Acórdão nº 1005/12.4TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução18 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA e mulher BB intentaram a presente acção declarativa contra CC e marido DD e EE, formulando o pedido de declaração de nulidade de um contrato de compra e venda de imóvel outorgado por escritura pública de 5-4-95 e de outro contrato de compra e venda de outro imóvel outorgado por escritura pública de 9-8-01, sendo ordenado o cancelamento de todas as inscrições de aquisições lavradas no respectivo registo predial com base nas referidas escrituras.

Alegaram para o efeito que o A. marido e a 1ª R. são filhos de FF, falecido em 7-5-08, e da 2ª R.

Depois de em 1995 os pais do A. e da 1ª R. terem vendido à 1ª R. um prédio, por escritura pública de 9-8-01, declararam vender-lhe também o prédio urbano constituído por casa com dois pavimentos, dependências e quintal, destinado a habitação, sito no lugar de …, da freguesia de …, Póvoa de Varzim, e o prédio rústico, denominado Campo das …, de lavradio, mato e eucalipto, sito no lugar de …, da freguesia de …. No mesmo dia, de imediato, e em acto contínuo, por escritura pública lavrada no mesmo livro nº 152-E, a 1ª R. declarou doar aos seus pais o direito de uso e habitação destes mesmos dois prédios.

Acontece que, desde sempre e até ao último dia de vida, o pai do A. sempre viveu e usou a casa e os campos deste, tal como a 2ª R.

A casa e campos de seus pais, únicos bens de valor que aos mesmos pertenciam, foram vendidos ficticiamente por aqueles à filha destes, 1ª R., irmã do A., visando todos eles evitar, através de simulação, que o A. viesse a herdar e a receber qualquer parte na partilha dos bens daqueles.

Mas para além de factos que directamente respeitavam ao referido vício de simulação os AA. alegaram ainda que “a razão de ser da proibição de os pais venderem aos filhos, sem autorização dos demais filhos – acolhida no nosso direito desde as Ordenações Filipinas e hoje com assento no art. 877º do CC – foi, desde sempre, referida como visando obstar á prática de vendas simuladas em prejuízo das legítimas dos descendentes, ou seja, de evitar que, através de doações encobertas se afectassem essas legítimas, quando fossem partilhados os bens dos simuladores alienantes”. E que “perante o relatado, evidente se torna que os pais e irmã do A. gizaram e executaram um plano que visou contornar essa proibição legal, defraudando, dessa feita, a lei e os legítimos interesses do A., sendo estes protegidos por lei”.

Os RR. CC e marido contestaram e deduziram pedido reconvencional, alegando que a R. esteve durante vários anos emigrada em F… com seu marido e filhos e, quando regressou a Portugal, por volta de meados do ano de 1994, passou a habitar na freguesia de …, deste concelho, passando a dedicar atenção, companhia e cuidados aos seus pais.

Quando em 2001 os pais do A. marido e da R. mulher decidiram vender a esta a sua casa de habitação e o Campo das …, ficou expressamente exarado na respectiva escritura que o preço da compra e venda seria pago em 66 prestações mensais, iguais e sucessivas de 150.000$00 cada, com vencimento no último dia do mês a que respeitar, vencendo-se a 1ª no final do mês de Agosto de 2001, mais tendo ficado exarado nesse título “que o montante das referidas prestações poderá ser substituído por prestação mensal pela compradora, de todos os serviços pessoais e domésticos, seja na saúde, seja na doença, a efectuar pela mesma aos vendedores, no dia-a-dia”. Ficou ainda exarado que “a presente venda é feita com intuitu personae, tendo em vista a prestação dos referidos serviços pela pessoa da compradora aos vendedores, ou no caso de esta se encontrar impossibilitada de o fazer, por pessoa a indicar pelos vendedores, mas cujo custo será suportado pela compradora, ficando esta desde já autorizada a contratar pessoa, que sob a direcção dela e dos vendedores preste a estes, serviços na manutenção, limpeza e serviços na residência”. E declararam ainda os pais de A. marido e R. mulher que, tendo em vista a idade deles vendedores e as dificuldades de cuidarem deles próprios, desde já declaram que a compradora iniciou desde um de Agosto corrente, a prestação dos referidos serviços. Mais ficou acordado entre vendedores e compradora e a constar dessa escritura que “no caso de ocorrer o falecimento de qualquer um dos vendedores, mantêm o valor da prestação e a substituição.” E ainda foi declarado pelos vendedores que “se antes de decorrido o pagamento da totalidade do preço estipulado, os vendedores falecerem, o montante em débito das prestações é doado à outorgante compradora, por conta da quota disponível deles vendedores.” Por essa mesma escritura, a aqui R. mulher doou aos seus pais o direito de uso e habitação, simultâneo e sucessivo, dos prédios que nesse mesmo dia seus pais lhe tinham vendido, doação essa que garantiu aos vendedores a possibilidade de continuarem a utilizar não só o Campo das … como a casa onde sempre habitaram até à morte do pai, tendo, pouco depois disso, a mãe passado a habitar na companhia e em casa da filha, aqui R. contestante, pelo simples facto de esta casa dispor de melhores condições de habitação e conforto e também para beneficiar da companhia e evitar a solidão quotidiana que a continuação da utilização da anterior casa lhe traria, após a morte do marido, sendo certo que nunca até hoje a mãe da R. contestante renunciou ao seu referido direito de habitação sobre aquela mencionada casa.

Foi em virtude de todo esse clausulado na mencionada doação que o falecido pai e a mãe do A. marido e da R. mulher sempre habitaram aquele prédio urbano, e foi também por isso que o seu falecido pai sempre deu a terceiros, por sua exclusiva e livre iniciativa, a possibilidade de cultivo daquele prédio rústico.

No que respeita ao Campo do …, o pai da R. mulher, ainda antes de lho ter vendido e porque já não trabalhava essa terra directamente, tinha cedido a sua exploração, de forma gratuita, a um vizinho e conterrâneo, que o continuou a explorar mesmo depois da compra feita pela R. mulher, com o consentimento desta.

E quanto ao Campo das …, o pai da R. mulher e A. marido foi-se entretendo a trabalhá-lo à medida das suas possibilidades e condições de saúde, até cerca de 4 anos antes de falecer.

Só uma filha com um sadio relacionamento com os pais e com a consciente noção da responsabilidade de ser filha poderia ter uma conduta tão clara e linear como a que teve a R. mulher e deixou evidenciada pelo teor dos títulos aqui em apreciação, e não de um filho, como é o caso do A. marido, que há mais de 40 anos que se incompatibilizou com os pais, a quem nunca mais dirigiu uma palavra e para quem os pais passaram a ser dois estranhos.

Alegaram ainda que relativamente a qualquer dos prédios sempre os vendedores fizeram constar publicamente que os haviam entregue à R. mulher para que deles cuidasse até à morte, facto que era do conhecimento público de todas as pessoas da Freguesia e que foi levado ao conhecimento dos AA. através de pessoas amigas logo após a escritura de 9-8-01.

Deduziram reconvenção pedindo que se declarasse que os reconvintes adquiriram o direito de propriedade sobre os três prédios melhor supra identificados pela via originária da usucapião.

A 2ª R. EE também contestou e requereu a intervenção principal provocada dos seus outros filhos, na sua qualidade de herdeiros do falecido marido, a fim de assegurar o litisconsórcio necessário passivo. Alegou ainda que todos os filhos tiveram conhecimento dos contratos de compra e venda, quer a de 10-4-95, quer a de 9-8-01. Por este facto, reportando-se precisamente à venda de pais a filhos prevista no art. 877º do CC, invocou a excepção de caducidade relativamente à venda de 5-4-95 Os Intervenientes contestaram e alegaram que consentiram na venda realizada em 1995, mas foram totalmente surpreendidos pela venda realizada em 2001, relativamente à qual não deram o consentimento e a qual nunca lhes foi comunicada. Consideram que a venda de pais a filhos sem conhecimento e consentimento dos demais filhos é anulável, propondo-se instaurar a respectiva acção no prazo de um ano a contar do conhecimento que tenham de tal venda. Em suma, relativamente à venda de 2001, alegaram que, além de simulada, jamais lhes foi comunicada ou por eles consentida, anunciando que iriam instaurar acção autónoma pedindo a sua anulação.

Os RR. responderam ao articulado que os Intervenientes apresentaram.

Em 26-1-16 (fls. 579 vº e 580), o A. apresentou um requerimento no sentido de “ampliar o seu pedido pela forma seguinte: subsidiariamente, seja anulada a escritura de 9-8-01, nos termos fixados no art. 877º, nº 2, do CC”.

A tal requerimento respondeu a R. CC (fls. 583, vº e 584), culminando com a alegação de que se se tratasse de um contrato de compra e venda “já há muito está caducado o direito de invocar essa anulabilidade, pelo decurso do prazo de um ano a contar do conhecimento do negócio …”, considerado que a acção foi proposta em 21-4-12 e que a ampliação do pedido data de 26-1-16. Acrescentou ainda que a matéria de facto que constitui a causa de pedir desta acção é insuficiente para sustentar o pedido de anulação formulado.

Sobre tal requerimento incidiu despacho proferido na audiência de julgamento de 5-2-16 (fls. 587) no qual se decidiu que, por “não se tratar de uma ampliação do pedido, uma vez que os AA. apenas pretendem que seja considerada pelo Tribunal uma outra configuração e efeitos jurídicos dos factos que alegaram na petição inicial” e se “determinou que ficaria a constar nos autos a vontade dos AA. de aproveitarem tal efeito jurídico que, por se tratar de matéria de direito, seria sempre atendível pelo Tribunal”.

Nessa mesma audiência foi proferido outro despacho (fls. 589) no qual se decidiu que também iria ser objecto de prova saber se os AA. e os demais RR., herdeiros dos falecidos EE e FF, “tiveram ou não conhecimento da escritura em causa nos autos outorgada em 9-8-01”.

A R. veio a fls. 600 requerer a ampliação do pedido reconvencional para que se considere que o negócio titulado pela...

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