Acórdão nº 4290/09.5TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução01 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO l.

AA - Comunicação e Eventos, S.A. (actualmente Massa Insolvente de AA - Comunicação e Eventos, S.A.

) intentou na Comarca de Cascais acção declarativa de condenação contra BB e CC - Entretenimento, Lda alegando, em síntese: O 1.º R. foi seu accionista e administrador desde julho de 2005 até junho de 2007.

O 1.º R. era e é sócio e gerente da 2.ª R..

Em 14.12.2006 o 1.º R., no uso dos seus poderes de administrador da A., ordenou que a A. efectuasse, como efectuou, o pagamento de € 46.289,48 à sociedade International DD, Ltd.

Interpelado pela A. para explicar esse pagamento, o 1.º R. declarou que se tratava de uma verba que era devida por um prestador de serviços à IVS, mas que por engano esse prestador (sala de espectáculos) havia depositado esse dinheiro na conta do R..

Assim, conclui-se que a A., por ordem do R. efectuou a um terceiro um pagamento que não devia e, além disso, o R. apropriou-se de uma quantia que não lhe era destinada. Pelo que, lhe é devida a quantia de € 92.578,96, mais juros desde 14.12.2006.

Igualmente, uma verba que era devida pela Direcção Geral de Alfândegas, a título de caução de uma importação temporária, no valor de € 4.263,68, foi paga, por ordem do R., numa conta da 2.ª R., em vez de ser paga à A..

Finalmente, tendo a A. contratado com o EE Hipermercados, S.A., a realização de uma série de eventos à volta da figura publicitária, usada pelos hipermercados EE, “FF”, cabendo à A. receber o produto das bilheteiras e das vendas de merchandising, que deveria entregar ao EE, veio a A. a ser confrontada, em 27.6.2007, com a reclamação à A., pelo EE, da entrega da quantia de € 134 749,97, referente à venda de bilhetes e merchandising dos referidos espectáculos “FF.” Ora, a A. veio a apurar que essas verbas não tinham sido por si recebidas, mas haviam sido depositadas, por ordem do R., numa conta bancária da 2.ª R..

Assim, o 1.º R. violou o seu dever de lealdade para com a A. e a 2.ª R. enriqueceu-se à custa da A., entrando indevidamente na posse das quantias acima referidas.

Além disso, a A. sofreu prejuízos consubstanciados na alocação de pessoas ao esclarecimento destes factos, com os respectivos custos, no valor de € 31.635,75, acrescidos de juros que, na data da propositura da acção, a A. liquidou em € 3.625,34. Por outro lado, a A. sofreu danos de imagem, que se quantificam no mínimo de € 12.000,00.

Conclui pedindo que o 1.º R. seja condenado a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 322.690,30 e, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 12.000,00, acrescidas de juros de mora vincendos, até integral pagamento, e a condenação da 2.ª R., solidariamente com o 1.º R., na quantia de € 229.285,42, acrescida dos juros que sobre ela se vencessem.

  1. Regularmente citados, contestaram ambos os réus, alegando, quanto ao pagamento efectuado à IVS, que tal era devido pela A. no âmbito de negócio que celebrara com a IVS, sendo certo que nada foi depositado, a este respeito, em conta do 1.º R..

    Quanto à quantia transferida pela Direcção Geral de Alfândegas para uma conta da 2.ª R., tal resultou de lapso de um funcionário da 2.ª R., a que o 1.º R. é alheio.

    Quanto aos eventos “FF”, a A., através do 1.º R., entregou à 2.ª R. a produção executiva dos ditos eventos, com os quais a 2.ª R. suportou despesas, no valor global de € 30.4 579,21, que excederam o valor das receitas que foram sendo depositadas na conta da 2.ª R. pelas entidades que geriram as bilheteiras e o merchandising dos espectáculos em causa, receitas essas que orçaram em € 126.563,84.

    Assim, o 1.º R. entendeu utilizar a verba de € 126.563,84 para pagamento parcial das aludidas despesas, despesas essas cujo pagamento era devido pela A. à 2.ª R..

    Assim, a R. compensou o seu crédito, no valor de € 304.579,21, parcialmente, com a verba de € 126.563,84 que recebeu, conforme declarou à A..

    Na verdade, a A. recebeu do EE, para a produção dos aludidos espectáculos, a quantia de € 709.135,00, acrescida de IVA, sendo certo que foi a 2.ª R. quem suportou muitas das respectivas despesas.

    Os RR. impugnaram os danos e prejuízos invocados pela A., concluindo pela procedência da acção tão só quanto à quantia de € 4.961,00, a ser paga pela 2.ª R. à A..

    Em reconvenção, os RR. alegaram que, tendo a 2.ª R. pago € 304.579,21 de despesas de produção do evento FF, verba essa devida à R. pela A., e tendo a R. compensado parcialmente o seu referido crédito com os depósitos feitos na sua conta bancária no valor de € 126.563,84, a A. deve à R. CC a quantia de € 178.015,37., acrescida de juros comerciais, desde a data em que foi interpelada, juros esses que no momento orçavam em € 26.896,32.

    Caso se entenda que a R. não podia compensar o seu crédito nos termos referidos, a A. deveria ser condenada a pagar à R. CC a quantia de € 304.579,21, acrescida de juros que à data ascendiam a € 46.018,83.

    Concluem pedindo que a acção seja julgada parcialmente improcedente, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia de € 4.961,00, absolvendo-se ambos os RR. dos demais pedidos. Mais devia a A. ser condenada, em reconvenção, a pagar à R. CC a quantia de € 204.911,69, acrescida de juros vincendos desde a data da notificação e até integral pagamento.

    Em alternativa, deveria a A. ser condenada a pagar à R. a quantia de € 350.598,04, acrescida de juros vincendos desde a data da notificação e até integral pagamento.

  2. A A. replicou, pugnando pela improcedência da invocada compensação de créditos e do pedido reconvencional e pedindo que os RR. fossem condenados como litigantes de má-fé, em multa e indemnização.

    Os RR. responderam à invocada litigância de má-fé, repudiando-a.

  3. Em 27.02.2012 foi admitida a reconvenção, proferido saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.

    Tanto a A. como os RR. reclamaram da selecção da matéria de facto assente e da fixação da base instrutória, tendo tais reclamações sido indeferidas, por despacho de 02.7.2012.

    Em 02.02.2016 iniciou-se a audiência final, tendo nessa data sido proferido despacho que julgou extinta a instância reconvencional, por inutilidade superveniente da lide, decorrente da declaração de insolvência da A..

    Em 21.10.2016 foi proferida sentença, que decidiu: “Pelo exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente, e, consequentemente: - condenar a R. CC a pagar à A. a quantia de € 4.263,68 (quatro mil duzentos e sessenta e três euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde 27/10/2007; - condenar os RR. solidariamente, a pagar à A. a quantia de € 126.563,84, acrescida de IVA, bem como os juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a citação, absolvendo os RR. do demais peticionado.

    Custas da acção a cargo dos RR. na proporção de ½, uma vez que a A. delas está isenta (artº 4º, nº 1, al. u) do RCP).

    Registe e notifique.” 5.

    Inconformados, apelaram os Réus para o Tribunal da Relação de …, que, por Acórdão de 13 de Julho de 2017, decidiu «julga-se a apelação procedente e consequentemente altera-se a sentença recorrida nos seguintes termos: a) Revoga-se a sentença na parte em que condenou os RR. a pagarem à A. a quantia de € 126.563,84, acrescida de IVA, bem como juros de mora, nesta parte se absolvendo os RR. do correspondente pedido; b) No mais, mantém-se a sentença recorrida.

    As custas na primeira instância são a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento (sem prejuízo da isenção que foi reconhecida à A., parte essa da sentença que transitou em julgado) e as da apelação são a cargo da apelada, que nela decaiu (sendo certo que, decretada a insolvência, a massa insolvente não beneficia da isenção referida na alínea u) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP – vide acórdão desta Relação, de 22.4.2014, processo n.º 268/14.5TBCLD.L1-2, relatado pelo ora relator e subscrito pela Exm.ª 1.ª adjunta)».

  4. Inconformada a Autora Massa Insolvente de AA - Comunicação e Eventos, S.A., interpôs RECURSO DE REVISTA para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: 1 - As alterações produzidas no Acórdão recorrido quanto às alíneas J), S), U), V) e W) dos Factos Provados não permitiam, nem permitem, a alteração da sentença de 1ª instância, que não devia ter sido alterada, mas, pelo contrário, devia ter sido mantida e confirmada, excepto quanto à condenação respeitante ao IVA sobre a quantia de € 126.563,84, por este não ser devido (cfr. art°s 1º e segts. do CIVA).

    2 - O objecto do presente recurso é, pois, a absolvição/condenação dos R.R. quanto ao pagamento à A. da quantia de € 126.563,84, acrescida dos juros de mora, além da condenação da A. no pagamento das custas da acção.

    3 - Dos factos constantes das alíneas A), B), C), I), J), R), S), T, U), V) e W) dos Factos dados como Provados resulta, sem margem para dúvidas, a responsabilidade, perante a A., do R. BB, por violação do dever de lealdade, e a responsabilidade solidária da R. CC, por enriquecimento sem causa à custa da A., relativamente à quantia de € 126.563,84, que foi depositada na conta da R. CC.

    4 - São questões que o Acórdão recorrido, conforme, aliás, expressamente reconhece a fls. 8 e 17, devia ter analisado e se pronunciado, mas que, todavia não fez, pois, a análise da "responsabilidade do 1º R. perante a A,, por violação do dever de lealdade" foi inteiramente omitida e, quanto ao "enriquecimento sem causa da 2a R. à custa da A,", pronunciou-se numa perspectiva alheia aos factos dados como provados.

    5 - O que constitui nulidade do Acórdão recorrido (cfr. art°s 615°, n° l-al°s b) e d), e 666° do Cód. Proc. Civil), que, para todos os efeitos, se argui.

    Sem prescindir, 6 - Como consta das alíneas A), B), C), J) e W) dos Factos Provados, o R. BB era, simultaneamente, administrador-delegado, com os poderes resultantes da procuração descrita na alínea C) dos factos provados, e sócio da A. e, por outro lado, gerente e sócio-maioritário da R. CC, e, no caso, actuou nas...

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