Acórdão nº 323/16 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução19 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 323/2016

Processo n.º 651/15

1ª Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

A., S.A., notificada do Acórdão n.º 138/2016, veio arguir a nulidade do mesmo, invocando o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, mediante requerimento com o seguinte teor:

«A. S.A. , Recorrida nos autos em que é Recorrente o Ministério Público, notificada do douto Acórdão proferido que decidiu não julgar inconstitucional a norma extraída da interpretação do artigo 113.º, n.º 1, alínea II) e n.º 6 da Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE), aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, em Conjugação com o artigo 54.º, número 5 daquela mesma lei (na redação originária) e com o artigo 26.º, n.º 2, alínea c) e n.º 3 do Regulamento de Portabilidade (RP),

Tendo detetado na motivação do referido Acórdão que impedem que este seja inteligível, vem requerer a nulidade do mesmo,

O que faz ao abrigo da alínea c) do número 1 e 4 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 69.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. Salvo o cabido respeito, e que é muito, o Tribunal Constitucional (TC) confunde no Acórdão em causa os dois operadores intervenientes no processo de portabilidade, chamando PR (Prestador Recetor) ao PD (Prestador Dador) e PD ao PR.

2. De facto, e diferentemente do que se escreve e sustenta no dito Acórdão (página 14), nem o interesse do PD é “(...) tudo fazer para ganhar um cliente”, nem o interesse do PR é “(...) não perder tal cliente” sendo - isso é que sim - precisamente o contrário!

3. Na verdade: .

a. PD (Prestador Detentor) é aquele que detém originariamente o cliente e que o cliente pretende abandonar, sendo portanto e à partida este e não outro (o PD e não o PR) o operador hostil ao processo da portabilidade: a portabilidade importará que o PD perca o cliente para o PD (…)

b. PR (Prestador Recetor) é, por sua vez, o operador para o qual o cliente muda ou pretende mudar e, com efeito, o operador beneficiado com o processo de portabilidade (…).

4. O equívoco do Acórdão é ainda visível na asserção feita de que “a lei considerou (...) que deveria impor ao prestador recetor o dever de facilitar a concorrência, de alguma forma agindo contra os seus interesses (ciente de que beneficiará da mesma norma em futura situação inversa)”.

5. Ora, está claro para todos quanto conhecem o processo de portabilidade que a obrigação de envio da documentação impende sobre o PR e que este não é o operador hostil ao processo de portabilidade, mas aquele que é beneficiado por esse processo.

6. Esta confusão dos papéis do PR e do PD e dos diferentes (opostos) interesses que lhe são subjacentes no processo de portabilidade - e em que inequivocamente incorre o TC - é determinante para o juízo que o Acórdão formula no sentido de entender que é indispensável ao processo de portabilidade a consagração como contraordenação do não pagamento da compensação entre operadores.

7. Veja-se que o Tribunal Constitucional parte do princípio de que é como operador que perde o cliente (operador hostil) no processo de portabilidade que a A. é chamada a pagar a compensação ao outro operador (operador beneficiado).

8. O raciocínio do Tribunal é mais ou menos o seguinte: se não passa o cliente ao outro operador, isto é, se não colabora (ou dificulta) no processo de portabilidade, a A. tem de ter uma sanção e essa sanção também deve traduzir-se na compensação ao outro operador, ao operador que deveria ter ficado com o cliente se o processo fosse regularmente concluído.

9. Acontece, porém, que a situação não é de todo essa: a A. é aquela das 2 operadoras a mais interessada no processo de portabilidade, é aquela que recebe o cliente e, sendo assim, não é verosímil nem expetável que obste de algum modo a esse processo.

10. Sendo as coisas desse modo [isto é, tendo incorrido o Tribunal Constitucional em lapso manifesto quanto a saber quem é o PR e quem é o PD no processo de portabilidade e, concretamente, quanto ao papel que a A. assumiu quando deixou de remeter ao PD (ou deixou de remeter dentro do prazo previsto) a documentação a que se refere o artigo 10.º n.º 3 do RP], resulta incompreensível, por falência e insubsistência total dos pressupostos em que se estriba e fundamenta, a conclusão a que chega o Tribunal Constitucional de que a compensação entre operadores constitui um instrumento indispensável ao funcionamento do processo de portabilidade,

11. Conclusão que o Tribunal Constitucional não pode deixar de reponderar e revisitar à luz dos dados aqui revelados, o que se requer através do presente pedido de nulidade do Acórdão por ambiguidade/obscuridade dos seus fundamentos.

Em jeito de complemento,

Não é de mais esclarecer que

12. A compensação entre operadores que aqui se discute é aquela a que se refere o art.º 26.º, n.º 3 do RP - disposição esta que, ao lado da alínea II) do n.º 1 do art.º 113.º da LCE e do n.º 5 do art.º 54.º do RP, também é posta em causa pela desaplicação feita pelo Tribunal a quo (…) - e que se funda na mera falta de envio ao PD por quem recebeu o cliente (PR) da documentação de denúncia relativa aos pedidos de portabilidade efetivadas nos 30 dias anteriores, o que não tem nada que ver com portabilidades indevidas (art.º 26.º, n.º 1 do RP).

13. De facto, o que está em causa não é, como já anteriormente referido, a A. ter obstruído qualquer pedido de portabilidade, nem tampouco ou sequer ter efetuado uma portabilidade não solicitada - mas tão-somente não ter enviado a documentação de denúncia relativa às portabilidades efetuadas no prazo subsequente de 30 dias, como previsto no art.º 10.º, n.º 3 do RP.

14. Essa documentação não é, na verdade, necessária ao processo de portabilidade porquanto os dados necessários à averiguação pelo PD da regularidade do pedido do PR que o origina já decorrem do pedido eletrónico de portabilidade a que se refere o número 5 do art.º 12.º do RP, conferindo ao 1.º (PD) a possibilidade de recusar esse pedido nos termos do art.º 1 3.º do mesmo RP, em especial, e naquilo que para aqui importa, da alínea c) do número 2 dessa disposição.

15. Sublinhe-se, aliás, que o facto de a documentação de denúncia relativa à portabilidade ser enviada, sempre e em qualquer caso, depois de esta (a portabilidade) ter sido concretizada demonstra que a execução da portabilidade é prévia e autónoma face ao envio da documentação de denúncia e que uma (a portabilidade) não está na dependência da outra (envio da documentação).

16. Aliás, nos casos em que o PR não envia in totum ao PD os documentos de denúncia a portabilidade previamente concretizada mantém-se (sendo apenas revertida se o assinante informar o PR que não a havia solicitado).

17. Ou seja, o envio (ou não) da documentação de denúncia não produz qualquer efeito negativo (ou positivo) na esfera jurídica dos assinantes, pelo que estes estão sempre protegidos e salvaguardados pela obrigação do PD e do PR de concretizarem o pedido de portabilidade apresentado, não se estando perante, portanto, qualquer limitação à liberdade de escolha dos assinantes.

18. Por outras palavras, o envio da documentação de denúncia (i) subsequente e independente em relação à execução da portabilidade e, dessa forma, (ii) não é necessário para permitir a mudança de operador.

19. Ao que acresce que o RP consagra expressamente a obrigação de envio posterior da documentação ao PD (pelo PR) como uma obrigação meramente supletiva, que as empresas podem dispensar por acordo (cf. art.º 10.º, n.º 3 do RP).

20. Ora, seria impensável que um mecanismo necessário (muito menos indispensável) para garantir o processo de portabilidade e os direitos dos assinantes estivesse na disponibilidade de terceiros, o que - se dúvidas houvessem ainda - clarifica de uma vez por todas o interesse que subjaz a essa obrigação.

21. É claro, portanto, que o pagamento das compensações por demora ou não envio da documentação de denúncia - que é devido exclusivamente por um operador (PR) a outro operador (PD) e efetuado sempre depois de concretizada a portabilidade - é um mecanismo acessório e sem qualquer impacto sobre o processo de portabilidade, é absolutamente indiferente para os assinantes e, por isso, não salvaguarda os direitos ou interesses dos assinantes.

22. E é claro, também, que o incumprimento do dever de envio (atempado) da documentação de denúncia - que, como se deixou expresso, é totalmente alheio à proteção dos direitos dos assinantes - traduz-se numa consequência económica desvantajosa para o operador relapso, na medida em que tal incumprimento consubstancia uma contraordenação punível nos termos conjugados do artigo 24.º do RP e do artigo 113.º, n.º 2, alínea aa) - como, aliás, se verificou nos presentes autos.

23. Até porque, importa salientar, à luz das normas e princípios constitucionais vigentes não se compreende que a consequência associada ao incumprimento de um dever interpartes, que tem um carácter e uma natureza privada e que não produz qualquer efeito ou consequência face ao público relevante (in casu, os assinantes de serviços de comunicações eletrónicas) possa assumir uma dimensão pública e seja suscetível de tratamento contraordenacional.

Finalmente,

Chama-se ainda a atenção para que,

24. Ao arrepio do que parece entender o Tribunal Constitucional, a ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT