Acórdão nº 2344/15.8T8BCL.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório Recorrente: AA Recorridos: BB, CC, DD e EE 1. AA, em 31 de Outubro de 2015, propôs a presente acção declarativa para investigação da paternidade contra BB, CC, DD e EE pedindo: a) que seja reconhecido e decretado que o Autor é filho de FF; b) que seja ordenado o averbamento de tal paternidade e da avoenga daí resultante ao assento de nascimento do Autor; c) serem os réus condenados a reconhecer o Autor como filho de FF.

Alegou para o efeito e essencialmente: - ter nascido a …/…/1959, e que, por assento lavrado em …/…/1959, ter sido registado como sendo filho de GG, sendo tal assento omisso na menção da sua paternidade; - serem os réus os únicos herdeiros de FF, sendo a primeira Ré viúva sobreviva do finado FF e o segundo, terceiro e quarto réus filhos e herdeiros daquele FF.

- ter a sua mãe e o falecido FF travado conhecimento por aquela ser empregada doméstica na casa dos pais deste e onde aquele residia à data; - ter o falecido FF seduzido sua mãe, iniciando-se entre ambos um relacionamento íntimo, desde pelo menos meados de 1955, que perdurou até pelo menos de Julho de 1958, altura em que sua mãe foi despedida por os pais do falecido CC terem descoberto que se encontrava grávida; - ter a sua mãe confessado a familiares que tinha mantido relações de cópula completa com FF, não tendo tomado especiais cuidados para evitar uma eventual gravidez, relações que se situaram temporalmente no período compreendido dentro dos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o seu nascimento; - não ter a sua mãe mantido, desde que iniciou as funções de doméstica na casa dos pais do CC e até ter sido despedida, qualquer outro contacto de índole sexual para além da relação com CC; - ser do conhecimento geral entre vizinhos, familiares e amigos que FF, era seu pretenso pai.

  1. Após citação, os Réus apresentaram contestação excepcionando o caso julgado e a caducidade do direito de propor a presente acção. Deduziram ainda defesa por impugnação alegando essencialmente que, durante o período de concepção, a mãe do Autor manteve relações sexuais com vários homens, podendo qualquer um deles, ser o pai do Autor, negando que a mãe deste tivesse trabalhado para os pais de FF e que com este tenha estabelecido relações de amizade, de intimidade ou namoro, designadamente no período legal de concepção.

    Quanto ao caso julgado alegam que na década de 60 a mãe do Autor, em representação deste, intentou acção de investigação da paternidade contra o falecido FF, tendo sido proferida sentença, transitada em julgado, que julgou a acção improcedente, absolvendo o FF do pedido.

    Relativamente à excepção da caducidade invocam o decurso do prazo previsto no artigo 1817.º, n.º1, do Código Civil.

    Concluem pela improcedência da acção e a condenação do Autor como litigante de má-fé.

  2. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de caso julgado e relegado para sentença o conhecimento da caducidade do direito do Autor. Após realização de exame pericial e de audiência de julgamento foi proferida sentença (em 10 de Fevereiro de 2017), que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção, absolvendo os Réus do pedido.

  3. Inconformado o Autor apelou impugnando a matéria de facto fixada pela 1ª instância.

  4. O Tribunal da Relação de Guimarães (por acórdão de 14 de Junho de 2017) julgou improcedente o recurso.

  5. 5. Interpôs o Autor recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil (doravante CPC), considerando estar em causa questão de relevância jurídica e de particular interesse e relevância social. Formulou as seguintes conclusões: “I O Tribunal a quo considerou apenas os interesses dos recorridos.

    II . Por ser inconstitucional o previsto no nº l do art.º 1817º e no art.º 1873º do Código Civil não deveria ter o Tribunal a que ter aplicado as referidas normas e em consequência 1ulgado procedente a exceção perentória da caducidade.

    III Assim, o artigo 1917º, n1, do CC. na redacção emergente da Lei nº 14/2009. de 01-04, ao estabelecer o prazo de caducidade de 10 anos após a maioridade (ou emancipação) do investigante para a propositura da acção de investigação de paternidade (cf. artigo1873º) é inconstitucional, por violação dos artº s, 18º nºs 2 e 3, 26º, nº 1 e 36º nº 1 da CRP.

    1. Pelo que, deverá tal normativo ser declarado Inconstitucional, por violação dos artigos 26º nº 1, 36º, nº 1 e 18º, nº 2 do CRP, uma vez que, independentemente da proporcionalidade ou desproporcionalidade da consagração de um prazo de caducidade, o artigo 1817º, nº 1 do Código Civil, na sua nova redação, é uma lei restritiva de direitos, liberdades e garantias.

    2. Ao decidir como decidiu o Tribunal a que violou o disposto nos artigos 13º nº 1 e 218º nºs 1e 2, 26º, nºs 1 e 3 e 36º nº1 1 e 4 da Constituição da República portuguesa” 7. Os Réus pugnaram pela improcedência do recurso.

  6. Por decisão da Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do CPC, a revista excepcional foi admitida.

    II – APRECIAÇÃO DO RECURSO De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil, doravante CPC), impõe-se conhecer a seguinte questão: ð Da caducidade do direito de acção 1. 1 Os factos provados 1. O Autor nasceu no dia …/…/1959, na freguesia ..., concelho de ... [artigo 1º da petição inicial].

  7. Por assento lavrado em …/…/1959, foi o Autor registado como sendo filho de GG, residente no Lugar ..., freguesia ..., concelho de ... [artigo 2º da petição inicial].

  8. O assento de nascimento do Autor é omisso na menção da sua paternidade [artigo 3º da petição inicial].

  9. A mãe do Autor, GG, vivia no lugar ..., freguesia ..., concelho de ..., local onde residiu desde sempre e onde ainda actualmente se encontra [artigos 4º e 5º da petição inicial].

  10. Os Réus são os únicos herdeiros de FF, residente que foi na freguesia ..., concretamente, na Av. …, lugar de ..., na citada freguesia e falecido na mesma freguesia em …/…/1987 [artigos 6º, 7º, 8º e 11º da petição inicial].

  11. A primeira Ré é a viúva sobreviva de FF, com quem contraiu matrimónio [artigo 9º da petição inicial].

  12. O segundo, terceiro e quartos Réus são filhos de FF [artigo10º da petição inicial].

  13. A mãe do Autor, GG, e FF travaram conhecimento por aquela ser empregada doméstica na casa dos pais deste e onde aquele residia à data [artigos 12º e 15º da petição inicial].

  14. Entre ambos se iniciou um relacionamento amoroso que perdurou até pelo menos desde data não concretamente apurada do ano de 1957 até Julho de 1958, altura, em que os pais do FF descobriram que a mãe do Autor estava grávida tendo esta deixado de ali trabalhar [artigos 18º, 19º, 21º, 22º, 30º e 31º da petição inicial].

  15. Tal relação amorosa foi por muita gente conhecida [artigo20º da petição inicial].

  16. Entre meados de 1957 e pelo menos Julho de 1958 GG e FF mantiveram entre si relações sexuais de cópula completa não tendo tomado especiais cuidados para evitar uma eventual gravidez [artigos 24º e 27º da petição inicial].

  17. Tendo a sua mãe, confessado a familiares que tinha mantido relações com o FF [artigos 26º e 29º da petição inicial].

  18. Desse relacionamento sexual de cópula completa nasceu o Autor [artigos 32º, 34º e 41º da petição inicial].

  19. Era do conhecimento geral entre vizinhos, familiares e amigos, que o Autor era filho de FF e ninguém atribuía ou atribui ao Autor outro pai [artigos 35º e 36º da petição inicial].

  20. A presente acção foi intentada no dia 31 de Outubro de 2015 [artigo 9º da contestação].

  21. O Autor pelo menos desde Janeiro de 2005 tem conhecimento que FF pode ser seu pai [artigo10º da contestação].

  22. O Autor casou em … de … de 1979 [artigo19º da contestação].

  23. Foram realizados no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP, exames ao sangue colhido aos Autor e 2º, 3º e 4º Réus do que resultou a elaboração do respectivo laudo pericial, segundo o qual FF não pode ser excluído como pai biológico do Autor e a análise estatística da probabilidade de FF ser pai do Autor quando comparado ao acaso com um indivíduo da mesma população, conduziu a uma probabilidade de w=99,8%, considerando uma probabilidade a priori de 0,5.

    1.2. Os factos não provados: a. Que a mãe do Autor não tivesse qualquer conhecimento da vida quando trabalhou na casa dos pais de FF [artigo 16º da petição inicial].

    1. Que o FF tivesse seduzido a mãe do Autor e que esta fosse despedida pelos pais do CC [artigo19º da petição inicial].

    2. A mãe do Autor, desde que iniciou as funções de doméstica na casa dos pais de CC até ter dali saído, não mais manteve qualquer contacto de índole sexual com quem quer que seja [artigo 23º da petição inicial].

    3. Até ao nascimento do investigante Autor, a mãe deste não teve relações sexuais com nenhum outro homem [artigo 25º da petição inicial].

    4. As linhas fisionómicas do rosto do Autor realçam inequívoca semelhança com os traços do semblante do CC [artigo 37º da petição inicial].

  24. O direito O acórdão recorrido, na sequência do decidido na sentença, concluiu no sentido da caducidade do direito do Autor accionar os Réus por decurso do prazo de 10 anos previsto no artigo 1817.º, n.º1, do Código Civil[1].

    Este entendimento mostra-se alicerçado nas seguintes premissas: - decorrer dos factos provados que o Autor desde, pelo menos, Janeiro de 2005, se encontrava em condições de propor a presente acção; - não se mostrarem provadas quaisquer circunstâncias que justificassem ou impossibilitassem a investigação por parte do Autor; - não padecer de inconstitucionalidade a norma do artigo 1817.º, n.º1, do CC, na redacção da Lei 14/2009, de 01-04, ao estabelecer um prazo de 10 anos para a propositura da acção de investigação da paternidade contado da maioridade ou da emancipação do...

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