leitores do GG admitir que na QQ, haviam sido forjados os balanços contabilísticos que vieram a ser apresentados às Finanças.

25. Os artigos referidos em 9 a 19. visaram manter viva a suspeita da existência de irregularidades contabilísticas na gestão do Porto do ....

26. Em 15 de Dezembro de 2006 ainda não existia despacho final no âmbito do processo de inquérito n° 711/01.3TAFUN 27. No âmbito do inquérito nº 711/01.3TAFUN não foi apreendido qualquer CD com um balanço que não existe.

49. Na sequência do envio das certidões extraídas do processo n° 711/01.3TAFUN e remetidas á DSIFAE foram desencadeados os procedimentos julgados adequados á análise da situação não tendo a entidade QQ-RR sido objeto de...

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