Acórdão nº 3747/13.8T2SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

AA (A.) intentou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, em 11/02/2013, contra o Condomínio do Prédio Urbano sito na .... (1.º R) e BB (2.ª R.), alegando, no essencial, que: .

A A. é proprietária da fração autónoma correspondente ao 5.º andar esquerdo do prédio urbano sito …, n.º …, na …, Amadora; .

Por sua vez, a 2.ª R. é proprietária da fração localizada no último piso, correspondente ao 6.º andar direito, do mesmo prédio, constituída em atelier, mas que a aquela R. utiliza como sua habitação; .

Em 1997, a 2.ª R. efetuou diversas obras na respetiva fração, nomeadamente a alteração das casas de banho e a construção de cozinha e de uma segunda instalação sanitária, estendendo aquela fração a espaço dantes ocupado pelos terraços existentes em parte comum; .

A mesma R., com a ajuda e autorização da administração do condomínio (1.º R.), desviou o algeroz das águas pluviais do lado direito para o lado esquerdo, alterando os terraços; .

Por via disso, pelo menos desde 1997, a canalização de escoamento das águas da fração da 2.ª R. (6.º andar direito) ficou ligada à canalização e varanda da fração do 6.º andar esquerdo correspondente à “casa da porteira”, que é parte comum; .

Tais obras foram realizadas sem que a 2.ª R. tivesse obtido licença para tal: .

A referida alteração da canalização de escoamento das águas pluviais tem causado quer inundações nas áreas comuns, quer infiltrações abundantes na fração da A., de forma continuada e que se agravam de ano para ano; .

Dessas infiltrações tem resultado, na fração da A., a destruição do tecto, das paredes, das portas, do guarda-fato e do chão do quarto e do resto da casa, bem como dos móveis da cozinha; .

O mau estado da sobredita cozinha derivada daquelas infiltrações impede a A. de ali permanecer por muito tempo e nela confecionar as suas refeições, seja por causa do frio e da humidade, seja pelo risco de derrocada; .

Em virtude da situação acima descrita, a A. encontra-se doente há anos, devido a problemas respiratórios e do foro nervoso; .

Pelo menos desde 13/04/2009, existe decisão final proferida no processo n.º 303/2007 instaurado na Câmara Municipal da Amadora no sentido de a 2.ª R. demolir a construção ilegal realizada na respetiva fração, mas esta R. nunca repôs a situação anteriormente existente; .

Por seu lado, o 1.º R. nada fez para evitar as referidas infiltrações ou reparar os seus efeitos; .

Assim, são ambos os R.R. solidariamente responsáveis pelas infiltrações verificadas na fração da A. e pelos danos patrimoniais delas decorrentes, em montante a liquidar ulteriormente; .

A par disso, tem a A. direito a indemnização por danos não patrimoniais, devidos a todo o transtorno, receio, ansiedade, nervosismo, insónias, etc., por ela sofridos ao longo de, pelo menos, quinze anos, a fixar em montante não inferior a € 20.000,00.

Concluiu a A. a pedir que os R.R. fossem condenados: i) – a pagar-lhe a quantia que se viesse a liquidação para efeitos de execução de sentença, a título de reparação dos danos patrimoniais causados na sua fração; ii) – a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, quantia não inferior a € 20.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação; ii) – a localizar a origem das infiltrações, a remover as respetivas causas e a reparar os referidos danos na fração da A..

2.

A 2.ª R. BB apresentou contestação, em que, além de impugnar os factos alegados na petição inicial, invocou: a) – Em primeira linha, a exceção perentória da prescrição do direito peticionado, ao abrigo do artigo 498.º, n.º 1, do CC, sustentando que: .

Na versão da própria A., as alegadas obras que pretensamente causaram as ditas infiltrações na sua fração teriam ocorrido, segundo ela diz crer, em 1997, momento em que, portanto, a mesma teve conhecimento disso; .

Assim, independentemente do conhecimento da extensão dos danos ou da sua continuação, atenta a data da propositura da presente ação, já decorreu o prazo de prescrição estabelecido no indicado artigo 498.º, n.º 1, do CC; b) – Em segundo plano, a exceção dilatória de caso julgado, considerando que: .

O objeto da presente ação já foi decidido, por sentença transitada em julgado em 26/09/2005, no âmbito de uma ação declarativa instaurada pela ora A. contra os também aqui R.R., a qual correu termos no processo sumário n.º 4037/03.OPAMD do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Amadora, em que a causa de pedir ali alegada corresponde essencialmente à da presente causa – a realização das obras em 1997; .

Aquela ação foi então julgada improcedente por não se ter provado que as alegadas infiltrações derivassem das canalizações efetuadas nem que a eventual conduta da R. fosse causal das mesmas; .

Não se tendo ali reconhecido o direito da A. à reparação dos danos patrimoniais, por parte da 2.ª R., a respetiva absolvição do pedido é extensiva aos demais danos que a mesma A. agora reclama.

Nessa base, concluiu a 2.ª R. pela sua absolvição da instância com fundamento em exceção de caso julgado e, subsidiariamente, pela sua absolvição do pedido com fundamento na exceção de prescrição ou na própria improcedência da ação, pedindo ainda a condenação da A., como litigante de má fé, em multa e indemnização não inferior a € 1.500,00, incluindo os honorários do mandatário.

3.

Por sua vez, o 1.º R., Condomínio do prédio sito na Avenida … n.º …, na Amadora, deduziu contestação, na qual, além de impugnar os factos alegados pela A., invocou também, em termos similares aos deduzidos pela 2.ª R.: a) - A exceção de caso julgado, em face do decidido no processo n.º 4037/03.OPAMD; b) – A exceção perentória prescrição do direito peticionado. Concluiu, assim, aquele R. pela sua absolvição da instância e, subsidiariamente, pela sua absolvição do pedido com fundamento na prescrição ou na própria improcedência da ação.

  1. Respondendo as exceções deduzidas pelos R.R., a A. veio pugnar, no que aqui releva, pela sua improcedência, sustentando, em síntese, o seguinte: .

    Embora a A. tivesse alegado que as obras, segundo crê, teriam ocorrido em 1997, nunca invocou que tivesse conhecimento delas ou dos seus efeitos naquela data; .

    Não obstante isso, trata-se de uma ação ilícita continuada e de danos que se protelam no tempo, não se encontrando, por isso, alcançados pelas invocadas exceções de prescrição e de caso julgado.

  2. Foi realizada audiência prévia em 29/05/2017, no decurso da qual, fixada o valor da ação em € 30.001,00, foi proferido o despacho saneador consignado a fls. 316/v.º-329, decidindo: a) – julgar prescrito o direito que a A. pretendia fazer valer contra a 2.ª R. e, por via disso, prejudicadas as demais exceções contra esta invocadas; b) – julgar verificada a exceção de caso julgado no que respeita aos dois primeiros pedidos e à parte final do terceiro pedido (reparação dos danos na fração da A.) formulados contra o 1.º R., absolvendo este de tais pedidos; c) – julgar inepta a petição inicial quanto ao pedido de condenação na localização da origem das infiltrações e remoção das suas causas, absolvendo o 1.º R. da instância nessa parte.

    6.

    Inconformada com tal decisão, a A. veio interpor revista per saltum, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Não se verifica a prescrição do direito da Recorrente.

    2.ª - Os factos constitutivos do direito da Recorrente não ocorreram em 1997.

    3.ª - A Recorrente alegou que julgava que a 2.ª R. fizera obras ilegais em 1997 e que desde essa data que a sua fração sofre de infiltrações; 4.ª - A Recorrente nunca invocou o fim das mesmas, nem que delas conheceu, nem que conheceu ou conhece os efeitos das mesmas.

    5.ª - A Recorrente alegou que as infiltrações nunca cessaram; 6.ª - As infiltrações e deterioração na fração e no recheio da Recorrente são atuais e ocorrem de forma continuada desde, pelo menos, 1997; 7.ª - Após o trânsito em julgado da ação anteriormente intentada pela Recorrente continuam as infiltrações e danos na fracção da Recorrente.

    8.ª - A Recorrente depreende que tais infiltrações advenham das obras efetuadas pela 2.ª R. que alteraram o prédio, desconhecendo quais por não ter sido realizada a perícia requerida, vindo afetar a fração da Recorrente ou de irregularidades nas partes comuns, desconhecendo quais por não ter sido realizada a perícia requerida.

    9.ª - A Recorrente requereu a elaboração de perícia para aferição de alterações, deteriorações e análogos no prédio onde se encontra a sua fração, uma vez que pleiteia com apoio judiciário e não tem capacidades técnicas e financeiras para aferir por si ou ordenar elaboração de um relatório prévio para junção aquando da PI.

    10.ª - A Recorrente não tem competências técnicas para aferir da origem das infiltrações.

    11.ª - Não pode ser decidida a exceção de prescrição, sem a prévia realização da perícia requerida.

    12.ª - A Recorrente viu o seu direito a uma habitação condigna violado pelo facto da sua fração sofrer de infiltrações contínuas, desde, pelo menos, 1997, julgando serem decorrentes das obras ilícitas da 2.ª R., que provocaram danos permanentes e constantes no prédio, quer por rachas, excesso de águas, falta de escoamento de águas, desvio de águas, ou outros a aferir por perito, que são constantes e presentes, desconhecendo-as a Recorrente, ou decorrentes das partes comuns do edifício desconhecendo a Recorrente, na mesma medida, as causas e origem das infiltrações; porque desconhece é que veio a Recorrente demandar ambos os R.R.; 14.ª - O direito da Recorrente não se encontra prescrito.

    15.ª - Este prescreveria no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e a extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o prazo a contar do facto danoso.

    16.ª - Mesmo que tivesse prescrito em relação aos factos alegadamente ilícitos produzidos, alegadamente, em 1997, e caso não se entendam como...

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