Acórdão nº 137/06.2GAVLP.G1.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução08 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: O tribunal de 1ª instância, no final de julgamento em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, proferiu acórdão decidindo, no que aqui importa: -absolver o arguido AA da acusação relativamente a um crime de infracção de regras de construção, p. e p. pelos artºs 277º, nº 1, alínea a), e 285º do CP; -absolver os demandados AA, BB, SA, CC, SA, DD, SA, EE ,SA, FF, SA, GG, SA, e HH, Lda. do pedido de indemnização civil deduzido contra eles por II, por si e em representação dos filhos menores JJ, LL e MM; -julgar improcedente a excepção dilatória da incompetência do tribunal em razão da matéria, invocada pela demandada DD, SA.

Os referidos requerentes civis, II JJ, LL e MM, interpuseram recurso da decisão da 1ª instância para a Relação do Porto. E DD, SA, interpôs recurso subordinado da parte da decisão do tribunal de 1ª instância que julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência material.

A Relação, por acórdão de 28/01/2015, julgou improcedente o recurso dos demandantes e não conheceu do recurso subordinado.

Ainda inconformados, aqueles demandantes interpuseram recurso de revista “normal” da decisão da Relação na parte em que julgou improcedente o seu pedido de indemnização, considerando-o admissível, no entendimento de que o processo teve início em 09/06/2006, e subsidiariamente de revista excepcional, nos termos do artº 672º do CPC, concluindo a sua motivação nos termos que se transcrevem: «1. Da matéria de facto provada, apesar das suas deficiências, conclui-se sem margem para quaisquer dúvidas, pela existência de flagrantes violações das regras de construção.

  1. Dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, foi também feita prova exuberante.

  2. Apesar disso, os demandados – todos eles – foram absolvidos dos pedidos de indemnização civil.

  3. O Direito, como instrumento da justa composição dos litígios, não pode permitir este desfecho.

    Isto posto: 5. No ponto M do douto acórdão recorrido, em comentário à conclusão 36 das alegações dos recorrentes, refere-se que os demandantes “indicam factos que, na sua óptica, deveriam ser considerados provados” mas não aduzem, nesta conclusão, quaisquer argumentos.

  4. No comentário feito no douto acórdão recorrido às conclusões 24 e 25 das alegações dos assistentes refere-se que o aí referido é irrelevante porque “o depoimento do arguido é apenas um dos elementos de prova com base nos quais o julgador forma a sua convicção”.

  5. As conclusões são, como a palavra indica, a consequência do que vem detalhadamente referido na parte inicial das alegações (incluindo transcrições de depoimentos, análise de documentos, etc.) – mas que, nestes pontos, não foram analisados nem rebatidos.

  6. Nas conclusões 45 a 60 das suas alegações de recurso para a Relação, as assistentes resumiram a sua posição sobre a culpa, efectiva ou presumida, dos demandados AA e BB e sobre a responsabilidade desta como comitente; 9. Porém, o douto acórdão recorrido, não se pronunciou sobre a culpa efectiva e presumida da demandada – limitando-se a analisar a questão da responsabilidade objectiva.

  7. A omissão de pronúncia sobre as questões acima referidas – e cuja relevância para a decisão da causa escusado será de salientar – implica nulidade: cfr. art. 379 n° 1 al c) do CPP e 615 n° 1 aI d) do CPC.

  8. A matéria do ponto 33 da matéria de facto é contraditória com a dos pontos 44 e 45.

  9. A versão alterada do ponto 65, para além de obscura em si mesma, torna incompreensível a sequência fática entre ele e os pontos 62 a 64 - afinal, quais os “procedimentos” que foram cumpridos? E, para além da ausência do rachão, qual ou quais não foram cumpridos? 13. Essa versão, juntamente com os pontos 35 a 37 contraria os pontos 184 e 189.

  10. A matéria do ponto 47 não é conciliável com a dos pontos 62 a 70 – maxime pontos 65 e 66.

  11. A matéria dos pontos 186 a 193 é contrária ou inconciliável com a dos pontos 39, 66 e 17.

  12. A matéria dos pontos 73 (e 36, 37, 40, 67 a 70) é inconciliável com a do ponto 184.

  13. Estas contradições trazem dúvidas insanáveis.

  14. As dúvidas e contradições, todas elas centradas no âmago da questão em apreço, traduzem não só “contradição insanável da fundamentação”, mas também, a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” – com as consequências previstas nos art°s 426 e 430 do CPP.

  15. O demandado AA no que se refere ao muro entre os G1 e G2, cumpriu, no essencial, o conteúdo da ordem dada pelo director de obra, Eng. UU com excepção apenas no que se refere à colocação do rachão.

  16. E a execução do trabalho foi tecnicamente correta, não tendo surgido quaisquer problemas de segurança.

  17. Mas o mesmo não sucedeu no que se refere ao muro entre os G2 e o G3 – onde existiram violações graves das boas regras de construção e das normas de segurança.

  18. Assim, a mesma pessoa – o demandado AA – que entre os G1 e G2 cumpriu, no essencial, o conteúdo da ordem do director da obra e as regras de segurança, não o fez entre os G2 e G3.

  19. E ele mesmo adoptou um processo seguro de escoramento entre os G1 e G2 e inseguro entre os G2 e G3.

  20. Ao fazê-lo praticou um acto pessoal e consciente, agindo de sua livre e espontânea vontade.

  21. A vítima, quando subiu a escada encostada ao muro testa para segurar a manga de projecção do betão para o espaço entre os G2 e o G3, fê-lo em obediência a ordens que lhe foram dadas pelo demandado AA que, como encarregado de frente, era seu superior hierárquico (pontos 50 e 51).

  22. A actuação do demandado AA foi ilícita e culposa.

  23. A forma como a execução do muro entre o G2 e o G3 implicava uma elevadíssima probabilidade de colapso.

  24. Por isso, nada poderia justificar que ele ordenasse à vítima que subisse à escada colocada em frente ao painel de escoramento durante a operação de betonagem.

  25. O demandado AA era um prático com longos anos de experiência, tendo capacidade e conhecimentos para agir sem por em causa a vida da vítima.

  26. E se alguma dúvida restasse, ela seria removida pela acta da reunião de 05/07/2006.

  27. Ao decidir em sentido contrário, o douto acórdão recorrido interpretou erradamente e violou os art°s 483 n° 1, 487 n° 2 e 493 n° 2 do C.C.

  28. A demandada BB incorreu em responsabilidade civil com base em culpa efectiva e presumida e pelo risco.

  29. Esta última deriva da culpa, também efectiva e presumida, do demandado AA 34. E aquela decorre quer do facto de se terem demonstrado factos (pontos 53 e 73) que a evidenciam quer da não elisão da presunção de culpa decorrente do art. 493 n° 2 do C.C.

  30. Ao decidir em sentido contrário, interpretou erradamente e violou os art°s 483 n° 1 e 493 n° 2 do C.C.

  31. O douto acórdão recorrido deve ser revogado, proferindo-se decisão que condene os demandados nos pedidos de indemnização formulados».

    Respondendo, os recorridos BB, SA, e AA defenderam a rejeição do recurso, por inadmissibilidade, ou a sua improcedência.

    Neste Supremo Tribunal, o relator, por decisão sumária de 15/10/2015, rejeitou o recurso de revista normal, por inadmissibilidade, e determinou que, após o trânsito em julgado dessa decisão, o processo fosse apresentado à formação de juízes conselheiros a que se refere o nº 3 do artº 672º do CPC, por lhe caber apreciar o pedido de revista excepcional.

    No Supremo Tribunal de Justiça, apresentado o processo àquela formação, foi decidido admitir a revista excepcional.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    Fundamentação: Foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): 1. Estradas de Portugal, E.P.E., adjudicou a um consórcio (NN SA, OO SA, PP SA) a construção da variante à EN 213 - lanço Valpaços/IP4 (Mirandela).

  32. Na organização do consórcio, as duas primeiras empresas executaram trabalhos de terraplanagem e, a última, as obras de arte.

  33. A Contacto, por sua vez, subempreitou na BB Lda. a construção de, pelo menos, parte das obras de arte, designadamente a passagem superior n° 1 (PS1) junto do Rio Torto.

  34. O representante legal do subempreiteiro é BB, administrador da empresa.

  35. O director geral da obra a cargo da PP, SA, era o Eng. ZZ, que era funcionário desta empresa.

  36. O director da obra que a PP, SA, subempreitou à BB Lda. era o arguido Eng. UU, que era funcionário desta empresa.

  37. O encarregado geral da obra que a Contacto, SA, subempreitou à BB, SA, era o Sr. YY, que era funcionário desta empresa.

  38. O encarregado daquela frente da obra que a PP, SA, subempreitou à BB, SA, era o arguido AA, que era funcionário desta empresa.

  39. A fiscalização da obra estava a cargo da empresa FF SA.

  40. O Eng. XX era o coordenador de segurança indicado pela FF 11. O Consórcio composto por PP, NN e OO, por um lado, e a BB, SA, por outro, haviam designado, respectivamente, para a área da segurança: - Drª VV gestora de segurança; - SS – técnica de segurança.

  41. Ambas estavam subordinadas ao coordenador de segurança.

  42. O acidente ocorreu no dia 9 de Junho de 2006, junto a ..., na construção da PS1.

  43. Para suporte do tabuleiro da PS1, haviam já sido construídos três pilares em betão que, pelas suas dimensões, se denominam gigantes - G1, G2 e G3.

  44. Os gigantes eram encimados por um muro em betão, com cerca de três metros de altura.

  45. Na parte de traz (a tardoz) dos gigantes, e até ao topo do muro testa, tinha sido feito um aterro com terra.

  46. E o mesmo aconteceu na parte da frente dos gigantes, onde foi criado um “salva taludes” a partir da zona que havia sido escavada para a sua construção.

  47. Ficou em aberto ou em oco a zona entre o G1 e o G2 e entre o G2 e o G3, para além (para fora e para cima) dos aterros referidos em 16 e 17.

  48. Para suporte do aterro referido no art. 16°, foi decidida, pelo eng. Carlos Sousa, a construção de muros de betão ciclópico (cimento e rachão), entre os gigantes, para cima do nível do salva-taludes até à base do muro testa.

  49. As terras que o compunha não tinham a solidez necessária para evitar desmoronamentos.

  50. A construção dos muros implicava a montagem, entre os gigantes e o muro testa, de painéis de cofragem...

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