Acórdão nº 459/14.9PBEVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução29 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA, natural do ..., nascida em ..., residente no ..., e actualmente em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de ..., foi julgada no âmbito do processo em epígrafe, da Instância Central de ...., Secção Cível e Criminal –J1, da Comarca de ..., por acórdão do tribunal colectivo de 17.03.2016, e que decidiu: “1) Condenar a arguida (…), pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; 2) Condenar a arguida (…), pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de ameaça agravada, p. e p., pelo artigo 155º, n.º 1, a), por referência ao artigo 131º, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão por cada um deles; 3) Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, operando o cúmulo jurídico, condenar a arguida (…) na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; 4) Ao abrigo do disposto no artigo 152.º, n.º 6, do Código Penal, condenar a arguida (…) na sanção acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais, relativamente à sua filha BB, pelo período de 7 (sete) anos; Inconformada, a arguida recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça em cuja motivação formulou as seguintes extensas e prolixas conclusões (transcrição onde se omitem, contudo, as conclusões n.ºs 25 e 38 e 39, por se tratarem de transcrição de acórdãos): “1. O douto acórdão que antecede, no que tange à apreciação que realiza da prova que sustenta a prática pela arguida de um crime de violência doméstica, está essencialmente estribado nas declarações prestadas para memória futura pela menor BB, a 30 de Junho de 2015, então com nove anos de idade. 2. As declarações da menor, que não se encontram confirmadas pela restante prova testemunhal produzida, mormente no que tange à requerida pela defesa, são insuficientes para o Tribunal concluir, como o faz no douto acórdão, pela condenação da arguida no que tange à prática de um crime de violência doméstica agravada, na pena de quatro anos de prisão.

3. Atento o previsto no Artigo 434º do C.P.P., devem ser reapreciados os testemunhos requeridos pela defesa e que se encontram plasmados no douto acórdão recorrido a folhas 19 e 20, pelos quais, pode ser concluído facilmente que a arguida, como regra, foi sempre diligente com a filha BB. 4. O douto acórdão recorrido, no segmento a que no ponto anterior se alude, padece de erro notório na apreciação da prova, em face do que decorre do seu texto, ao obter conclusões ilógicas em face da prova produzida pela defesa. 5. Tal incongruência resulta de uma apreciação errada e notória dos factos que brota no próprio texto da decisão, apreensível de imediato, por incompatibilidade no espaço, de tempo e circunstâncias entre os factos.

6. Está plasmado no texto do douto acórdão recorrido haver sido determinado em perícia psicológica realizada à arguida o Q.I. de 80-89 revelador de uma capacidade intelectual que se situa na denominada zona normal inferior, havendo sido considerada pouco evoluída do ponto de vista intelectual. 7. Nomeadamente tal elemento factual, que pode ser reapreciado nos termos do previsto no Artigo 484º [será 434.º] do C.P.P., porque decorre do plasmado no texto do douto acórdão recorrido, é muito relevante para aferir alguns dos comportamentos da arguida, na perspectiva do homem médio, pressuposto pelo direito.

8. O douto acórdão do Tribunal a quo, atento nomeadamente ao Q.I. determinado à arguida e a todo o circunstancialismo apurado, determina de forma ilógica a culpa da arguida. 9. A errada determinação da culpa da arguida condiciona amplamente a douta decisão recorrida, mormente na parte que tange à fixação das penas parcelares. 10. Por referência ao previsto no Artigo 434º do C.P.P. e ao vertido no douto acórdão recorrido, nomeadamente a folhas 4, as afirmações dirigidas pela arguida em visível estado de embriaguez para a psicóloga EE.

11. Considerando que não pode ser considerado provado, até por respeito ao princípio in dubio pro reo, que a arguida se embriagou com o propósito de praticar os factos.

12. Segundo as regras de experiência comum, é possível entender que a arguida, em tais momentos, se encontrava afectada na vontade de se determinar, na capacidade para avaliar a sua ilicitude, ou de se determinar de acordo com essa avaliação.

13. Por força do previsto no Artigo 20º/1 do Código Penal, o facto praticado em estado de inimputabilidade no momento da sua prática, não releva criminal[mente]. 14. Tais factos e a prova que sobre os mesmos incidiu, atento o plasmado no douto acórdão recorrido, não se mostram aptos a concluir que a arguida se colocou propositadamente em estado de inimputabilidade, tendo em vista a prática dos factos, não sendo, assim, possível concluir pela sua imputabilidade, por força do previsto no Artigo 20º/4 do C.P.

15. No que tange aos factos praticados via telefone pela arguida em 03 de Junho de 2015, sindicável pelo STJ, conforme previsto no Artigo 434º do C.P.P., já que se colhe do texto do douto acórdão recorrido, nomeadamente face ao plasmado a folhas 7, 16. Factos, enquadrados no libelo acusatório, confirmados no douto acórdão recorrido, como aptos ao preenchimento dos elementos típicos respeitantes ao crime de ameaça agravada, 17. [Porém], tal conclusão, segundo as regras da experiência comum não se mostra lógica, 18. Porque, conforme plasmado no douto acórdão recorrido, a chamada telefónica efectuada nessa data pela arguida, atendida pela Dr.ª ..., não demonstra de forma evidente que a expressão proferida pela arguida foi a esta objectivamente dirigida. 19. Aliás, a expressão proferida pela arguida permite concluir pelo contrário, até porque a expressão é comum, não visa alguém em concreto, mostrando-se claramente inapta para o preenchimento de qualquer um dos requisitos típicos a que se alude no Artigo 153º do Código Penal. 20. Na perspectiva do homem médio, pressuposto pelo direito, a expressão comum a que a arguida aludiu, não é adequada para provocar medo ou inquietação, ou para prejudicar a liberdade de determinação de uma pessoa, havendo que se concluir que os requisitos típicos previstos no Artigo 153º do Código Penal não se encontram preenchidos. 21. O douto acórdão recorrido, ao decidir condenar a arguida na pena parcelar de quatro anos de prisão, no que tange à prática de um crime de violência doméstica agravada, viola mormente o previsto no Artigo 40º do Código Penal. 22. Efectivamente, tal pena de prisão, determinada em medida muito próxima ao seu limite máximo abstracto, 23. Demonstra uma violação grosseira da medida da culpa que pode ser determinada à arguida.

24. E igualmente olvida o princípio basilar no que tange à reintegração do agente na sociedade. E a culpa; 25. (…) 26. O douto acórdão recorrido, nomeadamente nesta parte, é amplamente violador dos princípios essenciais visados pela aplicação das penas. 27. O Tribunal a quo ao decidir pela aplicação das penas parcelares de prisão de um ano e quatro meses por cada um dos dois crimes de ameaça age em violação pelo previsto nos Artigos 40º e 70º do Código Penal. 28. Nomeadamente porque a arguida não tem nenhum antecedente criminal que respeite à prática de qualquer crime de ameaça é adequado que, a haver lugar à sua condenação, a pena de multa se mostra apta a atingir qualquer um dos fins pretendidos pelo direito, mormente por força do previsto nos Artigos 40º, 70º, 153º e 155º/1-a), todos do Código Penal.

29. A pena facultativa acessória prevista no Artigo 152º/6 do C.P., de inibição do exercício das responsabilidades parentais, foi fixada no douto acórdão recorrido em sete anos.

30. Tal pena acessória não se encontra suficientemente estribada e mostra-se desnecessária, excedendo amplamente a medida da culpa da arguida. 31. A pena acessória encontra-se calculada em evidente violação pelo previsto no Artigo 40º do Código Penal, nomeadamente porque extravasa amplamente a culpa da arguida. 32. O douto acórdão recorrido, também neste segmento decisório, forma a convicção ilógica no que tange à determinação da culpa da arguida. 33. Acresce ainda que se encontra a tramitar no Tribunal cível um processo de promoção e protecção a favor da menor BB.

34. É no âmbito deste processo que melhor se podem avaliar os diversos factos no que respeita ao exercício das responsabilidades parentais.

35. Tudo sopesado, deve a pena acessória ser alterada, fixando-se esta no seu limite médio inferior, em medida não superior a quatro anos. 36. A pena única de prisão efectiva de cinco anos e seis meses demonstra a violação acentuada, em especial, do previsto no Artigo 77º/1 do Código Penal. 37. O douto acórdão recorrido, especialmente na matéria que respeita à determinação da pena única, age em violação aos entendimentos vertidos em doutos acórdãos proferidos neste Supremo Tribunal de Justiça (…). 38. (…) 39. (…) 40. O douto acórdão do Tribunal a quo, ao decidir aplicar a pena única de cinco anos e seis meses de prisão efectiva à arguida, viola amplamente, o juízo de prognose favorável ao comportamento futuro da arguida.

41. A que acresce haver a arguida vivido muitos anos num evidente quadro de fragilidade, o que se colhe do douto acórdão recorrido.

42. A arguida não tem nenhum antecedente criminal de relevo, o que se colhe também no texto do douto acórdão recorrido. 43. O douto acórdão do Tribunal a quo, ao verter um entendimento parcial na apreciação dos factos, viola o previsto no Artigo 202º/2 da Constituição da República Portuguesa. 44. Porque pondera de forma insuficiente a prova testemunhal produzida pela defesa, padece o douto acórdão recorrido de erro notório na apreciação da prova, facto que se mostra sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, por força do previsto no Artigo 410º/2 do C.P.P.

Nestes termos e nos melhores...

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