Acórdão nº 1448/12.3TBTMR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução22 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e BB, ambos menores e representados por sua mãe, CC, instauraram contra DD e sua mulher, EE, uma acção na qual pediram que se declarasse que são os proprietários do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 30…, devidamente identificado nos autos, por lhes ter sido doado em 18 de Novembro de 2011 pelos pais, CC e FF, “como forma de resolver as partilhas do seu divórcio”; e que se condenasse os réus a restitui-lo desocupado, por o deterem sem título bastante, nele residindo desde 2007.

Explicaram ainda que precisam de “tirar algum rendimento do imóvel, seja através de arrendamento, seja pela alienação ou fruição, como forma de manter a sua sobrevivência”; e que “os réus foram notificados por carta registada com A/R para entregaram o imóvel”, mas não o fizeram.

Na contestação, por entre o mais, os réus invocaram um contrato de comodato de parte do imóvel (casas e horta), celebrado entre o réu marido e GG (sua irmã) e marido, HH, depois de lhes ter vendido o referido imóvel, em 29 de Novembro de 1993, através do qual ficou acordado que o réu tinha o direito vitalício de continuar a residir e a utilizar o prédio, estendido ao seu cônjuge. Disseram ainda que FF, pai dos autores, havia por sua vez comprado o prédio em 18 de Setembro de 2009, sucedendo na posição contratual dos comodantes.

Notificados nos termos do disposto no nº 4 do artigo 5º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e por requerimentos de fls. 109 e 112, respectivamente, os réus e os autores manifestaram o entendimento de que a causa deveria ser julgada no despacho saneador.

Pelo despacho de fls. 100, foi determinada a citação de FF, pai dos autores, para, querendo, ratificar o processado; citado, FF nada disse, considerando-se assim ratificada a petição inicial (nº 3 do artigo 23º do Código de Processo Civil anterior).

Não se encontra no processo qualquer manifestação de desacordo entre os pais dos autores quanto à respectiva “orientação” (cfr., artigos 12º do anterios Código de Processo Civil e 18º, nº 2, do actual).

A fls. 114 foi proferido saneador-sentença, julgando a acção procedente, nestes termos: “Ora, quanto à titularidade do imóvel pelos autores, dúvidas inexistem que os mesmos são os (…) legítimos donos” do imóvel. Tendo sido contraposta, pelos réus, “a existência de um contrato de comodato”, “o que cabe neste momento apreciar é se o contrato de comodato tem efeitos em relação aos novos adquirentes do imóvel, nomeadamente os autores, ou se apenas vincula quem o outorgou. (…) em relação aos autores, novo donos do imóvel, esse contrato não lhes é oponível(…). No caso dos autos, os autores em momento algum, em face do alegado, se comprometeram para com os réus a assumir o contrato de comodato que existia anteriormente e o seu comportamento em nada permite que se entenda que agem com abuso de direito, salientando-se que em nada releva a posição de seu pai, descrita em 8) dos factos provados. Pelo exposto, se conclui que o contrato de comodato referido em 5) dos factos provados não é oponível aos autores, devendo, por isso, os réus restituírem-lhes o imóvel livre de pessoas e coisas, por em relação aos mesmos, carecerem de título que lhes legitime a constituição da ocupação e fruição do imóvel. Julga-se, pelo exposto, a acção totalmente procedente”.

Esta decisão foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 163: «C - Aplicação do direito aos factos Importa começar por referir que a defesa dos demandados DD e mulher, EE, em sede de contestação, alicerçou-se, em termos jurídicos, na circunstância de FF, pai dos Autores, ter “sucedido”, ao adquirir, em 18 de Setembro de 2009, o prédio ora reivindicado, na posição contratual que havia sido estabelecida entre os anteriores proprietários e o Réu marido, tendo este e mulher, por isso, título legitimo “para dele se servirem – artigo 1129º e seguintes do Código Civil”.

Além disso, e quanto à matéria de facto, não foi alegado, na mesma peça processual, qualquer acordo de vontades, entre os novos proprietários do prédio reivindicado e os referidos demandados, aquando das escrituras de 18 de Novembro de 2010 e de 18 de Setembro de 2009 ou posteriormente, constitutiva de uma relação jurídica obrigacional, “que legitime a recusa da restituição”. Na verdade, não se deduz da carta de 20 de Maio de 2011, com toda a probabilidade, a constituição de tal relação.

Assim sendo, a relação jurídica obrigacional legitimadora da recusa da restituição caducou, com a escritura de 18 de Setembro de 2009, sendo certo que outra não foi constituída.

Inexiste, pois, qualquer relação jurídica real ou obrigacional “que legitime a recusa da restituição”.

Os demandados, em sede de alegações, chamaram à colação o instituto do abuso de direito. Sem razão.

Na verdade, a pretensão dos demandantes AA e BB, ao reivindicarem o prédio (ou parte dele), a fim de extraírem, certamente, benefícios económicos, nada tem de antiético, ainda que o mesmo seja detido por familiar próximo dos reivindicantes. O “ideal de justiça” não fica beliscado.

Acresce, ainda, que, nestas circunstâncias, não se vislumbra que os ditos demandantes exerçam o seu direito de propriedade “fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apoditicamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante”.

Inexiste, pois, qualquer comportamento típico do abuso de direito.

Em síntese[1]: a relação jurídica obrigacional, decorrente de contrato de comodato, caduca com a transmissão da propriedade do imóvel, não sendo, por isso, oponível ao novo proprietário; nada tem de antiético ou ofensiva da “justiça e do sentimento jurídico dominante”, com a inerente inaplicabilidade da figura do abuso de direito, uma acção de reivindicação, a fim de se extrair benefícios económicos do prédio reivindicado, ainda que este seja detido por um familiar próximo dos reivindicantes.

Decisão Pelo exposto, decidem os juízes desta Relação, julgando a apelação improcedente, manter a sentença recorrida.» 2. Ao abrigo das alíneas b) e c) do artigo 672º do Código Civil, os réus interpuseram recurso de revista excepcional, invocando contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Maio de 2006, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 3834/2006-7 – cujo texto...

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