Acórdão nº 286/10.2TBLSB.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução29 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) instaurou, em 24/02/ 2010, no então Tribunal Judicial de Lousada, ação popular, ao abrigo da Lei n.º 83/95, de 31-08, seguindo a forma de processo ordinário, contra BB e cônjuge CC (R.R.) alegando, em síntese, que: .

O acesso ao Lugar …, na freguesia de Lustosa, no Município de Lousada, sempre foi efetuado através de um caminho cadastrado sob o n.º 88 dos caminhos públicos daquela freguesia, conforme certidão de fls. 10, com a extensão de cerca de dois quilómetros e a largura média de três metros e meio, com início no lugar de Agros da mesma freguesia, onde diverge, através de um entroncamento, da Estrada Nacional n.º 106 que liga as localidades de Vizela e Pousada; .

O referido caminho se desenvolve num troço inicial descendente, empedrado por paralelepípedos de granito, de cerca de cem metros, prosseguindo depois em terra batida com uma parte quase rectilínea, atravessada por uma linha de água, e com diversas flexões à direita e à esquerda, até terminar no centro do povoado; .

Tal caminho têm sido utilizado, desde tempos imemoriais, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, pelos moradores do Lugar … e pelo público em geral, com trânsito a pé e em carros de bois e outros veículos motorizados e de tração animal; .

Por isso, o segmento térreo desse caminho apresenta um leito compactado e trilhado por pessoas, animais e rodados dos referidos veículos, sendo bordejado, de ambos os lados, por prédios rústicos dos R.R.; .

Todavia, há cerca de cinco anos, os R.R. colocaram duas cancelas metálicas, fechando o trânsito e a possibilidade de ali circular, apossando-se, desse modo, do indicado caminho. .

Tal comportamento constitui violação do domínio público, nos termos do previsto no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 83/95, de 31-08; Concluiu a A. pedindo que: a) - se declare que o referido caminho pertence ao domínio público da freguesia de Lustosa; b) - os RR. sejam condenados a retirar as cancelas que colocaram junto ao início e ao termo de tal caminho e a não obstarem, por qualquer outro meio, ao trânsito através do mesmo de pessoas, animais e veículos.

E pediu ainda que fossem citadas a Junta de Freguesia de Lustosa e a Câmara Municipal de Lousada, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 83/95, de 31/08, para intervirem, querendo, como titulares do interesse difuso em causa, ou declararem se aceitam ser representadas pela A. ou se excluem tal representação. 2.

Os R.R. contestaram mediante impugnação motivada da generalidade dos factos alegados pela A, pugnando pela improcedência da ação e sustentando que: .

Não existe nem nunca existiu caminho que, através do trajeto descrito pela A., estabelecesse a ligação entre o lugar das Agras e da Costa; .

O acesso ao lugar da Costa é feito através da Rua da Costa, cujo trajeto nada tem a ver com o descrito pela A., e que o acesso ao lugar de Agras também se faz pela Rua de Agras, num percurso de cerca de 110 metros, com leito em calçada e electrificado, terminando naquele lugar, sem continuação; .

Em 28/02/1997, os R.R. compraram uma propriedade denominada “Quinta …”, a qual se encontrava, há alguns anos sem ser cultivada e em estado de abandono, tendo-se limitado a proceder à sua vedação, sem interferência com qualquer caminho público ou servidão; .

O caminho referido como caminho público cadastrado na fotocópia da certidão de fls. 10 não tem o trajeto descrito pela A. nem passa entre os prédios rústicos dos R.R.. 3.

A A. replicou, reiterando o petitório e a Câmara Municipal de Lousada declarou (fls. 36) não pretender intervir nem aceitar ser representada pela A..

  1. Citado o MP, nos termos do n.º 1 do art.º 16.º da Lei n.º 83/95, limitou-se a apor o seu visto a fls. 40.

  2. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador tabelar, com a fixação do valor da causa, e seguidamente selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória (fls. 41-44).

  3. Realizada uma inspeção ao local, conforme ata de fls. 151-153, procedeu-se, de seguida, a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, após o que foi proferida a sentença de fls. 168-179, datada de 10/03/2014, na qual foi inserida a decisão de facto e respetiva motivação, a julgar a ação totalmente procedente e, por via disso, decidindo: a) – declarar que o caminho mencionado nos factos provados sob os pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 pertence ao domínio público da freguesia de Lustosa; b) – condenar os R.R. a retirarem as cancelas que colocaram junto ao início e ao termo de tal caminho e a não obstarem, por qualquer outro meio, ao trânsito, através do mesmo, de pessoas, animais e veículos.

  4. Inconformados com tal decisão, os R.R. recorreram para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando os factos dados como provados sob os pontos 3 a 15, 17 e 18 da sentença, sustentando que tais factos fossem dados como não provados, tendo sido proferido o acórdão de fls. 261-276, datado de 26/01/2016, a considerar esses factos como não provados, revogando a sentença recorrida e julgando a ação improcedente com a consequente absolvição dos R.R. dos pedidos.

  5. Desta feita, inconformada agora a A., veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - O STJ pode censurar o uso de presunções judiciais pela Relação, sempre que feito em condições irregulares, quer quanto aos pressupostos, quer quanto ao concreto raciocínio efectuado (cfr. Ac. STJ de 24.05.2007: Proc. 07A979.dgsi.net).

    1. - Para fixar os factos materiais da causa, o Tribunal da Relação socorreu-se de presunções judiciais falazes quanto aos pressupostos em que assentaram.

    2. - Uma dessas presunções, que se deflui da argumentação discursiva, parte do suposto erróneo de que todos os caminhos públicos estão ligados em rede, para concluir pela ausência da alegada dominialidade do caminho dos autos, dado que tal circunstância se não verifica in casu.

    3. - A segunda presunção tem como pressuposto o facto falacioso de que todos os caminhos públicos têm óptimas condições de transitabilidade - que se provou não existirem no caminho sub judicio.

    4. - Por último, releva-se o desinteresse e a inércia da Junta de Freguesia e da Câmara perante a alegada ofensa ao domínio público, com a apropriação individual do caminho do dissídio, para se negar a natureza pública de tal caminho - sendo que tal presunção é ilidida pela própria lei (cfr. Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto), quando atribui a possibilidade aos cidadãos, individual ou associadamente, de velarem pelos interesses difusos e esta atribuição legal pressupõe, ao menos de modo subliminar, que as entidades públicas não defendam, como lhes cumpre, os bens que tutelam.

    5. - Mesmo que assim não fosse, sempre seria de considerar que, na sua petição inicial, a apelada clama já contra a inércia das entidades públicas, que atribui - e continua a atribuir a comprometimentos espúrios.

    6. - A certidão junta com a p.i., sob o documento n.º 2, é um documento autêntico, que faz prova plena quer dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, quer dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (cfr. artigo 371.º, n.º 1, do CC).

    7. - A força probatória desse documento só poderia ser ilidida com base na sua falsidade (cfr. artigo 372.º, n.º 1, do CC), em incidente que não foi deduzido nos autos.

    8. - Está, portanto, assente, por prova tarifada, que o "caminho que liga o lugar das Agras, desde a EN 106 ao lugar da Costa, no limite da freguesia de Barrosas, Santa Eulália (Barrosas) se encontra cadastrado com o n.º 88 dos caminhos públicos de Lustosa".

    9. - Esse caminho está bem balizado, quer quanto ao seu início - lugar das Agras, desde a EN 106 -, quer quanto ao seu termo - lugar da Costa, no limite da freguesia de Barrosas, Santa Eulália (Barrosas).

  6. Considerado provado, como tem de ser, o facto referido no n.º 14 da fundamentação da sentença da 1.ª instância, torna-se notória uma flagrante contradição entre tal facto e os demais, alterados pela decisão sob recurso, e do respectivo conjunto com a própria decisão a se.

    1. - O acórdão sob sindicância viola o disposto nos artigos 349.º, 351.º, 370.º e 371.º do CC, bem como os artigos 607.º, n.º 5 {in fine), e 615.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPC.

    Pede a Recorrente que seja revogado o acórdão recorrido e substituído por decisão que o caminho em causa como pertencente ao domínio público, julgando a ação totalmente procedente.

  7. Por seu lado, os R.R./Recorridos contra-alegaram, a pugnar pela confirmação do julgado, rematando com a seguinte síntese conclusiva: 1.ª - Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 662.º, n.º 4 e 674.º, n.º 3, do CPC, o STJ não pode sindicar o modo como a Relação apreciou a impugnação da decisão da matéria do tacto sustentada em meios de prova sujeitos a livre apreciação; 2.ª - A prova por presunções judiciais é aquela em que, num quadro de conexão entre factos, uns provados e outros não provados, a existência dos primeiros, com considerável grau de probabilidade, segundo a experiência comum, juízos correntes de probabilidade, princípios do lógica corrente e os dados da intuição humana, fazem admitir a existência dos últimos; 3.ª - O acórdão impugnado não recorre a presunções judiciais para alterar a decisão da matéria de facto da 1.ª instância; 4.ª - Antes conclui, contrariamente ao decidido pela 1.ª Instância, que a prova produzida não é segura e é manifestamente insuficiente para dar como provados os pontos 3 a 15, 17 e 18 de fundamentação de facto; 5.ª - Destarte, com a presente Revista, a A.

    apenas pretende impor a sua própria convicção sobre a prova produzida; 6.ª - A fotocópia da certidão exarada pela Chefe de Secção de Apoio Administrativo da Câmara Municipal de Lousada onde se pode ler que "certifica-se que “o referido caminho se encontra cadastrado com o n.º 88 dos caminhos públicos de Lustosa”, apenas exprime o conhecimento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
9 temas prácticos
9 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT