Acórdão nº 221/08.8JAPRT-F.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução09 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 388 - FLS. 36.

Área Temática: .

Sumário: I- O Interrogatório judicial de arguido detido é um acto jurisdicional com funções eminentemente garantísticas e não de investigação ou de recolha de prova, em que o arguido surge como sujeito processual e não como objecto da investigação, constituindo dever do juiz de instrução minorar, na medida do possível, a desigualdade de que partem Ministério Público e arguido quanto ao conhecimento dos factos investigados e da prova recolhida.

II- O perigo de fuga há-de ser conclusão a extrair de factos concretos, evidenciados no processo, que indiciem uma preparação para a concretização de tal intento.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo 221/08.8JAPRT do 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto Relator - Ernesto Nascimento Acordam, em conferência, na Secção Criminal da Relação do Porto: I – Relatório: I. 1. Proferido o seguinte despacho: “a detenção dos arguidos, efectuada fora de flagrante delito, por indícios da prática de crimes públicos puníveis com pena de prisão, obedeceu ao disposto nos artigos 257°/2 e 258° C Penal e por isso declaro-a válida.

Requerimento apresentado em 4/6/2009 pelo arguido B…………: efectivamente resulta de fls. 4726 que a busca à residência do arguido se iniciou às 7 horas do dia 1/6.

O referido B…………… foi constituído e interrogado na qualidade de arguido pelas 10.05 do mesmo dia - cfr. fls. 4697.

Porém, ao arguido só foi dada voz de detenção pelas 13.30 horas do mesmo dia 1/6/2009.

O arguido, ao contrário do que sustenta, não esteve privado da liberdade desde as 7 horas desse mesmo dia, mas tão só a partir da 13.30 horas.

É que, conforme resulta do teor do n.° 1 do artigo 174° C P Penal, para a realização da busca, basta que existam indícios de que objectos e/ou documentos relacionados com um crime, possam encontrar-se em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.

A busca é, entre outros tipificados no C P Penal, um meio de obtenção de prova, destina-se tão só à recolha desses objectos e/ou documentos e não à privação da liberdade de quem quer que seja.

Recolhidos tais elementos em casa do buscado, há que os analisar, a fim de se concluir pela sua eventual conexão ao tipo de crime em investigação, e a relação do buscado com tais elementos.

O buscado é apenas suspeito e não arguido.

A constituição do suspeito na qualidade de arguido – artigo 58°/1 alínea a) C P Penal.

- só sucede pelos meio prescrito no n° 2 do artigo 58° - não só não o priva da liberdade, como constitui para ele um benefício, na medida em que ao contrário do que sucede com as testemunhas, o arguido não está obrigado a dizer a verdade - cfr. artigos 132º/1 b) C P Penal e 359°/1 C Penal - nem a prestar quaisquer declarações - cfr. artigo 61°/1 d) C P Penal.

Apenas no momento em que se conclui pela relação de tais objectos/bens/documentos apreendidos em casa do buscado com o tipo de crime em causa, após rápida análise, se poderá dar voz de detenção ao visado.

Foi o que sucedeu no caso dos autos. Essa detenção, no que ao arguido -Hélder respeita, só ocorreu pelas 13.30 horas do dia 1/6.

O 1° interrogatório judicial de arguido detido iniciou-se pelas 10.50 horas do dia 3/6/2009, conforme consta dos autos e, por isso, dentro do prazo a que alude o n.° 1 do artigo 141º C P Penal.

O que aqui se deixa referido, vale " mutatis mutandis " para os restantes co-arguidos, que vieram invocar a ilegalidade das respectivas detenções, por alegado excesso do prazo prescrito no citado n.° 1 do artigo 141° C P Penal.

A esta conclusão não obsta a argumentação expendida pelo arguido Ricardo Pereira segundo a qual o mandado de detenção foi enviado por fax às 10.38 horas do dia 1/6 e o arguido, embora conste do verso de fls. 4145 que o arguido foi detido pelas 11.45 horas do mesmo dia.

Efectivamente, nada obriga a que o O.P.C. tivesse que deter imediatamente o arguido logo que recebido o fax, podendo até suceder que se viesse a concluir não ser necessário deter o arguido.

Essa detenção, no que ao arguido Ricardo respeita, ocorreu apenas pelas 11.45 horas e não a outra qualquer hora.

Consequentemente improcede o requerido.

Custas do incidente a cargo dos requerentes, fixando em 2 Uc a taxa de justiça a cargo de cada um deles.

Da invocada nulidade do despacho judicial proferido no dia 3/6 que julgou improcedente idêntica argumentação expendida pelos co-arguidos C…………, D…………., E………….. F………… e G………… - consequente nulidade de todo o subsequente processado: desde já adiantamos improceder a invocada nulidade por carecer de qualquer apoio legal.

Com efeito, os arguidos encontram-se representados pelos respectivos mandatários judiciais - cfr. artigo 61°/1 e) e 62°/1 C P Penal.

Só a estes cabe assegurar a defesa dos arguidos – artigos 63º/1 e 61º/1 b) C P Penal e já não aos defensores dos restantes co-arguidos.

Além do mais, não há elementos nos autos que indiquem que os arguidos tivessem constituído defensores os restantes mandatários/defensores dos demais co-arguidos - cfr. artigo 62°/2 " a contrario" C P Penal.

Custas do incidente pelos requerentes, fixando em 2 Uc a taxa de justiça a cargo de cada um deles.

Da alegada nulidade/irregularidade do interrogatório judicial dos arguidos pelo facto de terem sido identificados em conjunto com os demais 18 co-arguidos e pelo facto de, imediatamente a tal identificação, não ter sido, logo de imediato, cumprido o disposto no n.° 4 do artigo 141° C P Penal, e, ao invés, se ter identificado os demais co-arguidos: mais uma vez, salvo melhor entendimento, entendemos carecerem de razão os arguidos.

Com efeito, o que os n.ºs 1 e 2 do artigo 141° C P Penal proíbem, é que outras pessoas, inclusive os restantes co-arguidos, possam tomar conhecimento dos motivos de detenção e das provas que fundamentam a detenção de cada co-arguido. E no caso dos autos, tal não sucedeu.

O referido preceito não impede que se possa identificar, tão só, o arguido na presença dos demais.

Por último, não foi violado o disposto no referido preceito legal, porquanto, uma vez identificados os arguidos, passou-se, quanto a cada um deles, já sem a presença dos demais, à informação dos direitos previstos no artigo 61° C P Penal (segundo momento do interrogatório) e de seguida, à informação dos motivos da detenção e indicação das provas que os fundamentam.

Custas pelos requerentes, fixando-se em 3 Uc a taxa de justiça a cargo de cada um deles.

Quanto à invocada falsidade dos mandados de detenção, não é este o momento próprio para conhecer de tal questão, havendo que seguir os trâmites prescritos nos artigos 544º e ss. C P Penal, aqui aplicáveis “ex v” do artigo 4º C P Penal.

Existem fortes indícios nos autos da prática dos seguintes factos: desde inícios de 2006 e até ao presente, os arguidos em conjugação de esforços e de forma premeditada, engendraram uma estratégia ou esquema, envolvendo meios e expedientes propositadamente pensados para o efeito, bem como uma organização ao seu serviço, com o único objectivo de defraudar várias empresas, causando-lhes prejuízos patrimoniais, e alcançar um enriquecimento ilegítimo.

Para esse efeito, o "modus operandi" dos arguidos consistiu na criação de empresas instrumentais com vista à realização de encomendas de mercadoria de valor elevado [fundamentalmente produtos alimentares], sem qualquer intenção de as pagar, as quais, depois de receberem, revenderam-nas a terceiros, a preços abaixo do preço de custo, integrando os lucros nos respectivos patrimónios.

Mais consistiu esse "modus operandi" numa estratificação de “personagens" com clara distribuição de tarefas, todas elas com o objectivo único de se locupletar com os dividendos ilícitos que conseguiam gerar.

Deste modo, tal empresa instrumental tinha um "dominus" [verdadeiro dono da empresa] que nelas colocava "gerentes de direito" [em regra, pessoas em difícil situação económica]; estes "gerentes de direito" eram substituídos, por vezes, o que acontecia quando estavam "marcados negativamente no mercado" e sempre para impossibilitar qualquer tentativa de identificação do dominus"; para além dos "gerentes de direito" referidos, o "dominus" também usava "testas de ferro" [em regra, indigentes e toxicodependentes], como sócios ou gerentes de direito, mas apenas para efeitos formais.

O "dominus'' assalariava igualmente "homens/mulheres de mão", pessoas que agiam em nome da empresa instrumental junto das demais empresas, às quais faziam encomendas das mercadorias e posteriormente controlavam os seus recebimentos.

Os negócios assim engendrados pelas empresas instrumentais, eram maioritariamente no ramo alimentar e ocorreram em dezenas de localidades de Norte a Sul do país [Famalicão, Braga, Fafe, Guimarães, S. Tirso, Póvoa de Varzim, Maia, Porto, Penafiel, Alijó, Lamego, Viseu, Anadia, Marinha Grande, Tomar, Torres Novas, Santarém, Santa Iria da Azóia Palmela e Lisboa].

Em regra, os primeiros negócios eram de montante reduzido e totalmente cumpridos, criando assim a convicção nos fornecedores da idoneidade das empresas instrumentais.

Contudo, na 2.° ou 3.° encomenda, era proposto um negócio volumoso, que de antemão os arguidos sabiam que não iam cumprir com a obrigação de pagar.

Para o efeito, os arguidos entregavam aos fornecedores, cheques pós-datados para 30 ou 60 dias, sendo que na maioria das vezes, antes da data neles inscrita, comunicavam ao banco sacado para não pagar tais cheques, por motivos de " extravio/roubo" ou " vício na formação da vontade"; outros eram simplesmente devolvidos com a menção de “falta de provisão".

Uma vez devolvidos os cheques sem pagamento pelos motivos indicados, quando os fornecedores lhes batiam à porta, encontravam as instalações das empresas instrumentais [das quais os arguidos ou não pagavam as rendas, ou pagavam apenas os primeiros 2 meses] abandonadas, sem quaisquer mercadorias.

Além disso, os arguidos faziam facturar as...

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