Acórdão nº 2351/12.2TBTVD-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução18 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO 1.

AA veio deduzir oposição à execução, intentada por BB SA, alegando, entre outros fundamentos que, sendo mera fiadora, ao abrigo do estatuído no artigo 782.º do CC, invocando o benefício do prazo, não lhe seria exigível a totalidade da dívida.

Foi proferida sentença que julgou a oposição improcedente.

Não se conformando com a decisão, dela apelou a embargante. Na apelação foram consideradas como questões a decidir aferir da inaplicabilidade à embargante, fiadora no contrato dos autos, da perda do benefício do prazo e inexistência de interpelação. E foi decidido julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença na parte recorrida, e determinando-se que a execução prossiga quanto à recorrente, relativamente às prestações vencidas até à data de entrada do requerimento executivo, e respectivos juros de mora, em valor a liquidar.

  1. Inconformado com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa dele interpôs recurso de revista o exequente.

    Nas conclusões do recurso indica (por transcrição): A. Estatui o artigo 782.° do Código Civil que: "A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha qualquer garantia".

    1. Porém, face à natureza supletiva da norma, a mesma pode ser afastada pelas partes ao abrigo do Princípio da Liberdade Contratual.

      O que, in casu, se verificou, C. Pois, tal como referido pelo Tribunal de l.º Instância, a aludida norma foi afastada pelas partes ao estatuírem no Contrato, dado como provado, que "PELO QUARTO OUTORGANTE FOI DITO: Que em nome da sua representada a confessa e constitui fiadora e principal pagadora das dívidas contraídas pela segunda outorgante, no âmbito do presente contrato renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia. PELO TERCEIRO OUTORGANTE, NA QUALIDADE QUE INTERVÉM, FOI DITO: Que para o banco seu representado aceita a confissão de divida e hipoteca, bem como a fiança nos termos exarados. PELO QUINTO OUTORGANTE FOI DITO.' Que presta o necessário consentimento à outorga válida do acto presente. (…)'" D. Ora, daqui decorre que a ora Recorrida, Fiadora no Contrato em apreço, aceitou expressamente que a sua responsabilidade se moldasse nos precisos termos da responsabilidade da devedora principal.

      E. Abrangendo, consequentemente, tudo aquilo a que devedora principal estaria obrigada.

    2. Ou seja, não só as prestações vencidas, mas também as prestações vincendas, juros, despesas e cláusula penal, exigíveis por força do incumprimento e resolução do Contrato, o que se verificou no caso sub judice.

    3. Note-se que, nos termos do artigo 627.° do Código Civil "O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor".

    4. Acresce que, nos termos do artigo 634.° do CC "A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora e culpa do devedor".

      I. Resultando da referida norma que a responsabilidade do Fiador, salvo estipulação em contrário, se molda pela do devedor principal, abrangendo tudo aquilo a que ele está obrigado, ou seja, a prestação devida e também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido. (Veja-se neste sentido, Almeida Costa, obrigações, 4.a ed., 615). J. Ainda sobre o referido artigo, concluem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 3.a edição, 1982 pág. 621, "Em consequência ainda no disposto deste artigo para que a obrigação se tenha por não cumprida e se vençam os juros moratórios contra o fiador, não é necessária a interpelação deste, basta que tenha sido interpelado o devedor nos termos do artigo 805.°" K. Sufragando do mesmo entendimento, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.12.2003 e 12.12.2002 " ( ... ) para a obrigação se ter por incumprida e se vençam juros moratórios da responsabilidade do fiador, não é necessária a sua interpelação, bastando que o seja o devedor".

      L. Não obstante, a verdade é que não era exigível que a Recorrida interpelasse a Executada CC ou a Recorrente, porquanto estamos perante uma obrigação a prazo certo, nos termos do artigo 805, n.º 2, alínea a) do Código Civil.

      M. E como tal, independentemente de interpelação, o devedor constitui-se em mora se no prazo acordado não liquidar a prestação a que se encontra adstrito.

    5. Sendo que, in casu, a Recorrente podia automaticamente considerar o Contrato resolvido, o que, efectivamente aconteceu ao abrigo da Cláusula décima segunda: A CEMG reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for alienado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou onerado sem o se" consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, e ainda. nos casos de falia de cumprimento pela PARTE DEVEDORA de qualquer das obrigações assumidas neste contrato.

      ". (sublinhado nosso) O. Sem conceder, caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá que dos factos provados resulta que a Recorrente foi interpelada não só em mora, como também admonitoriamente.

    6. E ainda assim não procedeu ao pagamento dos valores em dívida.

    7. O que a ora Recorrida bem sabe e, inclusivamente, admitiu no artigo 25 das suas alegações de Recurso de Apelação.

    8. Pois, contrariamente ao que a Recorrida pretende fazer crer, a verdade é que houve lugar à interpelação, andando bem o Tribunal I." Instância ao decidir naquele sentido.

    9. Ademais, da conjugação do termo constituição de fiança, com as demais demais Cláusulas do Contrato, resulta que a ora Recorrida confessou-se e constituiu-se Fiadora e principal pagadora das dívidas contraídas pela mutuária no âmbito deste contrato.

    10. E, nestes termos, moldando-se a sua responsabilidade à imagem e semelhança da responsabilidade assumida pela Mutuária, o disposto na Cláusula Décima Segunda do Documento Complementar anexo à Escritura, é-lhe também, directamente, aplicável.

    11. Por outras palavras, a ora Recorrente reservou-se no direito de resolver o contrato e considerar imediatamente vencido o crédito, em caso de incumprimento pela Parte Devedora, de qualquer obrigação assumida no âmbito do contrato, o que teria efeito directo também na relação material estabelecida com a Fiadora, ora Recorrida.

      V. Nestes termos, e salvo melhor opinião, será forçoso concluir-se que foi vontade das partes que o incumprimento do contrato implicasse, também para a Fiadora, a perda do benefício do prazo, derrogando-se, assim, por mútuo acordo o regime disposto no artigo 782.° do Código Civil, W. Caso assim não se entenda, o que por mera cautela do patrocínio se admite, sempre se dirá que uma vez verificado o incumprimento do contrato, bastaria à ora Recorrente interpelar a Devedora e a Fiadora para que procedessem à regularização do mesmo, sob pena de se vencerem as demais.

      X. Tendo sido este o comportamento adoptado pela ora Recorrente.

    12. Neste sentido veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27/01/2015, o qual vem pronunciar-se sobre uma situação em muito semelhante à que ora se discute, sendo que a única diferença assinalada, prende-se com o facto de os Fiadores não terem recebido as cartas de interpelação remetidas pelo então Credor/Exequente, por motivo a este imputável (entendimento acolhido pelo douto Tribunal da Relação de Coimbra): “A renúncia do benefício da excussão prévia tem apenas como consequência o afastamento da regra da subsidiariedade, traduzida no direito que assiste ao fiador de, nada sendo estipulado em contrário, recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal.

      No entanto, a ausência de automatismo no vencimento antecipado arrasta uma consequência: só pode levar a cabo tal exigência através de instauração de processo executivo depois de interpelação ao devedor para cumprir a obrigação de pagamento que então ganhou novos contornos.

      Defende o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 19.11.2009, já citado, versando sobre hipótese dos réus constituídos "fiadores e principais pagadores" que "Não tendo as partes expressamente acordado em sentido diferente, a perda do benefício do prazo não se estende ao fiador, nos termos do art. 782 CC: Caso tivesse acordado no afastamento do disposto no art. 782 CC, teria o fiador que ser interpelado ou para pôr termo à mora, a fim de evitar o vencimento antecipado das prestações, ou para evitar o incumprimento definitivo, que possibilitaria a resolução do contrato Tal significa que quer na situação de resolução do contrato, quer na situação realização coativa da prestação, através de perda do benefício do prazo, quando as partes não hajam afastado a aplicação do disposto no artigo 78r do C. C. para que o fiador possa responder ao lado do devedor terá de ser interpelado para o «cumprimento imediato» ou para pôr termo à mora.".

      Nada temos a objectar ao supra exposto, uma vez que as obrigações emergentes do aludido contrato de mútuo são, para a mutuária e para os seus fiadores, obrigações solidárias – artº 512°, nºs 1 e 2 do C. Civil- e uma vez que o fiador garante a satisfação do crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor – artº 627° do C. Civil.".

    13. Ora, no caso em concreto, verifica-se que a ora Recorrente procedeu à interpelação directa da Fiadora, para que esta procedesse ao cumprimento imediato das obrigações por si afiançadas, ou para que esta regularizasse a mora.

      AA.

      Assim, de· acordo com entendimento espelhado na jurisprudência supra transcrita, deverá a ora Recorrida responder perante a ora Recorrente, ao lado do Devedor, em termos solidários, ou seja, pela totalidade da dívida.

      BB. Destarte, e salvo melhor opinião, deve aquela decisão ser revogada, mantendo-se na íntegra a decisão prolatada pelo Exmo. Senhor Juiz de Direito do 3.° Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, no âmbito dos presentes autos, julgando totalmente...

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