Acórdão nº 2303/01.8TVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelCABRAL TAVARES
Data da Resolução09 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

AA, S.A.

intentou contra BB, S.A.

ação declarativa de condenação, pedindo a condenação desta ao pagamento de indemnização, no montante global de Esc. 6.708.792.022$00 (Esc. 635.583.000$00, a título de indemnização de clientela; Esc. 66.448.897$00, a título de juros vencidos desde a data em que o pagamento da indemnização de clientela foi solicitado até à data da instauração da presente ação; Esc. 5.845.763.498$00, a título de indemnização por danos emergentes e lucros cessantes decorrentes dos factos ilícitos praticados pela BB no contexto do contrato de concessionário Ford, de 1 de Outubro de 1996), acrescido de juros vincendos até efetivo e integral pagamento.

Contestou a R., por exceção e impugnação. Pediu, ainda, a condenação da A. como litigante de má-fé.

Proferida sentença, (i) a julgar a ação parcialmente procedente, condenando a R. ao pagamento de indemnização de clientela, no valor de €1.000.000,00, acrescida de juros de mora, desde 10 de agosto de 2000, absolvendo-a, no mais, do pedido e (ii) a absolver a A. como litigante de má-fé.

  1. A. e R. apelaram para a Relação.

    O recurso da A. foi julgado improcedente.

    O da R., parcialmente procedente, tendo o montante da indemnização de clientela, em que fora condenada, sido reduzido para €168.980.30, acrescido de juros de mora, desde a data indicada na sentença da 1ª instância, mas calculados nos termos do art. 102º, § 3.º do Código Comercial e diplomas complementares; foi dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida na ação e nos recursos, na parte excedente à calculada com base no valor da causa de € 1.000.000,00 (acórdão, a fls. 7242/7315).

  2. Ambas as partes pedem revista.

    3.1. A A., na sua alegação, conclui nos seguintes termos (fls. 7673/90): «(…) 4) No que respeita ao enquadramento jurídico do Contrato de Concessionário Ford de 1996 (natureza jurídica e regime legal aplicável), estão dados como assentes (cf. decisão de 1.ª instância e Acórdão Recorrido) os seguintes pressupostos: (a) o Contrato de Concessionário Ford de 1 de outubro de 1996 é um contrato de concessão comercial; (b) ao Contrato de Concessionário Ford de 1 de outubro de 1996 são aplicáveis as regras do DL 178/86 mas também as regras gerais aplicáveis aos contratos e às relações de direito privado em geral; e (c) atendendo ao clausulado do mesmo Contrato de Concessionário Ford de 1 de outubro de 1996 aplica-se também o RCCG.

    5) Assim, as questões jurídicas a analisar no presente recurso resumem-se às seguintes: (i) o montante de indemnização de clientela devido pela BB à AA; (ii) a ilicitude da denúncia do "Contrato de Concessionário Ford" de 1996; (iii) a atuação ilícita da BB no cumprimento do Contrato de Concessionário Ford, nomeadamente no que respeita à expetativa criada pelo FORD 2000; e (iv) os danos causados à AA pelos atos ilícitos da BB.

    6) (i) O montante de indemnização de clientela: o Acórdão recorrido decidiu reduzir a indemnização de clientela ao montante de €168.890,30, redução com a qual a Autora/Recorrente não pode, naturalmente, conformar-se na medida em que é desconforme à factualidade provada e ao direito aplicável, sustentando a revogação da decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que condene a Ré/Recorrida a pagar-lhe a quantia de € 2.548.416,86 a título de indemnização de clientela.

    7) Para sustentar tal conclusão, a Recorrente aborda as seguintes questões: (a) os rendimentos relevantes para o cálculo do limite de indemnização de clientela; (b) a contribuição da imagem e da visibilidade da marca para efeitos de angariação; e (c) o concreto montante de indemnização de clientela.

    8) (a) No que respeita aos rendimentos relevantes para o cálculo, a limitação do limite máximo de indemnização de clientela que resulta do Acórdão recorrido (por ter decidido excluir as receitas obtidas por intermédio da atividade de assistência pós-venda, considerando-a insuscetível de beneficiar a Ré) não é conforme ao artigo 34.º do Regime da Agência, na medida em que o limite máximo de indemnização a ter em conta, segundo o referido artigo, é o da média anual das remunerações recebidas pelo agente, não se procedendo, na definição daquele limite máximo, a qualquer ponderação do benefício obtido pelo concedente.

    9) Essa ponderação, a ser feita, deverá sê-lo apenas ao nível da definição do quantitativo da indemnização, dentro do limite máximo constituído pelo total de remunerações recebidas pelo agente.

    10) Pelo que a Decisão recorrida, ao reduzir o limite máximo da indemnização de clientela violou o artigo 34.º do Regime da Agência, requerendo-se a revogação da decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que defina como limite máximo da indemnização de clientela o valor de € 2.548.416,86.

    11) (b) No que respeita à contribuição da imagem e da visibilidade da marca para efeitos de angariação, resultou provado que o bom trabalho de promoção dos produtos Ford não só não foi feito pela especial valia da marca mas ocorreu, também, apesar da crescente perda de relevância e atratividade da mesma - cf., designadamente, os pontos 34, 78,93,97,104,113,178 e 179 da Matéria de Facto.

    12) Destes factos, alegados e provados, resulta claro que as vendas da Ford vinham a decrescer generalizadamente e que os motivos para tais decréscimos parecem claros: (i) o produto era menos competitivo do que o dos restantes produtores, (ii) havia um design insatisfatório dos carros Ford e (iii) uma imagem cada vez mais degradada da marca, todas estas razões - aparentemente, colhendo a imagem global que decorre da factualidade - com origem na contenção de custos por parte da Ford.

    13) A estes, já por si pesados óbices à atividade do negócio da Recorrente, juntava-se ainda a falta de aposta da Ford no desenvolvimento de veículos movidos a diesel -motorização que, diz-nos também a experiência comum, é imprescindível para atingir o sector comercial e das empresas - e a dificuldade de fornecimento de veículos na quantidade necessária à atividade dos concessionários, o que era particularmente severo porque ocorria primacialmente nos veículos com maior venda.

    14) Todos estes factos sopesados, dificilmente pode ser sustentável à luz de qualquer regra da experiência que a venda de veículos Ford pela Recorrente se ficasse a dever numa razão de 80% à imagem e visibilidade da marca.

    15) Atendendo ao critério da Decisão recorrida, a proporção a atribuir a uma marca como seja a Dacia, no segmento mais baixo do mercado, a Volkswagen, no segmento intermédio, a Bentley, no segmento de luxo, ou a Ferrari, no segmento desportivo, seria esmagadora, tendo os concessionários destas marcas, terminado o contrato de concessão, de compensar o concedente por terem tido a oportunidade de promover a venda de tais veículos, o que - naturalmente - não é aceitável.

    16) Revertendo o pressuposto da Decisão recorrida para uma análise puramente económica da estrutura de distribuição, se o papel do concessionário é efetivamente tão residual na promoção e venda de veículos novos, então todas as marcas que se servem da figura do concessionário - e devem ser todas, atendendo à experiência comum - estão a manter uma decisão financeiramente irracional, na medida em que 80% da remuneração de que o concessionário beneficia durante a vigência do contrato de concessão não lhe seria devido porque apenas decorre da própria força da marca.

    17) Na verdade, tendo em conta a alegadamente residual importância do papel do concessionário que decorre da Decisão recorrida, não é racional as marcas pagarem aos concessionários as comissões que lhes pagam, sendo efetiva e indiscutivelmente um mau negócio para as mesmas, que melhor fariam assumir o retalho direto, bastando, para tal, disponibilizarem um depósito de carros onde os clientes os pudessem ir comprar e recolher, sem recorrer a uma força de vendas que sempre seria inútil, atendendo a que o produto se vendia por si só.

    18) A realidade contraria a tese vertida na Decisão recorrida, uma vez que a força de atração da marca é muito relativa quando o mercado é bastante competitivo - como é o caso do sector automóvel - e os produtos são muito semelhantes entre si - como se verifica no mercado automóvel.

    19) Neste contexto, a relação de confiança do cliente final com os vendedores e com o concessionário é absolutamente determinante.

    20) E se assim é no caso da venda de automóveis novos, a questão coloca-se em termos ainda mais claros no caso da venda de peças.

    21) Com efeito, neste caso, a força de atratividade da marca é ainda mais relativa, uma vez que a existência de peças aplicáveis nas viaturas, que não são produzidas pela marca, constitui um efetivo fator concorrencial de relevo.

    22) É perante a concorrência de oficinas não oficiais e de marcas de produtores alternativos de peças que o concessionário tem um papel especialmente relevante na angariação de clientes para peças novas e originais da marca, pela relação de confiança e proximidade estabelecida com os clientes, que não pode ser desconsiderado.

    23) Não é também sustentável que a contribuição da Recorrente e da Recorrida sejam consideradas iguais, à razão de 10% para cada, como resulta da Decisão recorrida, uma vez que provou-se que a Recorrente realizou avultados investimentos na promoção das vendas das viaturas Ford - cf., designadamente, os pontos 41 a 51 da Matéria de Facto - e que, de modo algum, foram igualados pela Recorrida, tanto mais que os veículos demonstradores eram custeados pelos concessionários, que igualmente suportavam despesas com formação e com publicidade.

    24) Não tem, pois, qualquer apoio na factualidade provada a conclusão segundo a qual a Recorrente e a Recorrida contribuíam em igual medida para a promoção e venda dos veículos Ford e respetivas peças.

    25) Tendo em conta o exposto, deve ser revogada a Decisão recorrida e, em conformidade, ser substituída por outra que fixe a indemnização de clientela desconsiderando a limitação a...

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