Acórdão nº 2057/11.0TVLSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelTÁVORA VICTOR
Data da Resolução15 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO.

    Acordam na 7ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça.

    I.

    AA e BB intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra PATRIARCADO DE LISBOA, Entidade Canónica, e IGREJA CC, peticionando:

    1. Se declare que os Autores são donos e legítimos proprietários dos locais ocupados; b) Se condene a 2.ª Ré a restituir aos Autores os locais em causa, livres e devolutos de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições; c) Se condenem os Réus a pagarem aos Autores uma indemnização correspondente ao valor pela ocupação do imóvel, nunca inferior a € 33.000,00; d) Se condenem os Réus no pagamento das quantias vincendas até à efectiva restituição.

      Alegaram, em síntese, que em 16/12/2009 adquiriram a propriedade do prédio sito na Rua …, …, …-A e …-B, em Lisboa, destinado a habitação, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1…8, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 1…6, freguesia da Sé; que o rés-do-chão, com a área de 35 m2, e a sobreloja, com a área de 27 m2, encontram-se ocupados pela 2.ª Ré, sem título nem autorização; que as zonas do imóvel acima referidas eram anteriormente ocupadas pelo Patriarcado de Lisboa, 1.º Réu, que, em Agosto de 2001, cedeu à 2.ª Ré, através de contrato de comodato, Igreja … e, além disso, sem qualquer título nem direito, o local objecto da presente acção; que se fossem arrendadas, as partes do imóvel ocupado pelas Rés renderiam uma quantia mensal aproximada de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

      Os RR. contestaram, alegando, em suma, que a parte do prédio reclamada pelos Autores faz e sempre fez parte do prédio do 1.º Réu, como os Autores bem sabem; que essa parte de imóvel é propriedade do 1.º Réu, desde tempos imemoriais, e sempre foi usado, tratado e fruído pelo 1.º Réu ou por terceiros, com autorização deste, como é o caso agora da 2.ª Ré; que o 1º réu exerce a posse pacífica, ininterrupta e exclusiva, à vista de todos, sem qualquer oposição, sobre o espaço de loja e sobreloja, com acesso pelo n.º …-B da Rua …., há cerca de 100 anos.

      Na contestação o 1º réu deduziu reconvenção e peticionou:

    2. Seja declarado que o réu Patriarcado é o proprietário do espaço reivindicado pelos AA., por o ter adquirido por usucapião; b) A entender-se que as divisões de cuja propriedade os AA. se arrogam estão integradas no prédio dos AA., deverá ser declarado que se constituiu a propriedade horizontal do prédio por usucapião, nos termos do art. 1417º /1 do C. Civil, pertencendo uma fracção correspondente ao espaço com acesso pelo nº …-B da Rua … ao R. Patriarcado e a outra fracção, correspondente ao restante prédio, aos AA.

      Os Autores replicaram, pugnando pela improcedência da reconvenção e pedindo a condenação dos Réus como litigantes de má fé.

      No despacho saneador, proferido dia 27/06/2012, não se admitiu o pedido reconvencional formulado sob a alínea b).

      Foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.

      Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar “a acção e a reconvenção (pedido reconvencional formulado sob a al. a)) totalmente não provadas e improcedentes, absolvendo os Réus e os Autores dos respectivos pedidos”.

      Inconformados com o decidido vieram os AA. interpor recurso de apelação sendo certo que a Relação decidiu julgar o recurso principal improcedente (sic) confirmando a sentença recorrida; por outro lado julgou prejudicado o conhecimento do recurso subordinado.

      De novo inconformado recorre o Autor de revista tendo no termo de tudo quanto alegou pedido:

      1. Por se entender que se afigura legalmente inadmissível a possibilidade de o juiz proceder à subsunção jurídica da matéria de facto dada como provada, estribado numa solução de direito não alegada ou discutida pelas partes, sem que tenha sido concedido oportunidade para se pronunciarem sobre aquela, violando assim os Princípios do Contraditório, Cooperação e Igualdade das Partes, bem como os artigos 20.° n.° 4 da Constituição da República Portuguesa, 3.° n.° 3, 4.° e 7.° do Código de Processo Civil.

      2. Deverá ainda ser declarada a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, por via da violação do disposto no na 2.ª parte da al. d) do n.° 1 do art.° 615.° do C.P.C.

      3. Consequentemente, deverá o aludido douto Acórdão ser substituído por outro que declare procedente por provada a acção e declarando-se os recorrentes como donos e legítimos proprietários das áreas objecto do presente litígio, condenar-se as rés a restituir os locais em causa livres e devolutos de pessoas e bens.

      Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões.

      1) Esteve mal o Tribunal a quo ao decidir a questão nos termos em que o fez.

      2) Acordou-se com motivação totalmente diversa, em julgar improcedente o recurso interposto pelos recorrentes e confirmar a sentença recorrida.

      3) No que ao enquadramento jurídico dos factos diz respeito, o Acórdão recorrido constitui uma decisão surpresa, porquanto não foi dada oportunidade às partes de se pronunciarem sobre a respectiva fundamentação (questão da aplicação do instituto da compropriedade) nos termos do artigo 3.° n.° 3 do C.P.C.

      4) O facto de o Juiz não estar sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, conforme o preceituado no n.° 3 do artigo 5.° do C.P.C, não prejudica, nem afasta o disposto no 3.° n.° 3 do C.P.C 5) A decisão proferida, ancorada no instituto da compropriedade, assenta em causa de pedir distinta daquela exposta na petição inicial.

      6) Sopesados os entendimentos plasmados no douto Acórdão deste Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, em 27/09/2011, no âmbito do processo n.º 2005/03.0TVLSB.L1.S1, ressalta uma contradição quanto à admissibilidade legal de uma decisão relativa a matéria de direito, proferida pelo Juiz, sem que tenha sido dada oportunidade às partes de se pronunciarem sobre a mesma.

      7) O entendimento sufragado no sentido da inadmissibilidade legal de decisões-surpresa deverá prevalecer relativamente ao entendimento preconizado pelo Tribunal a quo.

      8) O Acórdão recorrido violou os Princípios do Contraditório, Cooperação e Igualdade das Partes, bem como os artigos 20.° n.° 4 da Constituição da República Portuguesa, 3.° n.° 3, 4.° e 7.° do Código de Processo Civil.

      9) Quer pela jurisprudência quer pela doutrina, vem sendo repetidamente afirmado que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida à apreciação do tribunal de que se recorre.

      10) O Tribunal a quo ao decidir que o 1.° Réu é comproprietário do imóvel inscrito em nome dos recorrentes, sem que tal tenha sido alegado pelas partes (mormente pelos autores), nem submetido ao julgamento da l.ª instância, conheceu de questão que não podia conhecer, pelo que padece de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do disposto na 2.ª parte da al. d) do n.° 1 do art.° 615.° do C.P.C.).

      11) O seu excesso configura nulidade relacionada com a 2.ª parte do n.° 2 do art.° 608.° do C.P.C., que proíbe ao Juiz ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objecto do litígio.

      12) Por conseguinte, o Tribunal a quo enveredou pela subsunção jurídica dos factos na figura da compropriedade concluindo que se deu como verificado o direito de compropriedade do 1.° Réu sobre o prédio em que se insere a parte ocupada.

      13) Os factos julgados como provados colidem inconciliavelmente com a fundamentação e com a decisão.

      14) Enquanto não for operada a divisão jurídica (prévia ou simultânea) a posse fundamento de usucapião tem de ser uma posse que recaia sobre a totalidade do bem, de onde não se exercendo o poder de facto sobre todo o imóvel não pode proceder a pretensão de aquisição.

      15) Não sendo possível a aquisição daquela parte do imóvel ora ocupado, teremos de concluir que o 1.° réu não logrou demonstrar ter adquirido a área objecto do litígio porque não foi reconhecido qualquer modo de aquisição originária do mesmo.

      16) Para tal teria de ser reconhecida a aquisição da compropriedade do prédio por usucapião.

      17) Pedido esse que nem sequer foi formulado nos presentes autos, nem provados factos que possam amparar a aquisição do direito de propriedade, de modo a sustentar o instituto da compropriedade.

      18) A decisão de mérito assumida pelo Tribunal da Relação de Lisboa merece censura pelo raciocínio adoptado em violação da lei substantiva, colocando em causa toda a segurança e certeza do direito.

      19) Pelo exposto, para além das invocadas nulidades do acórdão recorrido, o Tribunal a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à matéria de facto dada como provada, tenho sido violado o disposto 1305.°, 1311.°, 1316.°, 1406.° e 1416.°, todos do Código Civil.

      20) Face ao exposto, requer-se a revogação da decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que...

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