Acórdão nº 1022/12.4TBCNT.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução08 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório: AA e marido BB instauraram, em 20-11-2012, acção declarativa constitutiva (de preferência), sob a forma ordinária, contra CC e marido DD; EE; FF; GG; HH; II; e JJ.

Formularam os seguintes pedidos: 1) Que se reconheça à autora o direito de preferência na venda que os réus vendedores fizeram à ré JJ do prédio rústico sito em …, freguesia de Murtede, concelho de Cantanhede, com a área de 57 350 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2682 e actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 6420/… e, em consequência, o direito de para si o haver pelo preço de € 40 000,00 (quarenta mil euros), em substituição da ré compradora, condenando a ré JJ a entregar tal prédio à autora; 2) Que se condene a ré JJ a restituir à autora, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de € 20 000,00 (vinte mil euros), acrescida dos juros de mora a contar da citação, referente ao valor das árvores existentes no prédio vendido à data da venda e que cortou e vendeu.

Alegaram, em síntese, que a autora é proprietária de dois prédios confinantes com o prédio objecto de escritura pública de compra e venda de 28-08-2012, na qual a ré JJ declarou comprar aos demais réus, que declararam vender-lhe o identificado prédio, pelo preço de € 40 000,00, sem que estes tivessem comunicado à autora o projecto de venda, nem as respectivas cláusulas.

Mais alegaram que, logo após a aquisição do prédio, a ré JJ procedeu ao corte e venda de todas as árvores nele plantadas (pinheiros e eucaliptos), que valiam mais de € 20 000,00, valor que a autora deve ser ressarcida, com fundamento no enriquecimento sem causa.

Comprovaram, em 03-12-2012, o depósito do preço de € 40. 000,00.

Contestou a ré JJ, por excepção e impugnação, alegando, em síntese, que comprou aos réus, não o prédio que a autora refere, mas duas partes (metades) indivisas do prédio inscrito sob o art. 2682, da freguesia de Murtede, Cantanhede – razão por que não é a autora titular do direito de preferência que invoca – e fê-lo, pelo preço de € 75.000, 00, valor que os autores não depositaram (nem sequer o IMT ou os emolumentos notariais e registais), verificando-se a caducidade do direito de preferência alegado.

Deduziu reconvenção, pedindo a condenação dos autores a pagarem-lhe a quantia de € 77.744, 66, correspondente ao preço pago pelas duas partes indivisas; a quantia de € 155, 58, pelas despesas tidas com a licença de repovoamento ou plantação do terreno; e a quantia de € 38 314, 50, acrescida dos juros legais, pela surriba e plantação do terreno, a que procedeu, com valorização deste.

Replicaram os autores, pedindo a improcedência da excepção de caducidade, alegando, ainda, não ser a ré compradora, à data da venda, proprietária confinante do prédio vendido e impugnando a restante facticidade, nomeadamente, que o preço real tivesse sido superior ao que figura na escritura de compra e venda.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 21 de Abril de 2015, que julgou os réus vendedores parte ilegítima, absolvendo-os da instância no que se refere ao pedido de reconhecimento de propriedade da autora sobre a parcela de 2125 m2, identificada no artigo 11.º da petição inicial, do prédio descrito na CRP de Cantanhede sob o n.º 1659; e julgou a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos contra si formulados.

Apelaram os autores, bem como a ré JJ, em recurso subordinado, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 19 de Janeiro de 2016, decidido: a) não admitir o recurso subordinado da ré; b) julgar a apelação dos autores parcialmente procedente e, em consequência: b.1) revogar a sentença recorrida; b.2) julgar a acção procedente e, consequentemente: 1. reconhecer aos autores o direito de preferência na venda que os RR. vendedores fizeram à ré JJ do prédio rústico sito em …, freguesia de Murtede, concelho de Cantanhede, com a área de 57.350 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2682 e actualmente descrito na Conservatória de Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 6420/… e em consequência, o direito de para si o haver, pelo preço de 40.000,00 €, em substituição da ré compradora, condenando a ré JJ a entregar tal prédio aos autores; 2. condenar a ré JJ a restituir a título de enriquecimento sem causa a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação, referente ao valor das árvores existentes no prédio vendidos à data da venda e que cortou e vendeu, acrescida dos juros de mora a contar da liquidação.

  1. julgar a reconvenção parcialmente procedente e: 1. condenar os autores a pagarem à ré reconvinte o valor de € 40.000, correspondente ao preço depositado; 2. condenar os autores a pagarem à ré reconvinte o valor das despesas tidas com a licença de repovoamento ou plantação no montante que se vier a apurar em incidente de liquidação; 3. condenar os autores a pagarem à ré reconvinte o seguinte valor: o valor da valorização do prédio (a apurar em incidente de liquidação), se for inferior ao custo das benfeitorias da surriba e da plantação (a apurar também em incidente de liquidação); ou, no caso de a valorização ser superior ao custo das benfeitorias, apenas a indemnização correspondente ao valor destas; 4. condenar os autores a pagarem juros sobre o valor que vier a ser devido nos termos do número anterior, desde a data da liquidação até integral pagamento.

Inconformada, recorreu a ré JJ de revista.

Finalizou a alegação, pedindo a revogação do acórdão recorrido, e formulando as respectivas conclusões, das quais se destacam, por condensarem as questões objecto do recurso, as seguintes: - o acórdão recorrido é nulo, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, na parte em que apreciou questões não suscitadas nas conclusões recursivas das partes e que não são de conhecimento oficioso, tendo alterado, indevidamente, a decisão sobre a matéria de facto, considerando provado um facto que havia sido dado como não provado pela 1.ª instância (facto a)) e alterado o facto considerado provado sob 7.; - incumbe aos autores, que se arrogam titulares do direito de preferência, o ónus da prova de que a ré recorrente, à data da aquisição do prédio objecto da preferência, não era proprietária de nenhum prédio confinante, pelo que, a manter-se a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1.ª instância, deverá a acção improceder; - o preço “devido” a que alude o art. 1410.º, n.º 1, do CC, é o preço realmente pago pelo adquirente e não o preço declarado na escritura pública, no caso, respectivamente, € 75 000, 00 e não € 40 000,00, impondo-se aos autores que, logo na réplica, após conhecimento daquele valor por via da contestação, se manifestassem se pretendiam ou não exercer o direito de preferência pelo mesmo e, em caso afirmativo, procedessem ao depósito da diferença, o que não fizeram, pelo que caducou o direito de preferência invocado; - o preço “devido” a que alude o art. 1410.º, n.º 1, do CC, inclui, além da contrapartida paga pelo comprador ao vendedor pela transmissão do imóvel, os impostos pagos pelo adquirente, de que o preferente beneficia, bem como as despesas com a escritura e o registo da aquisição; - tendo a ré, no mesmo dia 28-02-2012, adquirido dois prédios rústicos confinantes entre si, passam estes a formar uma unidade predial, que ilegalmente se dividirá, violando, entre outros, o disposto no art. 1376.º do CC, com o reconhecimento do direito de preferência, como decidiu o acórdão recorrido; - não pode ser objecto de direito de preferência a aquisição de duas quotas partes indivisas, como sucedeu no caso; e o eventual direito de preferência da autora deve ceder perante o direito de preferência da ré decorrente da sua qualidade de comproprietária da metade adquirida do prédio objecto da preferência; - na decisão proferida quanto às benfeitorias realizadas no prédio objecto da preferência, o acórdão recorrido além de ter decidido – mal – que o aqueduto feito pela ré é susceptível de ser levantado sem detrimento da coisa – devendo ter decidido por uma indemnização segundo as regras do enriquecimento sem causa, omitiu a terraplanagem (o nivelamento do terreno), o que configura uma nulidade; - na decisão proferida quanto às despesas tidas com a licença de repovoamento ou plantação no prédio objecto da preferência, o acórdão recorrido omitiu a licença para remoção de terras e nova plantação, o que configura uma nulidade; Contra-alegaram os autores, defendendo a manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. Fundamentos: De facto: A matéria de facto provada na 1ª instância, alterada na Relação, é a seguinte: “1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n° 254/…, um prédio rústico composto de pinhal e mato, com a área de 3300 m2, sito em … ou …, freguesia de Murtede, concelho de Cantanhede, com as seguintes confrontações: norte e poente com KK; sul LL; nascente com MM, inscrito na matriz sob o artigo 2689 (cfr. certidão do registo predial junta a fls. 13, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido).

  1. A aquisição do direito de propriedade sobre o prédio descrito sob o n° 254/… está registada a favor da Autora pela inscrição Ap...

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