Acórdão nº 248/15.3T8FAR.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelTÁVORA VICTOR
Data da Resolução01 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO.

    Acordam na 7ª Secção Cível do Supremo Tribunal e Justiça.

    A AA - Imobiliária, S.A.

    instaurou acção declarativa contra o Estado Português, e pediu que fosse reconhecido o direito de propriedade da Autora sobre três prédios urbanos sitos na Vila … e descritos a seu favor na Conservatória de Registo Predial de … sob os números 10761, 10762 e 10763 – I vol., fls. 4 a 14.

    Alegou, em suma, que: (i) Os prédios resultaram de uma operação de loteamento do prédio misto descrito sob o número 8635, cuja parte urbana consistia num edifício construído antes de 1951; (ii) Em 2013, após demolição desse edifício e construção de novos edifícios em seu lugar, foi a obra embargada pela Agência Portuguesa do Ambiente, IP, por, alegadamente, ocupar o domínio público marítimo; (iii) os prédios não ocupam o domínio público marítimo, porque a largura da margem da Ria Formosa naquele local é de 10 metros, em face das águas não serem navegáveis, e os prédios situam-se a distância superior a 10 metros da linha que delimita a margem; e, (iv) porque mesmo que se entenda a largura da margem de 50 metros, os prédios localizam-se em zona urbana consolidada e fora do risco de erosão ou invasão do mar, e, as construções embargadas tiveram origem em construção anterior a 1951, estando reunidos os requisitos previstos no art. 15.º, n.º 5, al. c), da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro. O Réu Estado Português contestou e pediu a improcedência da acção – I vol., fls. 198 a 210.

    Alegou, em suma, que: Os prédios em causa confrontam com um canal da Ria Formosa navegável, usado por barcos de pesca e de recreio, sob jurisdição da Autoridade Marítima; e (ii) não tem fundamento a Autora pedir o reconhecimento do direito de propriedade privada sobre parcelas públicas de leitos ou margens das águas do mar.

    Na devida oportunidade, após ter sido realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença – fls. 418 a 449, que julgou a acção procedente e decidiu reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade privada sobre as parcelas de margens de águas navegáveis ou flutuáveis dos prédios sitos em … (…) descritos na Conservatória do Registo Predial de … sob os números 10761/20121030 – lote 1, 10672/2012030 – lote 2, e 10763/ 20121030 – lote 3 (…) desde o limite da construção até à zona atingida pela água na maré alta, nos termos constantes dos levantamento topográfico de fls. 260, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º, n.º 6, al. c) da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 34/2014, de 19 de Junho.

    O Réu Estado Português interpôs recurso de apelação e o tribunal da Relação, por Acórdão – fls. 491 a 506, confirmou a sentença.

    Inconformado, o Réu Estado Português interpôs recurso de revista excepcional, tendo no termo de tudo quanto alegou pedido que se revogue o acórdão da Relação, proferindo-se um outro que julgue improcedente a presente acção, absolvendo-se o Réu do pedido Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões 1) A interpretação do conceito de zona urbana consolidada previsto no art.º 15.º n.º 5 al. c) da Lei nº 54/2005 e no art.º 2.º al. o) do RJUE terá de se realizar tendo em conta a unidade do sistema jurídico, como se impõe no art.º 9.º n.º 1 do Código Civil, devendo por isso conjugar-se com as disposições pertinentes constantes dos planos directores municipais relativas à classificação dos solos, sob pena de a falta de tal conjugação conduzir a resultados interpretativos que violam a referida unidade do sistema jurídico.

    2) Como resulta do disposto no Regulamento nº 15/2008, de 10/1, que procedeu à alteração ao Regulamento do Plano Director Municipal de …, o terreno em causa nos autos não faz parte dos espaços qualificados como “Espaços Urbanos”, previstos na Secção VI do dito Regulamento (arts.º 46.º e seguintes).

    3) Tal terreno está integrado nos espaços qualificados como “Espaços Urbanizáveis”, previstos na Secção VII do Regulamento, e dentro destes como “Espaço Urbanizável de Expansão”, no seu art.º 56.º n.º 2 al. a), sendo ainda perfeitamente identificado no art.º 57.º n.º 2 como “Espaços urbanizáveis de expansão II (contíguos aos espaços urbanos estruturantes das vilas da … e de …)”. 4) Resulta da definição constante do art.º 2.º al. o) do DL 555/99, nomeadamente da expressão aí utilizada “densidade de ocupação que permite identificar uma malha ou estrutura urbana já definida, que a zona urbana consolidada terá de ser, antes de mais, um espaço urbano, como tal classificado no respectivo PDM.

    5) A definição da estrutura urbana está instituída nos planos directores municipais e constitui a sua função essencial, pelo que a referência a essa “estrutura urbana já definida” remete claramente para a classificação dos solos constante do PDM em vigor, impondo, em consequência, que só possa ser considerada zona urbana consolidada aquela que, à partida, esteja já classificada como espaço urbano, no respectivo PDM.

    6) É esta a interpretação que se mostra mais consentânea com a unidade do sistema jurídico, uma vez que a criação do referido conceito de zona urbana consolidada visou precisamente evitar a necessidade de obtenção de licença de construção para essas zonas, quando respeitados os respectivos planos municipais, como se estipula no art.º 6.º n.º 1 al. f) do DL 555/99.

    7) No caso dos autos, o terreno em causa está classificado no PDM de ... como “Espaços urbanizáveis de expansão II (contíguos aos espaços urbanos estruturantes das vilas da … e de …)”, e não como “Espaços Urbanos”, pelo que não pode revestir a natureza de zona urbana consolidada prevista no art.º 2.º al. o) do RJUE e, consequentemente, não pode relevar para o preenchimento desse requisito previsto no art.º 15.º n.º 5 al. c) da Lei nº 54/2005.

    8) Por outro lado, resulta da referida norma, ao referir-se a terrenos que “ …se encontrem ocupados por construção anterior a 1951” que a área a reconhecer como propriedade privada corresponde unicamente à área do terreno efectivamente ocupada pela construção anterior a 1951, incluindo-se nessa “construção” a área do quintal ou logradouro que eventualmente integre o prédio urbano a considerar, mas não a área de um prédio rústico contíguo, que originariamente era descrito na Conservatória como prédio misto.

    9) No caso dos autos, os prédios actualmente existentes, ou seja, os lotes resultantes do loteamento, ou as edificações neles construídas, são provenientes de um anterior prédio rústico e abrangem áreas muitíssimo superiores à que ocupava a construção anterior a 1951, pois esta era apenas constituída “por um armazém para arrecadação de apetrechos de pesca, com a área de 24 m2 “.

    10) Dado que se verifica não existir qualquer logradouro do prédio urbano constituído pelo armazém de 24 m2 anterior a 1951, apenas a referida área de 24 m2 pode ser reconhecida como propriedade privada, nos termos da referida al. c), do n.º 5 do art.º 15.º da Lei n.º 54/2005, e não a totalidade do prédio misto originário, cuja parte rústica nunca esteve “ocupada por construção anterior a 1951”.

    11) Em consequência, não se mostrando preenchidos os requisitos excepcionais previstos no referido art.º 15.º n.º 5 al. c), sempre a A. teria de fazer a prova da sua propriedade nos termos previstos nos números 2, 3 e 4 do art.º 15.º da Lei nº 54/2005, prova essa que a A. não fez, não tendo sequer invocado tal causa de pedir.

    12) Não tendo assim decidido, o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, o disposto no art.º n.º 15.º nºs. 2, 3, 4 e 5 da Lei nº 54/2005, de 15/11, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 34/2014, de 19/6, bem como o disposto no art.º 2.º al. o) e 6.º n.º 1 al. f) do DL nº 555/99 e os artsº 46.º e 57.º do Regulamento nº 15/2008, de 10/01, devendo ter interpretado tais normas com o sentido que decorre das conclusões que antecedem.

    A Autora apresentou contra-alegações – fls. 552 a 569.

    A Formação de juízes a que alude o art. 672.º, n.º 3, do CPC admitiu o recurso – III Vol., fls. 582 a 584.

    Foram dispensados os vistos.

    Cumpre decidir.

    * O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes, 2.

  2. Factos.

    2.1.

  3. A Autora AA -Imobiliária, SA. tem inscrita a seu favor a aquisição por compra de três prédios urbanos, compostos por terreno para construção, sitos em …, Rua …, Vila …, fazendo parte actualmente da União de Freguesias de … e … (anteriormente freguesia de …), descritos na Conservatória do Registo Predial de … sob os números 10...1/20121030 - lote 1 -, 10...2/20121030 - lote 2 - e 10...3/20121030 - lote 3, inscritos na matriz respectivamente sob os artigos 6273º, 6274º e 6275º, tal como resulta de fls. 19 a 41 e 49 a 58, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 1º da petição inicial).

    2.1.

  4. Os prédios urbanos referidos em 1) resultaram da operação de loteamento titulada pelo Alvará de Loteamento n.º 2/2012, emitido pela Câmara Municipal de … em 4 de Outubro de 2012 a favor da Autora...

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