Decisões Sumárias nº 254/16 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução04 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 254/2016

Processo n.º 347/16

  1. Secção

Relator: Conselheiro Teles Pereira

DECISÃO SUMÁRIA

(Artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC)

  1. “A., Lda.” deduziu impugnação judicial contra o ato de liquidação da designada “Taxa de Segurança Alimentar Mais”, no montante de € 6.099,60, levada a cabo pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária do Ministério da Agricultura e do Mar, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 119/2012, impugnação essa que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, com o n.º 257/13.7BEBJA

    1.1. A impugnante invocou, inter alia, a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, suscitando também a inconstitucionalidade orgânica da norma que prevê a referida contribuição (artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho). Concluiu pedindo a declaração de ilegalidade do ato impugnado, por inconstitucionalidade da norma em que se funda, com a consequente anulação da liquidação e devolução dos valores pagos a esse título.

    O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência da impugnação, por violação dos princípios da proporcionalidade ou da equivalência jurídica, da igualdade e da capacidade contributiva e da justa repartição dos encargos públicos.

    1.2. Foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que recusou a aplicação das normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, por serem organicamente inconstitucionais, julgando a impugnação judicial procedente quanto à anulação da liquidação.

    1.3. Constata-se – e é o que interessa ao presente recurso – que o Ministério Público interpôs recurso obrigatório da referida decisão para o Tribunal Constitucional (alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 3 do artigo 72.º, ambos da LTC), o qual foi admitido (fls. 161 e 165).

  2. A questão a apreciar pelo Tribunal, decorrente da decisão de recusa acima transcrita, reconduz-se, no essencial, à inconstitucionalidade orgânica do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.

    Recuperemos, pois, o preceito constitucional em causa:

    “[…]

    Artigo 165º

    (Reserva relativa de competência legislativa)

  3. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…)

    i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas;

    […]”

    E, por outro lado, também a norma posta em crise – artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho – sob a epígrafe “Taxa de Segurança Alimentar Mais”:

    “[…]

    1 — Como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre € 5 e € 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura.

    2 — Estão isentos do pagamento da taxa a que se refere o número anterior os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2.000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que:

    a) Não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2;

    b) Não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2.

    3 — Para efeitos do presente diploma, entende-se por «estabelecimento de comércio alimentar» o local no qual se exerce uma atividade de comércio alimentar a retalho, incluindo os estabelecimentos de comércio misto, tal como definidos na alínea l) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro.

    […]”

    2.1. A matéria em causa não constitui novidade para o Tribunal, que a apreciou, em Plenário, no Acórdão n.º 539/15. Ali também estava em causa a inconstitucionalidade orgânica que poderia decorrer da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP (entre outros fundamentos também analisados na decisão), tendo-se concluído que o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, não viola a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República estabelecida no artigo 165.º, n.º 1, i), da Constituição. Da fundamentação do referido Acórdão consta o seguinte, quanto à inconstitucionalidade orgânica do diploma, que havia sido afirmada na decisão recorrida:

    “[…]

    O presente recurso vem interposto da sentença de primeira instância que, em processo de impugnação judicial de ato liquidação, recusou a aplicação da norma do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, que criou a “taxa de segurança alimentar mais”, e das normas dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, que regulamentam, respetivamente, o regime de isenção e o valor daquela taxa para o ano de 2013.

    O julgamento de inconstitucionalidade que conduziu à recusa de aplicação das normas resultou de a referida “taxa de segurança alimentar mais” ter sido caracterizada, não obstante o seu nomen juris, como uma contribuição financeira a favor de entidade pública e de ter sido criada por decreto-lei não autorizado, quando ainda não se encontra definido por lei parlamentar o regime geral das contribuições financeiras que, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, constitui reserva de competência legislativa da Assembleia da República.

    O Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, cria, no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais que é definido como «um património autónomo, sem personalidade jurídica e dotado de autonomia administrativa e financeira» cuja direção compete, por inerência, ao diretor-geral de Alimentação e Veterinária, coadjuvado pelo diretor da unidade orgânica com competência em matéria financeira da DGAV (artigos 2.º e 6.º).

    Os objetivos do Fundo enquadram-se na proteção da segurança alimentar e da saúde do consumidor e no cumprimento das normas europeias em matéria de qualidade alimentar, nomeadamente: (a) financiar os custos de execução dos controlos oficiais no âmbito da segurança alimentar, proteção animal e sanidade animal, proteção vegetal e fitossanidade; (b) apoiar a prevenção e erradicação das doenças dos animais e das plantas, bem como das infestações por parasitas, designadamente com controlos sanitários, testes e outras medidas de rastreio, compra e administração de vacinas, de medicamentos e de produtos fitofarmacêuticos, abate e destruição de animais e destruição de culturas; (c) apoiar a preservação do património genético ou em matéria de encefalopatias espongiformes transmissíveis; e (d) incentivar o desenvolvimento da qualidade dos produtos agrícolas (artigo 3.º).

    A atividade do Fundo consubstancia-se na concessão de apoios financeiros a projetos, iniciativas e ações que visem a prossecução dos objetivos acima referidos, sendo seus potenciais beneficiários, nos termos dos artigos 7.º e 8.º, n.º 1, do Regulamento de Gestão do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, aprovado pela Portaria n.º 214/2012 de 17 de junho:

    a) a DGAV;

    b) outros serviços e organismos do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território;

    c) demais entidades públicas, compreendendo os serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado, as autarquias locais e as empresas do setor empresarial do Estado.

    São receitas do Fundo, entre outras que se encontram discriminadas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, o produto da “taxa de segurança alimentar mais”, que está regulada no artigo 9.º do mesmo diploma nos seguintes termos:

    (…)

    Como resulta da respetiva nota preambular, a aprovação do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, insere-se numa política de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores e assenta num princípio da responsabilização de todos os agentes económicos intervenientes em matéria de segurança e qualidade alimentar, em aplicação de normas de direito europeu que consagram a «obrigação de financiamento dos custos referentes à execução dos controlos oficiais por parte dos Estados membros, conferindo a estes a possibilidade de obterem os meios financeiros adequados através da tributação geral ou da criação de taxas ou contribuições...

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