Acórdão nº 7397/14.3T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

O Ministério Público propôs acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra Banco AA, S.A.

., ao abrigo do disposto nos arts. 24º e seguintes do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais), com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho e pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro; e do disposto no art. 13º, nº 1, alínea c), da Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 10/2013, de 28 de Janeiro), peticionando: “1. Serem declaradas nulas as cláusulas 2ª, nº 5 (I), 3ª (I), 4ª, nº 2 (I), 1ª, nº 2 (II), 5ª, nº 3 (I), 2ª, nº 3 (II), 5ª, nº 7 (I), 2ª, nº 7 (II), 7ª, nº 2 (I), 4ª, nº 2 (II), 8ª, nº 3 (I), 5ª, nº 3 (II), 10ª, nºs 1 e 2 (I), 7ª, nºs 1 e 2 (II), 11ª (I), 8ª (II), 12ª (I), 13ª (I), 14ª (I) e 9ª (II) dos contratos denominados "Condições Especiais - Conta Ordenado" e "Documento Autónomo Condições Aplicáveis à Facilidade de Descoberto - Super Conta Protocolo", juntos como documentos 3 e 4, condenando-se o R. a abster-se de as utilizar em contratos que, de futuro, venha a celebrar e especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (Art. 30º, nº 1 da LCCG/ DL nº 446/85, de 25.10); 2. Condenar-se o R. a dar publicidade à decisão e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três (3) dias consecutivos de tamanho não inferior a 1/4 (um quarto) de página. (Art. 30º, nº 2 da LCCG/ DL nº 446/85, de 25.10) e; 3. Dar-se cumprimento ao disposto no Art. 34° da LCCG, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da Sentença para efeitos do estatuído na Portaria nº 1093, de 06.09.” Alega para o efeito, e em síntese, que o R. inclui nos referidos contratos, que celebra com os seus clientes, as identificadas cláusulas gerais, e que as mesmas são nulas por violarem disposições da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

O R. contestou, com vista à improcedência da acção e à sua absolvição dos pedidos.

Por sentença de fls. 145, foi proferida a seguinte decisão: “Pelos fundamentos expostos, a presente acção instaurada pelo Ministério Público contra o Banco AA, S.A.. é julgada parcialmente procedente por provada e, em consequência, decide-se: 1) Declarar nulas as cláusulas 10º, nº 1 e nº 2 das Condições Especiais - Conta Ordenado e 7º, nº 1 e nº 2 do Documento Autónomo - Condições Aplicáveis à facilidade de descoberto - Super Conta Ordenado Protocolo, ambas sob a epígrafe "Comissões e Despesas" com a seguinte redacção: “1. São da responsabilidade do Cliente todos os impostos, incluindo o imposto do selo sobre os juros, que sejam devidos por força da "Conta Ordenado" e de outras operações com contratos que com ela se encontrem em conexão.

  1. São da conta do Cliente todas as despesas e encargos a que der lugar o cumprimento das suas ordens de aplicação de capitais, bem como as da utilização do crédito concedido, incluindo as que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos.” 2) Condenar o Réu a abster-se do uso, em qualquer contrato, das cláusulas acima mencionadas; 3) Condenar o Réu a, no prazo de 30 (trinta) dias, dar publicidade à parte decisória da presente sentença, através de anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem, que sejam editados em Lisboa e Porto, em três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ de página, comprovando o acto nos presentes autos até 10 (dez) dias após o termo do prazo supra referido e; 4) Absolver o Réu do demais peticionado.

    - Custas pela R.

    - Notifique e registe.

    Remeta, em 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado, certidão da presente decisão ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça, nos termos do artigo 34º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.” Inconformado, o R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

    Por acórdão de fls. 316, foi o recurso julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, com um voto de vencido.

  2. Veio o R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos seguintes termos: “- relativamente aos segmentos decisórios desse acórdão que, com um voto de vencido, julgaram improcedente a Apelação do Recorrente e mantiveram a decisão proferida em 1ª instância, desfavorável ao Banco, interpor Recurso de Revista, em termos normais - relativamente ao segmento decisório do acórdão recorrido que, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a sentença da 1ª instância, por estarem em causa questões cuja apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito e que, além disso, envolvem interesses de particular relevância social, interpor Recurso de Revista Excecional.” 3.

    Por acórdão da formação a que alude o nº 3, do art. 673º, do Código de Processo Civil, foi o processo remetido à distribuição para apreciação da admissibilidade como revista normal.

    A fls. 477, foi proferido o seguinte despacho: “Tendo o Ministério Público invocado a nulidade de vinte e duas cláusulas dos contratos dos autos, a sentença de 1ª instância reconheceu a nulidade de quatro dessas cláusulas (assim contabilizadas: os dois nºs 1 da Cláusula 10º do Contrato I e os dois nºs da Cláusula 7ª do Contrato II), decisão que foi confirmada pelo acórdão da Relação, com um voto de vencido, o que, nos termos do nº 3, do art. 671º, do CPC, descaracteriza a dupla conforme.

    Para o efeito, é irrelevante que a posição vencida respeite ao nº 1 e ao nº 2 (primeira parte) da Cláusula 10º do Contrato I, igual ao nº 1 e ao nº 2 (primeira parte) da Cláusula 7ª do Contrato II, mas não ao nº 2 (segunda parte) de ambas as cláusulas. A apreciação da validade das mesmas cláusulas impõe a consideração do texto integral de cada um dos números, o que se afigura incompatível com a segmentação que o Recorrente opera.

    Conclui-se, assim, pela admissibilidade do recurso.

  3. Quanto ao mérito, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: 1) O coletivo do Tribunal da Relação de … que proferiu o acórdão recorrido deveria ter corrigido a infração legal cometida na 1ª instância, contra a qual o Recorrente havia reagido na sua Apelação; não o tendo feito, esse coletivo cometeu uma omissão pronúncia, visto que, no final do acórdão, apenas decidiu quanto à alocação das custas do recurso.

    2) Tendo o Tribunal da Relação de …, no acórdão recorrido, cometido uma manifesta omissão de pronúncia, geradora de nulidade do acórdão recorrido (ex vi do disposto nos arts. 615.°, n.° 1, d) e 666.°, n.° 1, do CPC), deverá ela ser suprida pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede de apreciação dos presentes recursos de revista.

    3) Ao confirmar a declaração de nulidade, decretada pela 1ª instância, em relação às cláusulas que autorizam o Banco a debitar ao cliente os montantes de "todos os impostos, incluindo o imposto de selo sobre os juros, que sejam devidos por força da 'Conta Ordenado' e de outras operações e contratos que com ela se encontrem e conexão", o acórdão recorrido incorreu na mesma incongruência que fora apontada à sentença da 1ª instância, visto que 4) ao proceder como se prevê nas citadas cláusulas, o Banco não mais fará do que dar pleno cumprimento ao preceituado na lei.

    5) Não se consegue imaginar como poderia ser mais precisa a letra de tais cláusulas, no que concerne à incidência dos impostos incidentes sobre a utilização das vantagens que esta Super Conta proporciona aos clientes aderentes, a não ser que se reproduzisse nos clausulados em questão as inúmeras páginas dos diplomas fiscais que podem ter aplicação neste domínio, alternativa esta patentemente absurda.

    6) Mesmo que porventura fosse viável fazer o que se mostrou na conclusão antecedente ser impensável, isso só seria remédio (na lógica subjacente às decisões da instâncias) em relação às leis fiscais que estivessem em vigor à data da primeira utilização das cláusulas contratuais gerais em questão, pois não poderia contemplar as leis fiscais supervenientes.

    7) Acresce que, ainda que não existissem as Cls. 10.ª, n.° 1, das CEs, e 7ª, n.° 1, do DA, sempre teria o Banco Recorrente de fazer precisamente o que nelas se prevê, sob pena de se sujeitar a pesadas coimas aplicadas pela Administração Fiscal, para além da responsabilidade fiscal subsidiária, pelo pagamento dos impostos não cobrados, em que ele incorreria.

    8) Pelo exposto, deve tal segmento decisório do acórdão recorrido ser revogado por esse Alto Tribunal, por nele se ter interpretado e aplicado erradamente os arts. 5.°. 8.°. n.° 1. a) 15.°. 16.°. 19.°. n.° 1. d), e 21.° do RJCCG (nesse acórdão invocados, embora, quanto à maioria desse preceitos, não se consiga compreender o raciocínio jurídico que neles se quis fundar) e violado o princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405." do CC, que nenhuma razão de interesse e ordem pública impõe derrogar nos casos a que são aplicáveis as cláusulas contratuais gerais suprarreferidas.

    9) A primeira crítica que suscitam as decisões proferidas pelas instâncias relativamente ao teor das Cláusulas 10.º, n.º 2, das CEs e 7.ª, n.º 2, do DA, é a de neles não se haver feito a distinção, que se impunha ao apreciar-se tais cláusulas, entre a sua 1ª parte, que se reporta às "despesas e encargos a que der lugar o cumprimento das suas [do cliente] ordens de aplicação de capitais, bem como as da utilização do crédito concedido", e a sua 2.ª parte, que se refere as "despesas e encargos que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos".

    10) E que são diferentes as situações de facto contempladas por uma e outra parte dessas cláusulas, assim como são distintos os juízos valorativos que convocam, como se realçou no voto de...

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