Acórdão nº 7461/11.0TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA - Empreendimentos Turísticos e Hoteleiros, S.A. (A.), instaurou, em 13/10/2011, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a sociedade BB - Imobiliária e Industrial, Lda (R.), alegando, em síntese, que: .

Em 28/01/1999, a R. celebrou com a Sociedade de Construções CC, Lda., no âmbito das respetivas atividades comerciais e industriais, um contrato-promessa, nos termos do qual aquela se obrigou a vender a esta sociedade, pelo preço 137.500.000$00 (equivalente a € 685.850,00) dois lotes de terreno, designados por lotes n.º 54 e 55, a destacar de um prédio da propriedade da mesma R., sito no lugar e freguesia de …, Cascais, destinados à construção de habitações; .

A promitente-compradora fez entregas, a título de sinal, que entretanto vieram a ser imputadas ao pagamento de outro lote de terreno; .

Porém, mediante escrituras de 16/06 e de 17/07 de 2003, a R. BB vendeu à sociedade DD, Lda, os dois referidos lotes de terreno que tinha prometido vender à CC; .

Em ação proposta contra a ora R., que correu termos sob o n.º 5988/ 06.5TBCSC, a CC pediu que fosse decretada a resolução do sobredito contrato-promessa por violação culposa daquela R. e que esta fosse condenada a restituir-lhe o sinal em dobro, no montante de Esc. 70.6000.000$00, com juros moratórios vencidos e vincendos até efetivo pagamento; .

Essa ação foi julgada totalmente improcedente nas instâncias, mas, em sede de revista, conforme acórdão do STJ proferido em 22/09/2009 e já transitado, o referido contrato-promessa foi declarado resolvido com fundamento em incumprimento definitivo deste contrato por culpa da R. BB, embora esta fosse ali absolvida relativamente ao pedido de restituição do sinal em dobro, por não ter existido prestação de tal sinal; .

Em virtude desse incumprimento, a CC, promitente-compradora, sofreu, a título de lucros cessantes, um prejuízo no valor de € 1.556.667,00, calculado com base no valor presumível de venda dos imóveis que não foi possível construir naqueles lotes, deduzidos os valores de realização das construções; .

Nessa medida, a R. está obrigada a ressarcir os prejuízos que a CC sofreu com tal incumprimento, crédito este que esta sociedade cedeu, entretanto, à ora A. e do que a R. foi notificada em 16/09/2011. Concluiu a A. pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a indicada quantia de € 1.556.667,00, acrescida de juros moratórios à taxa comercial de 8% e de juros compulsórios à taxa legal.

  1. A R. contestou, sem impugnar a cessão de crédito, alegando, no essencial, o seguinte: .

    Nem o STJ nem as instâncias apreciaram em concreto a existência de culpa da R. no incumprimento do contrato; .

    Mesmo que assim não fosse, a pretensão da A. sempre teria de sucumbir, porquanto, num outro segmento decisório do acórdão do STJ, se decidiu que as consequências do incumprimento são as “dos n.ºs 2 e 4 do artigo 442.ºdo Código Civil”; .

    Tendo havido convenção de sinal e prestação inicial do mesmo, por parte da promitente-compradora CC, mas imputado pela R., promitente-vendedora, sem oposição daquela, ao pagamento parcial da compra de um outro lote, e não tendo as partes estipulado, no âmbito do contrato-promessa de 28/01/1999, qualquer indemnização para além do previsto no art.º 442.º, n.º 2 e 4, do CC, não há lugar a indemnização peticionada, o que, de resto, seria abusivo, uma vez que a CC nunca pagou o sinal acordado, como decorre do acórdão do STJ de 22/09/2009; .

    A ter algum direito de indemnização resultante do incumprimento do contrato-promessa de 28/01/1999, essa hipotética indemnização nunca poderá exceder o valor do dobro do sinal que a CC deveria ter pago e não pagou, ou seja, o valor de € 199.599,16.

    Concluiu a R. pela improcedência da ação.

  2. Na perspetiva do desenvolvimento processual que aqui interessa, realizada a audiência final, foi proferido a sentença de fls. 464/v.º a 473/v.º, datada de 15/06/2016, a julgar a ação improcedente.

  3. Inconformada, A. recorreu dessa decisão para o Tribunal da Relação de … que, através do acórdão de fls. 521-554, de 20/06/2017, julgou, no que aqui releva, a apelação procedente, revogando a decisão e condenando a R. a pagar à A. a indemnização de € 350.000,00, acrescida de juros contados desde a citação até ao efetivo pagamento à taxa legal.

  4. Desta feita, veio agora a R. recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Atenta a factualidade assente pelas instâncias (designadamente pontos 4 e 6 dos factos provados), no sentido factual, não pode dizer-se que não houve sinal (sinal convencionado e sinal prestado), o que, diferentemente, pode afirmar-se - já do domínio da qualificação e da interpretação jurídica -, é que, como o sinal foi posteriormente imputado a um outro negócio, deixou de existir pagamento de sinal para imputar à prestação de pagamento do preço neste contrato; 2.

    a - O acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do artigo 442.º, n.ºs 1, 2 e 4 do CC, ao decidir que num contrato-promessa de compra e venda em que as partes convencionaram a prestação de um sinal e no qual este veio a ser prestado, um subsequente acordo quanto à imputação do sinal prestado a um outro negócio, afasta o funcionamento do mecanismo do sinal de forma a que o incumprimento contratual possa dar lugar ao apuramento de uma indemnização a apurar nos termos gerais da responsabilidade civil contratual; 3.ª - Ao contrário do entendimento pressuposto no acórdão recorrido, não se mostram apurados factos integrantes de um dever de indemnizar fundado em responsabilidade civil contratual da Recorrente, designadamente factos caracterizadores da existência dum núcleo essencial de prejuízos na esfera jurídica da A./Recorrida, não podendo o tribunal servir-se exclusivamente de presunções judiciais para ficcionar a existência de danos que ao lesado incumbia alegar e provar, nem julgar por equidade para esse efeito, mostrando-se violados os artigos 798.º e 562.º a 566.º, n.º 3, do CC; 4.ª - O que o artigo 566.º, n.º 3, do CC permite é a fixação por equidade da quantificação do valor exato dos danos, o que supõe que estes existam e como tal sejam identificados, tendo para o efeito sido alegados e provados factos que traduzam a existência de danos - v.g. o recente acórdão do STJ, de 27-04-2017 no Proc. n.º 685/03. 6TBPRG.G1.SI (Hélder Roque) e, entre outros, o Ac. do STJ de 8-6-2006, no Proc. n.º 06A149 (Sebastião Póvoas), in www.dqsi.pt -, não existindo norma legal que no caso dos autos autorize a julgar por equidade sobre o dever de indemnizar ou sobre a verificação dos requisitos da responsabilidade civil.

    5.ª - Contrariamente ao decidido pelo tribunal “a quo”, o simples incumprimento de um contrato-promessa com a frustração do negócio prometido de compra e venda de um lote de terreno, sem a demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil - v.g. o Ac. do STJ, de 10/03/2013, no Proc. n.º 9074/09.8T2SNT.L1.SI (Orlando Afonso), in www.dqsi.pt.

  5. a - Ao fixar a indemnização por equidade em € 350.000,00 acrescido de juros, o acórdão recorrido ultrapassa os limites e pressupostos do juízo equitativo, não se apresentando tal valor suficientemente fundamentado de molde expor a “ratio decidendi” utilizada pelo Tribunal, nem se revelando adequado, proporcional e justo em face do contexto factual que se mostra provado, mostrando-se violado o artigo 566.º, n.º 3, do CC; 7.ª - O valor de "garantia mútua escolhido pelas partes", não corresponde aos valores previstos no contrato - aos quais atendeu o juízo equitativo do acórdão recorrido -, antes corresponde ao valor do sinal que foi efetivamente prestado de € 99.759,58 (embora posteriormente imputado a outro negócio), valor este que se situa claramente abaixo daquele que veio a ser fixado no acórdão recorrido; 8.ª - Pretendendo-se tomar como “parâmetro” para o juízo de equidade, o valor do “sinal em dobro” peticionado pela A. em processo judicial antecedente, impor-se-ia considerar que esta apenas prestou o sinal de 20.000.000$00 (€ 99.759,58), ao qual corresponderia, em dobro, apenas a importância de € 199.519,16, sendo certo que a indemnização em dobro definida pelo mecanismo do artigo 442.º, n.º 2, do CC, pressupõe que metade da quantia indemnizatória corresponde a uma mera restituição do valor de sinal recebido pelo promitente-vendedor, o que no caso dos autos não faria sentido algum dado que tal quantia já havia sido restituída à promitente compradora aquando da imputação do sinal a outro negócio.

    9.ª - O acórdão recorrido viola por errada interpretação e aplicação os artigos 566.º, n.º 2, 805.º e 806.º do CC, ao condenar no pagamento de juros sobre a indemnização arbitrada por equidade desde a data da citação, já que o tribunal deve fixar a indemnização tendo por referência a data mais recente que puder ser atendida, como fez, só correndo juros de mora desde a decisão - v.g. o ac. do STJ, de 02/27/2014, no Proc. n.º 889/11.8 TBSSB.L1-6, in www.dqsi. pt.

  6. Por sua vez, a A. apresentou contra-alegações e interpôs revista subordinada, a pugnar pela fixação da indemnização em € 500.000,00, rematando com as seguintes conclusões: 1.ª - Improcedem todas as conclusões formuladas pela Recorrente; 2.ª – A equidade conduz a uma indemnização equitativa de € 500.000,00, mesmo assim inferior aos lucros cessantes da sociedade CC Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II - Delimitação do objeto dos recursos Tendo a ação sido proposta em 13/10/2011 e as decisões impugnadas proferidas em 15/06/2016 (na 1.ª instância) e 20/06/2017 (na Relação), é aplicável o regime recursal do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, nos termos do art.º 5.º, n.º 1, desta Lei.

    Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º...

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